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segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Desastre anunciado - Revista Oeste

Edilson Salgueiro

Durante a campanha eleitoral, o PT prometeu revogar todos os avanços econômicos conquistados pelos brasileiros nos últimos anos. A promessa está sendo cumprida com maestria

Geraldo Alckimin, Lula e Gleisi Hoffmann | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução redes sociais/Shutterstock

Geraldo Alckimin, Lula e Gleisi Hoffmann | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução redes sociais/Shutterstock 

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não brinca em serviço. Antes mesmo de mudar seu CEP para Brasília, o presidente eleito e sua equipe deram início à tentativa de destruição dos avanços econômicos conquistados pelos brasileiros nos últimos anos. Para cumprir as inviáveis promessas de campanha e atender às reivindicações das velhas raposas da política, o embrionário governo petista deu com os dois pés na porta. Propôs o fim do teto constitucional de gastos, aprovado em 2016 pela administração Michel Temer (MDB), e anunciou a criação de 13 novos ministérios. O dinheiro para bancar essas e outras extravagâncias do partido que já saqueou o país sairá do bolso dos pagadores de impostos.

A equipe de transição, liderada pelo ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB), está pedindo licença para gastar até R$ 200 bilhões acima do Orçamento de 2023. A justificativa? Financiar o Bolsa Família de R$ 600 e abocanhar mais recursos para os “programas prioritários”. A manobra ainda depende de uma ampla articulação no Congresso, mas sua tentativa de torná-la viável mostra que a responsabilidade fiscal não faz parte do conjunto de valores petistas.

Ao mesmo tempo, os líderes do partido trabalham para escolher os 13 novos ministros de Estado que ocuparão os escritórios da Esplanada. A extensa lista inclui os ministérios do Planejamento, da Fazenda, da Pequena e Média Empresa e da Indústria, atualmente contidos no Ministério da Economia; Igualdade Racial, Direitos Humanos e Mulher, que hoje integram o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos; Segurança Pública e Povos Originários, que estão dentro do Ministério da Justiça e Segurança Pública; Pesca e Desenvolvimento Agrário, atualmente inseridos no Ministério da Agricultura; Previdência, que compõem o Ministério do Trabalho e Previdência; e Cultura, hoje ligada ao Ministério do Turismo.

Condenados ao atraso

Os especialistas consultados pela Revista Oeste afirmam que as propostas do PT representam um retrocesso para a economia do país, visto que tendem a aumentar os gastos públicos e a dificultar a eficiência administrativa do governo. “É uma irresponsabilidade fiscal enorme”, criticou o deputado federal Alexis Fonteyne (Novo), referindo-se ao furo do teto de gastos. “Isso é endividamento das próximas gerações. É emissão de títulos públicos no mercado, que a população brasileira terá de pagar. Lembremos que quem paga a conta são os mais pobres, porque o sistema tributário do país é regressivo.”

Alan Ghani, ph.D. em finanças pela Universidade de São Paulo e economista-chefe da SaraInvest, segue na mesma linha. “Quando falamos na criação de novos ministérios, devemos considerar os salários dos ministros e dos assessores, fora os gastos operacionais”, observou, ressalvando que nem sempre a redução de ministérios reflete na diminuição dos gastos públicos. “É uma medida ineficiente, um sinalizador ruim. Isso mostra que o futuro governo visa à expansão da máquina pública. O PT está mostrando que as demais políticas do governo devem seguir essa tendência. Isso nos condena ao atraso.”

Diferentemente do que dizem os bacharéis da imprensa militante, a proposta do PT de romper o teto de gastos é diferente daquela sugerida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para financiar o Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023. O “Posto Ipiranga”, como é chamado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), havia considerado duas possibilidades para viabilizar o benefício à população carente: a primeira dependeria da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Se o conflito continuasse, o governo federal buscaria prorrogar o estado de emergência no país — o que lhe daria condições de obter mais recursos e, por consequência, bancar o novo Auxílio Brasil. A segunda possibilidade seria a taxação de lucros e dividendos, que não teria relação com o cenário externo.

