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domingo, 12 de março de 2017

Não há déficit na Previdência Social. É isso mesmo?

Uma tese polêmica circula pela internet: não há déficit na Previdência Social. A ideia tem como principal base um estudo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), que sustenta que as contas do Orçamento da Seguridade Social — que engloba os gastos com aposentadorias, pensões, assistência social e saúde — poderiam estar no azul, caso fossem calculadas de forma diferente. Segundo a entidade, o governo deixa de contabilizar receitas e acrescenta despesas a esse orçamento, o que provoca o rombo. A metodologia é contestada pela maioria dos especialistas em contas públicas e pela equipe econômica.

Considerando o dinheiro que entra, a principal crítica da Anfip é em relação a um mecanismo chamado Desvinculação das Receitas da União (DRU), criado em 1994 para dar mais flexibilidade à forma como o governo pode gastar os recursos arrecadados com impostos e contribuições. Isso porque a Constituição prevê que alguns desses tributos são carimbados — ou seja, devem ser destinados para determinadas áreas. A DRU, criada por emenda constitucional, alterou essas regras, permitindo que o governo mexesse livremente em 20% dessas receitas — no ano passado, esse percentual passou a ser de 30%. As contribuições ao INSS não são afetadas pela DRU.

Mas, para a Anfip, a regra tira dinheiro da Seguridade. Um vídeo, distribuído pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco), resume o estudo e destaca que o Orçamento da Seguridade Social perdeu R$ 66 bilhões em 2015 por causa da DRU. A legenda diz que “não há rombo na Previdência, e sim um desvínculo anual”, com uso de impostos para outros fins. Nas contas da entidade, haveria superávit de R$ 11,2 bilhões naquele ano, valor suficiente para pagar as despesas da Previdência Social. A Anfip também alega que as desonerações fiscais tiraram dinheiro da seguridade ao longo dos anos.

Os dados do governo estão de acordo com os dos auditores fiscais, mas a equipe econômica nega que seja esse o motivo para o rombo da Previdência. Também em vídeo, criado para rebater a tese de que não há déficit no sistema, o Ministério da Fazenda confirma que as desvinculações chegaram a R$ 61 bilhões em 2015 — número semelhante ao usado pela Anfip —, mas que a Seguridade Social continuaria no vermelho em R$ 106 bilhões naquele ano, mesmo que os recursos não fossem desvinculados. Descontando as receitas usadas na DRU, o déficit calculado pela Fazenda é de R$ 166,5 bilhões.

A diferença entre os resultados é porque a associação, além de contabilizar volume diferente de receitas, desconsidera algumas despesas em sua metodologia. A principal delas são os gastos com aposentados e pensionistas do serviço público. Na avaliação da Anfip, esses gastos não fazem parte do Orçamento da Seguridade Social, pois são regidos por outro capítulo da Constituição Federal, que detalha o funcionamento dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).

Criador da DRU, o economista Raul Velloso explica que, na prática, a DRU não faz mais tanta diferença na conta, por causa do déficit na Seguridade, que se intensificou em 2016. Ele conta que a ideia surgiu para flexibilizar o dinheiro dos impostos criados em 1988, muitos com destinação exclusiva. Mas a estratégia só tem sentido quando sobra dinheiro da Seguridade Social — que, então, pode ser movimentado para dar conta de outros gastos.

Como os gastos com Previdência são obrigatórios, o governo até desvincula esse dinheiro, mas tem de devolver o que tirou e complementar para pagar os benefícios. Esse déficit é bancado pelo Tesouro Nacional.
— A DRU hoje é inócua. Minha invenção foi superada pelos fatos. Ela não consegue tirar mais dinheiro, o que adianta?

Para o presidente da Anfip, o mecanismo é prejudicial ao sistema previdenciário.
— A Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) é destinada exclusivamente para o social. A Cofins é destinada para seguridade social. Como o governo inventa uma DRU que permite retirar 30% dessas receitas, quando o sistema é solidário, e as receitas são de destinação exclusiva? — critica Vilson Romero, presidente da Anfip.

Ele contesta, ainda, a inclusão dos gastos com servidores na conta da Seguridade.
— É uma pedalada na Constituição — resume.

Para o governo, é correto contabilizar os gastos com servidores nessa parte do Orçamento.
— Hoje, o déficit (da Previdência) dos servidores públicos é de R$ 77 bilhões. Eles falam que não é um gasto com seguridade social porque não está no capítulo da seguridade social. Da mesma forma que gasto com professor é de educação, gasto com aposentado, do setor público ou privado, tem que ser Previdência — diz Arnaldo Lima, assessor especial do Ministério do Planejamento.

Benedito Passos, diretor do Núcleo Atuarial de Previdência, concorda com a visão da Anfip.
— A seguridade social poderia ter mais de R$ 1 trilhão de recursos hoje se nos últimos 12 anos não estivéssemos fazendo as transferências — avalia.

