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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Biden, dá uma 'baidada' e aproxima mais China e Rússia contra os EUA - Macron recebe de Putin um sanduíche de vento - Blog Mundialista

Frustração: Macron descobre os perigos de tentar fazer acordo com Putin

Em busca de uma vitória diplomática que revertesse em ganhos eleitorais, o presidente francês sai de Moscou com sanduíche de vento na mão

Geopolítica não tem nada a ver com moralidade e tudo a ver com o uso efetivo do poder”. Assim o historiador e colunista Dominic Green definiu a palavra que está sendo ressuscitada diante dos lances dramáticos que tanto a China quanto a Rússia estão fazendo no tabuleiro mundial.

Com um cacife muitas e muitas vezes menor, a Rússia tem o destaque do momento porque parece ter ido além de suas capacidades ao colocar 130 mil soldados cercando a Ucrânia por três lados. Como sair dessa sem passar carão e sem nenhuma vantagem obtida para seu objetivo primordial, redesenhar o status quo vigente desde o fim da União Soviética?

A resposta está em em interlocutores como Emmanuel Macron. Extremamente bem preparado e inteligente, Macron avaliou que se daria bem se aparecesse como o líder político que desativou a bomba armada por Vladimir Putin na Ucrânia. Já que Putin não quer invadir a Ucrânia, mas garantir que os americanos, via Otan, fiquem longe de suas fronteiras, por que não oferecer uma porta de saída a ele, foi o raciocínio por trás da missão diplomática que levou Macron a uma reunião de emergência no Kremlin, “num salão frio como a Sibéria”, na definição de um político oposicionista, com cada um numa cabeceira de uma mesa que acomodaria metade de uma corte czarista?

Macron saiu da mesa gigantesca achando que tinha conseguido a concordância de Putin para “não empreender novas iniciativas militares” – diplomatês para não desencadear a temida invasão.  “Essencialmente, é falso”, qualificou o gélido porta-voz de Putin, Dmitri Peskov. “Moscou e Paris não puderam selar nenhum pacto. É, simplesmente, impossível”.

A faca foi revirada sem piedade. “A França ocupa a presidência da União Europeia. A França é membro da Otan, onde Paris não tem a liderança. Neste bloco, a liderança é de outro país. Que acordos podemos discutir?”.

Tapinha adicional: mal acabou o encontro do qual Macron saiu dizendo que a Rússia tinha se comprometido a congelar a situação atual e foram anunciadas novas manobras perto da fronteira com a Ucrânia.

Qual a jogada de Putin?

Nas interpretações mais pessimistas, ele está conseguindo tudo o que queria. “Os Estados Unidos foram expostos como um protetor não confiável, incapaz de defender uma posição avançada demais como a na Ucrânia, na porta de entrada da Rússia”, escreveu Dominic Green. “A Otan está dividida e enfraquecida, uma sombra da projeção imperial”.

Pode haver exagero nessa análise, mas é verdade que França e, principalmente, Alemanha fazem uma espécie de reação passiva-agressiva aos Estados Unidos na questão da Ucrânia. O novo primeiro-ministro alemão, Olaf Sholz, foi a Washington para manifestar apoio aos Estados Unidos, mas se recusou a repetir as palavras de Joe Biden. O presidente americano garantiu que o gasoduto Nord Stream 2 entrará nas sanções contra a Rússia se a Ucrânia for invadida.

A dependência alemã do gás russo é o tipo de fragilidade geoestratégica que Putin sabe explorar muito bem. Como mestres na arte da propaganda, os russos também identificam a tática americana de propalar em tom estridente todos os possíveis e até as impossíveis –  desenvolvimentos que significariam uma intervenção russa.

Um deles: uma operação de “bandeira falsa” que simularia um ataque contra ucranianos de origem russa, justificando a intervenção armada.

A armação é notavelmente parecida com um episódio infame da Alemanha nazista. Para justificar a invasão da Polônia, homens das SS simularam um ataque polonês à rádio da cidade fronteiriça de Gleiwitz. Prisioneiros do campo de trabalhos forçados de Dachau foram vestidos com fardas polonesas, mortos e mutilados (curiosidade histórica: quem forneceu os uniformes foi Oscar Schindler, colaborador da inteligência militar e depois salvador de 1 200 judeus que trabalhavam em sua fábrica). Serviram para “provar” a falsa agressão da Polônia.