“Os R$ 600 virão de dois possíveis lugares”, explicou o ministro, em live realizada em setembro deste ano. “Um, se a guerra continuar lá fora, continuaremos com o estado de emergência. A outra forma é a taxação de lucros e dividendos para quem ganha acima de R$ 400 mil por mês. O pessoal paga um imposto bem pequeno. O certo seria pagar 27%, mas não queremos essa quantidade. A proposta da equipe econômica é 15%, abaixo da pessoa física, que paga 27%.”

Para o economista Ubiratan Jorge Iorio, colunista de Oeste, as equipes econômicas de Lula e Bolsonaro trabalham de maneiras distintas. “A proposta do Guedes era diferente, porque o ministro tem uma perspectiva de enxugamento do Estado e de estímulos ao setor privado”, observou, ao explicar que eventuais ajustes no Orçamento serviriam para compensar as despesas com o Auxílio Brasil. “A proposta do PT, por sua vez, mostra a total falta de responsabilidade que o partido tem com o dinheiro dos pagadores de impostos. Durante a campanha, os petistas prometeram uma série de benesses, mas não tinham ideia de onde viriam os recursos.”

Em nome da “governabilidade”

A expectativa de Lula ao distribuir cargos em ministérios é ter “governabilidade”, ou seja, receber o apoio dos parlamentares e blindar-se de eventuais boicotes. Mas a história brasileira mostra que o aumento no número de pastas não tem relação com a sustentação política do governo. Fernando Collor de Mello (PTB), por exemplo, assumiu com apenas 12 ministérios. E perdeu a faixa presidencial tendo 16, depois de sofrer impeachment. Já Dilma Rousseff (PT) chegou a ter 39 ministros — o maior gabinete da Nova República. Um ano depois, contudo, acabou derrubada em outro processo de impeachment. Bolsonaro assumiu a Presidência com 23 ministros. “Um número elevado de ministérios é ineficiente e não atende aos interesses legítimos da nação”, afirmou o chefe do Executivo, pouco antes de dar início ao governo. “O quadro atual deve ser visto como resultado da forma perniciosa e corrupta de fazer política.”

Depois de ter destruído as hastes que sustentaram a retomada da economia brasileira neste milênio, Lula disse ter recebido uma “herança maldita” de FHC. Atualmente, diz a mesma coisa sobre Bolsonaro

A declaração de Bolsonaro tem razão de ser. Em todo o período republicano, e especialmente nos governos petistas, o brasileiro acostumou-se a ver políticos corruptos, ineptos e ideológicos ocupando cargos importantes. Antônio Palocci, por exemplo, que liderou o Ministério da Fazenda de Lula, estampou inúmeras manchetes por ter chefiado um esquema de corrupção na época em que era prefeito de Ribeirão Preto. Palocci teria cobrado propina de até R$ 50 mil por mês de empresas que prestavam serviços à prefeitura. Esse dinheiro seria utilizado para financiar campanhas eleitorais.

Já o deputado federal Orlando Silva (PCdoB), ex-ministro dos Esportes, foi acusado de estar envolvido em uma série de esquemas de desvio de dinheiro em programas da pasta, que visavam a beneficiar seu partido. Mas o ponto máximo da balbúrdia promovida em ministérios ocorreu em 2016, quando Dilma nomeou Lula como ministro da Casa Civil. Na época, o petista estava com um pedido de prisão em análise pela Justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF), ainda ciente de seus deveres constitucionais, decidiu barrar a manobra da ex-presidente, que estava na iminência de sofrer impeachment.

Na contramão desse histórico tenebroso, o atual governo conseguiu indicar um elenco de ministros técnicos e conscientes de suas atribuições. O ex-ministro Sergio Moro, por exemplo, obteve sucesso enquanto esteve no comando da Justiça e Segurança Pública. Em sua gestão, o Brasil registrou uma queda drástica no índice de homicídios. Nas eleições deste ano, conquistou uma vaga no Senado Federal. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a Guedes, que conduziu o país com maestria durante os períodos turbulentos da pandemia e da guerra no Leste Europeu. Tarcísio Gomes de Freitas, o mais discreto dos ministros, conquistou a confiança dos paulistas depois de desempenhar um trabalho irretocável na Infraestrutura. Elegeu-se governador e despachou Fernando Haddad (PT), agora cotado para assumir uma pasta no governo Lula.