A opinião de Passos, porém, não encontra eco entre outros analistas. A maioria dos economistas especializados em contas públicas destaca que a tese do superávit não se sustenta, principalmente porque, no fim das contas, o dinheiro é um só. — A Previdência Social, e ainda mais a dos servidores, não é uma ilha da fantasia descolada do resto dos Poderes e recursos públicos. Ainda mais porque o seu déficit será sempre pago pelo próprio governo, logo, fica capenga fazer uma análise em que se considera apenas uma parte dos gastos — destaca José Roberto Afonso, economista do Ibre/FGV e professor do IDP.

O economista da FGV Samuel Pessôa destaca que, independentemente da forma de se contabilizar, há déficit, não só no sistema previdenciário, como na Seguridade Social:
— (A tese da Anfip) não pode ser considerada. Há déficit a partir de 2016 (mesmo sem a DRU) e ele será crescente independentemente da forma de contabilizar e de se devolver ou não as desonerações.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Encontro de poderes

A presidente Dilma fez bem em ir ao Congresso apresentar sua mensagem para o novo ano legislativo. Aliás, o que não faz sentido é o ritual brasileiro em que o ministro da Casa Civil entrega um discurso do presidente. Muito melhor é o do presidencialismo americano, em que o chefe do governo vai ao Congresso, faz seu balanço e fala de projetos.

As vaias contra a CPMF foram menos importante do que o ato em si de a presidente ir ao Congresso, que foi a proposta do ex-ministro Delfim Netto. Ela foi e falou sobre algumas reformas necessárias, mas gastou muito mais tempo em, de novo, elogiar o próprio governo com fatos e números que se distanciam da realidade. A oportunidade poderia ter sido mais bem aproveitada.

Este vai ser um ano difícil no conflito entre os dois poderes, como foi o ano passado. O governo está contando com receitas que dependem de aprovação de medidas controversas, como a CPMF. E o mais importante, este será o ano da tramitação do pedido de impeachment, o que vai elevar muito a tensão entre Congresso e executivo. Isso é mais um motivo que prova o acerto da presidente de ter ido ler a sua mensagem neste segundo ano da 55ª legislatura.

Nesta época de aperto de todos os cofres, ela lembrou que a CPMF terá uma parte para os estados. E para contornar a dificuldade de aprovar a DRU (Desvinculação de Receitas da União) ela disse que o governo proporá a mesma desvinculação para estados e municípios. Não chegou a sugerir acabar com as vinculações, mas tentou ter mais flexibilidade.

Ela levou adiante a proposta de flexibilizar a meta fiscal. Em má hora o governo pensa nisso. A ideia é criar limite para os gastos, mas ter metas mutantes, que acomodem perda de receita. Dilma continua afirmando que no ano passado foi feito um grande esforço fiscal. 

Alguém precisa apresentá-la ao resultado divulgado pelo Tesouro: 2015 terminou com um rombo de proporções olímpicas, R$ 115 bilhões. Na hora de apresentar a suposta diminuição das despesas, ela propôs que fosse excluído o que o governo gastou com a conta de energia. Se isso fosse possível, os brasileiros adorariam usar o mesmo truque e provar que estão com os orçamentos equilibrados. O que pesou no ano passado foi realmente a conta de luz, e o tarifaço foi ela que fez, com sua contraditória política energética.

A presidente quis convencer também que reduziu a carga tributária. Foi quando ouviu outras vaias. Excluiu as receitas obtidas com a Previdência, FGTS e o Sistema S para dizer que carga tributária federal caiu de 16% para 13,5% do PIB. O governo está, na verdade, elevando os impostos. A arrecadação está caindo por causa da recessão.

Ela exaltou vários programas que na verdade encolheram em 2015 como o Minha Casa, Minha Vida e o Pronatec. E apresentou como vitória o Programa de Proteção ao Emprego que teria preservado 41 mil empregos, no ano em que o número de desempregados aumentou em um milhão e meio.

Dilma defendeu a reforma da Previdência, mas o projeto ainda não está pronto. Ela tem razão quando diz que a reforma não reduzirá os gastos no atual governo, mas sim nos próximos, porque seu efeito é sempre prolongado no tempo. Tempo que se perdeu nos últimos 13 anos em que o tema não foi tratado, ou até mais tempo ainda. O ex-presidente Fernando Henrique encaminhou uma reforma que teve a feroz oposição do PT e acabou descaracterizada no Congresso, que derrubou a idade mínima.

Na melhor frase do discurso, a presidente disse que “crise é um momento muito doloroso para ser desperdiçado”. E desta forma ela fez a defesa de reformas que equilibrem as contas públicas. Faltou na sua fala a capacidade de mobilização e convencimento para enfrentar a crise grave como é e transformá-la em uma oportunidade de mudança. Até quando falou na tragédia do vírus zika faltaram à presidente palavras que ajudassem a superar o enorme fosso que existe hoje no sistema político brasileiro.