A operação Gleiwitz foi no dia 30 de agosto de 1939. Em 1º de setembro, foi desfechada a invasão da Polônia – e começou a II Guerra Mundial. Os russos emulariam um episódio tão conhecido, com suas tétricas consequências?  Não é provável – mas também não é impossível. Operações assim têm por objetivo convencer a opinião pública interna, que não constitui um problema grave para Putin. A máquina de propaganda já convenceu a maioria dos

A máquina de propaganda já convenceu a maioria dos russos que a Otan é o agente agressor.  Com um Putin irredutível, Macron partiu para o lado mais fraco e foi a Kiev pressionar o mais azarado dirigente mundial, o presidente ucraniano Volodimir Zelenski. As propostas de Macron implicariam, em última instância, em tirar da constituição ucraniana a cláusula que estabelece como objetivo nacional entrar para a Otan e passar a desfrutar da proteção garantida a todos os seus membros.  “Temos uma visão comum com o presidente Macron sobre as ameaças e os desafios à segurança da Ucrânia, a toda a Europa e ao mundo, de forma geral”, esquivou-se diplomaticamente o ex-comediante.

Emmanuel Macron não é bobo e sabe bem com quem está lidando. Sabe também que tem uma eleição a ganhar em abril e qualquer coisa que pareça com uma acomodação na Ucrânia poderá ser usada a seu favor. Muitas das exigências da Rússia para desarmar a bomba ucraniana são tão absurdas que foram feitas justamente para cair numa eventual mesa de negociação. Se Macron conseguiu nada ou muito pouco com sua arriscada viagem é porque Putin quer, pelo menos por enquanto, manter a pressão. E ver até onde os aliados europeus dos Estados Unidos não entram em pânico.

Blog Mundialista - Vilma  Gryzinski - VEJA


segunda-feira, 6 de abril de 2020

“ONDE ESTAVA DEUS NAQUELES DIAS?” - Percival Puggina

 A pergunta lançada como um grito por Bento XVI ao visitar o campo de extermínio de Auschwitz em 2006 ecoa 14 anos mais tarde diante dessa versão hodierna da peste representada pelo Covid-19. Onde estava Deus quando permitiu o surgimento desse vírus que mata, enferma, esgota recursos materiais e financeiros, fecha igrejas, destrói empregos, joga bilhões de homens livres em prisão domiciliar? Lembro que a pergunta profundamente humana de Bento XVI foi estampada em todos os jornais e replicada em todos os idiomas. Causava um certo desconforto, uma espécie de cheque mate teológico aplicado às pessoas de fé. Até, claro, pararmos para pensar.

O Papa, qualquer Papa, é um ser humano sujeito às nossas mesmas angústias e inquietudes. Ele não fala com Deus todos os dias através do celular. Quem ainda não se interrogou sobre o silêncio de Deus? Quem, perante a dor, o sofrimento e a aflição, nunca clamou pela interferência direta do Altíssimo?

O paciente Jó, sofredor sempre fiel, nos fornece antigo exemplo bíblico desses brados da nossa débil natureza, que soam e ressoam através das gerações. A manifestação de Bento XVI, que ele mesmo chamou de grito da humanidade, foi humilde e reiterada expressão dessa mesma humanidade. Nem mesmo Jesus escapou a tão inevitável contingência: “Pai! Por que me abandonaste?”

Não conheço Auschwitz. Contudo, visitei o campo de concentração de Dachau e o memorial lá existente. Saímos, minha mulher e eu, com a impressão de havermos visitado um santuário onde a presença de Deus era quase palpável. E isso não se constituiu numa contradição. Ao contrário, aquele lugar de tantos padecimentos se converteu, de modo inevitável, em silencioso ambiente de reflexão e oração, no qual se percebe com nitidez o que acontece quando os homens, prescindindo do Senhor do bem, se bestializam e se convertem em senhores do mal.

É fácil imaginar, igualmente, a presença divina atuando nos incontáveis gestos de solidariedade que, por certo, ocorrem numa situação como aquela. Ativo no coração dos que o amam, ali agia o Deus de todas as vítimas, consolo dos que sofrem, esperança dos aflitos e destino final dos seus filhos. É claro que a nós pareceria mais proveitoso um Deus que atuasse como gerente supremo dos eventos humanos, intervindo para evitar quaisquer males, retificando a imprudência dos homens, proclamando verdades cotidianas em dizeres escritos com as nuvens do céu, fazendo o bem que não fazemos, a todos santificando por ação de seu querer e pela impossibilidade do erro e do pecado.

Nesse paraíso terrestre, nada seria como é e nós não seríamos como somos. Não haveria cruz, nem Cristo. Não haveria lágrimas, nem dor. Tampouco morte, ou vida. É o imenso respeito divino à nossa liberdade que configura a existência humana como tal e que nos concede o direito de bradar aos céus. No entanto, tão rapidamente quanto Deus nos ouve, ouve-nos nosso próprio coração. Sim, porque Deus estava ali, em Auschwitz, como estava em Dachau. Mas não havia lugar para ele no coração dos algozes.

Nesta quaresma das quarentenas, nesta semana que nos leva à Páscoa da Ressurreição, aprendamos com as lições da história, da ciência e da prudência. Aprendamos com o que acontece quando o materialismo, o relativismo e os totalitarismos investem na concretização de seus projetos de poder. Eles jamais abandonam o tabuleiro das opções e seus males sempre se fazem sentir.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.