Liberalismo de ocasião

Não há segredo. Um simples exercício de comparação mostra que é possível administrar o país sem inflar o número de ministérios nem oferecer cargos em troca de apoio político. Mas o PT está disposto a repetir os mesmos erros do passado. Com a equipe de transição atuando em Brasília, os nomes cotados para os ministérios do governo Lula passaram a estampar as manchetes dos jornais. E o pagador de impostos não tem motivos para vislumbrar um futuro próspero. Pelo contrário. A equipe que protagonizou os maiores escândalos de corrupção da República está de volta à cena política.

Haddad, Jaques Wagner, Wellington Dias e Gleisi Hoffmann, por exemplo, concorrem à Casa Civil. Neri Geller, Carlos Fávaro e Simone Tebet disputam a Agricultura. Alexandre Padilha, Rui Costa, Guilherme Mello, Pérsio Arida, Nelson Barbosa e André Lara Resende podem assumir a Economia. Já o Ministério da Justiça deve ser comandado por Flávio Dino, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Carvalho, Silvio Almeida, Pierpaolo Bottini ou Sérgio Renault. Marina Silva, João Paulo Capobianco e Randolfe Rodrigues estão sendo cogitados para a vaga no Ministério do Meio Ambiente. O Ministério da Cultura tem como opções Daniela Mercury, Flora Gil, Bela Gil, Gabriel Chalita e Marcelo Freixo.

O grupo técnico de economia despertou uma faísca de esperança em liberais que acreditam que o PT deixará de ser um partido estatizante e passará a reconhecer a prevalência do livre mercado. Ledo engano. “Quando vi Palocci no Ministério da Fazenda e Meirelles no Banco Central, dizia que o PT havia adotado um liberalismo de ocasião”, lembrou Ghani, ao mencionar os dois primeiros mandatos de Lula. “Eles não acreditavam realmente na liberdade econômica, apenas precisavam daquilo para governar. Vejo com bons olhos Pérsio Arida e Lara Resende, mas entendo que servem apenas para acalmar o mercado. É para não deixar a taxa de juros e o dólar subirem. É um movimento parecido com o de 2003, uma concessão liberal. Isso não significa que os petistas terão comprometimento com o liberalismo, com a responsabilidade fiscal, com menos intervenção no câmbio e no preço dos produtos.”

Fonteyne concorda com Ghani e alerta para as “malandragens” do PT na composição dos ministérios técnicos. “A indicação definitiva do ministro da Economia é que valerá de fato”, salientou o parlamentar. “É nesse momento que veremos se a ala petista mandará mais que a área racional, técnica e acadêmica. É nessa hora que, talvez, haverá o fim da lua de mel entre os diferentes grupos que apoiaram Lula para se livrar de Bolsonaro.”

Do boom das commodities às contas públicas em dia

Em 2003, Lula vestiu a faixa presidencial depois de vencer José Serra (PSDB) nas eleições do ano anterior. Estabilizada pelo Plano Real, a economia brasileira decolou ao exportar para o mundo sua diversidade de grãos, frutas e legumes. O cenário externo favorável, sem conflitos de dimensões continentais, possibilitou a geração de riqueza que, posteriormente, subsidiou programas sociais, financiou obras de infraestrutura e transformou o país em uma potência. Essa mesma bonança foi utilizada pelo PT nos maiores escândalos da Nova República, como o Mensalão e o Petrolão.

Depois de ter destruído as hastes que sustentaram a retomada da economia brasileira neste milênio, Lula disse ter recebido uma “herança maldita” de FHC. Atualmente, diz a mesma coisa sobre Bolsonaro. Tanto num caso quanto no outro, o petista mente. Se há 20 anos Lula pôde surfar num ambiente externo amplamente favorável, desta vez encontrará um país com superávit nas contas públicas, com lucro nas estatais e deflação galopante. Em suma, Lula está pronto para herdar novamente um país em ordem e entregá-lo em desordem. E ninguém poderá dizer que foi enganado.