Quem fez um apelo pela união em torno de projetos de interesse nacional foi o presidente do Senado, Renan Calheiros, que, em poucos minutos, defendeu a independência do Banco Central e mudança da regulação que hoje paralisa o investimento no setor de petróleo.

Fonte: Coluna Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo

sábado, 17 de outubro de 2015

Contagem regressiva para definição sobre ajuste

Governo e Congresso precisam se entender sobre várias medidas até o final de dezembro, mas o Planalto não quer afrontar aliados, e cresce o risco de agravamento da crise

Como a velocidade da evolução da crise política não atende às necessidades terapêuticas da crise econômica, há a percepção de que as respostas do governo e Congresso para estabilizar a economia, e preparar a retomada do crescimento, não chegarão a tempo. E o pior é que as medidas anunciadas até agora não são as adequadas.

Como a vida não para à espera dos políticos e do Planalto, na quinta-feira mais uma agência internacional, a Fitch, rebaixou a nota de risco do Brasil, de BBB, para BBB-, deixando o país a apenas um passo da saída do “grau de investimento”, selo de qualidade para os investidores. 

Antes, a S & P, outra agência, maior que a Fitch, rebaixou o país para o “nível especulativo" — investimento no Brasil passou a ser de alto risco. Entre as justificativas, o envio ao Congresso pelo governo de uma proposta de Orçamento para 2016 com déficit, algo inédito. Reconhecido o erro, o Planalto se mobilizou para remeter ao Legislativo um conjunto de propostas embaladas como de ajuste fiscal, em que se destaca a recriação da CPMF, imposto renegado pelas distorções que provoca, e, por isso, com baixa probabilidade de ser carimbado pelo Congresso.

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O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não se cansa de repetir a meta de 0,7% de superavit primário para o ano que vem. E com razão alerta que, sem reequilíbrio fiscal, não haverá crescimento.Para a preocupação geral, mesmo que a CPMF viesse a ser recriada, o nó fiscal continuaria atado. Por conveniência política, para não afrontar aliados e o próprio partido, o PT, o Planalto não aborda a crise fiscal em toda a sua dimensão.

Em artigo publicado na segunda-feira no GLOBO, o economista Raul Velloso voltou a chamar a atenção para pontos essenciais da crise: de 2002, quando Lula ganhou o primeiro mandato, ao ano passado, fim do governo Dilma I, as despesas primárias (sem considerar os juros) da União cresceram 344%: bem mais que a inflação de 108% do período e a expansão real do PIB, de 46%. 

Se cortes pudessem ser feitos, a questão não seria tão grave. Mas não podem: 75% do Orçamento são para pagar a pessoas aposentadorias, outros benefícios previdenciários, funcionalismo, bolsas e demais programas ditos sociais. São recursos engessados por lei, ou razões políticas, e indexados à inflação ou ao salário mínimo, cuja fórmula infla uma parcela grande das despesas, mesmo numa profunda recessão como agora. Em janeiro, por exemplo, o salário mínimo subirá cerca de 10%, com brutal reflexo sobre bilhões em gastos. Calcula-se que apenas o novo mínimo inchará os gastos em 0,2% do PIB, enquanto cai a arrecadação tributária. Do Orçamento, há ainda a obrigatoriedade de 8% irem para a Saúde e 4%, para a Educação. 

Não há possibilidade, portanto, de se obter algum superávit substancial sem se alterar as regras de engessamento e de indexação dos gastos. É preciso, ainda, lançar logo reformas como a da Previdência, para desanuviar o horizonte da economia. 


A fim de quebrar a rigidez na administração orçamentária, existe a DRU (Desvinculação de Recursos da União), emenda constitucional que precisa ser aprovada até o fim de dezembro. Desengessará 30% até dezembro de 2023. A DRU é um “jeitinho” criado ainda na Era FH para contornar esta vinculação excessiva.

O tempo passa e muita coisa precisa ser feita até 31 de dezembro, para vigorar logo no dia 1º de janeiro. Mas, devido à crise política, o Congresso resiste até mesmo a renovar a DRU. Fazem sentido, então, o clima tenso e o pessimismo de agências de avaliação de risco. Para agravá-los, ainda há o discurso piromaníaco de Lula contra o ajuste fiscal. A saída, para ele e seguidores lulopetistas, é retornar à política anterior do “novo marco macroeconômico” — juros baixos e mais gastos, sempre na base da “vontade política”. Mas o “novo marco” é a causa da crise. Imagine-se o que acontecerá. O risco é o ajuste fiscal ser feito de forma selvagem, à la grega, pelo mercado, por meio de uma hiperinflação, acompanhada de profunda recessão, pior que a atual.


Fonte: O Globo