Leia também “Retomando o caminho para a miséria”

Edilson Salgueiro, colunista - Revista Oeste 

 

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Desastre anunciado - William Waack

O Estado de S. Paulo

O quadro eleitoral americano parece confirmar as previsões para nossa política externa

Profissional de carreira que é, pode-se assumir que o embaixador brasileiro em Washington já cultive contatos com os democratas que provavelmente vão assumir junto com Joe Biden. Talvez áreas do governo como Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, além das pastas militares, possam ajudá-lo. O pessoal da área internacional “pura” do atual governo só tem os números da turma ligada a Trump.

Se as eleições fossem hoje Trump estaria fora, e as relações do Brasil com Washington em precária situação. A opção preferencial pela pessoa do Trump feita por Jair Bolsonaro configura-se um desastre de proporções inéditas na história da nossa política externa. Não há exemplo de “alinhamento automático” tão mal conduzido. Mesmo na Guerra Fria o regime militar brasileiro levou nossos negócios em relação aos EUA de forma mais autônoma.

Cristalizaram-se nos últimos dias dois dilemas geopolíticos que se tornaram ainda piores devido ao apego de Planalto a Trump. O primeiro é o fato de que Joe Biden, o candidato democrata que hoje derrotaria Trump apresentou um ambicioso programa de recuperação econômica dos Estados Unidos baseado na “economia verde”, o que inclui a volta dos Estados Unidos ao Acordo de Paris (que o Brasil, macaqueando Trump, maltratou).

Procura jogar a ainda maior economia do mundo numa larga avenida de investimento em energias renováveis, novas tecnologias e provavelmente exercendo ainda maior pressão política e comercial sobre o Brasil e suas políticas ambientais. Biden não vai conseguir fazer o relógio voltar para trás, mas promete retomar muito do “multilateralismo” (“globalismo”, como preferem dizer os bolsonaristas) e restituir parte da importância de agências que Trump fez questão de tentar destruir, como as da ONU (em alguns casos, com implícita colaboração brasileira).

A outra questão geopolítica é a participação da gigante de telecomunicações chinesa Huawei na infraestrutura brasileira do 5G, uma decisão que se aproxima para legisladores e governantes brasileiros, e que já causa notável angústia. O ministro Paulo Guedes resumiu há pouco o problema: “o ideal seria deixar a competição progredir, americanos contra chineses, mas surgiu essa questão geopolítica”. Trata-se da cobrança para o Brasil seguir o mesmo caminho que o Reino Unido, que foi banir a gigante chinesa de telecomunicações.

O 5G vai colocar também a cúpula militar brasileira contra a parede. Nossos militares no momento celebram, e com razão, um entendimento com os americanos que promete aplainar o acesso a tecnologias de ponta na área de defesa. Mas os sinais vindos de Washington são inequívocos: parcerias estratégicas no campo de defesa vão depender do comportamento do Brasil em relação ao uso de tecnologia e equipamentos chineses.

Conter a China é um consenso entre republicanos e democratas nos EUA, com a diferença do mau humor em relação ao Brasil que se pressupõe inicialmente de uma administração democrata – que ainda por cima tem boas chances de conquistar nas urnas em novembro também o Senado. Boa parte do nosso governo acredita que a China precisa comer e não vai retaliar o Brasil, um de seus principais fornecedores de commodities agrícolas. É uma perigosa zona de conforto mental. A China tem condições de nos causar muita dor.

Na figura do general Hamilton Mourão, vice presidente e coordenador das políticas para a Amazônia, o governo brasileiro admitiu no Senado esta semana que a guerra das narrativas está perdida para nós, que o Brasil está na defensiva, e que precisa apresentar resultados ao mundo para “sair das cordas” (Mourão). O que deixa Bolsonaro diante de um problemão formidável de política externa pelo qual só pode culpar a si mesmo. 

William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo