Pesquisa encomendada por VEJA com mais de 3 000 mulheres em relações estáveis revela o que elas pensam sobre o parceiro na cama
J., produtora, 37 anos, em um relacionamento há seis anos
“Falta a faísca, falta fogo. Quando eu era solteira, gostava
muito de sexo e tinha sempre vontade de fazer. A rotina, o stress do
trabalho e a mesmice deixaram o meu relacionamento morno. Tenho medo de
dizer o que sinto e acharem que sou muito mandona ou castradora. Evito
falar de sexo por medo de assustar ou de afastar meu companheiro ainda
mais.”
As mulheres casadas estão insatisfeitas na cama. Eis o resultado, sem
meias palavras, de uma pesquisa feita para VEJA pela sexóloga
brasiliense Cátia Damasceno, animadora do mais popular canal do YouTube a
respeito da sexualidade feminina, com mais de 4 milhões de inscritos,
autoridade no assunto. Foram ouvidas 3 172 mulheres de todas as regiões
do país, de 18 a 45 anos, em relacionamentos estáveis. A principal
revelação: seis em cada dez afirmam querer relacionamentos sexuais mais
frequentes e de melhor qualidade. Apenas 30% disseram estar felizes.
Quase a metade sonha ver o companheiro se comportar como no início da
união,
“com romance, surpresas e jantares” (acompanhe os resultados detalhados no gráfico abaixo).
“Vivemos num momento de conquistas em que nos sentirmos desejadas e
termos orgasmos passou a ser tão decisivo quanto buscar um espaço no
mercado de trabalho ou na divisão justa das tarefas domésticas”, diz
Cátia.
VEJA encomendou o levantamento ao perceber, no espaço eletrônico de
Cátia e em outros endereços das redes sociais,
um crescimento explosivo
de reclamações femininas. Já não há dúvida: acabou o estereótipo do
homem de apetite sexual inesgotável e da companheira que, para evitá-lo,
alega a famosa
“dor de cabeça” e vira de lado. É um tabu que aos poucos
vem sendo superado. Elas querem mais, elas exigem mais,
definitivamente, ainda que permaneça viva alguma barreira de vergonha,
de incômodo —
por isso, talvez, as personagens ouvidas por VEJA pediram
anonimato (leia os depoimentos ao longo desta reportagem).
Ainda hoje, diz Carmita Abdo, psiquiatra e sexóloga da Universidade
de São Paulo (USP)
, “algumas mulheres preferem o rótulo de baixa libido a
ter de explicar para o marido que as preliminares dele não são mais tão
interessantes”. O homem, como sempre, fica perdido e inseguro — e a
falta de comunicação vira sinônimo de falta de sexo. Convém ressaltar
que já foi muito pior, e que a bravura de pioneiras abriu as portas
. Até
meados dos anos 1970, o corpo da mulher era um tema secreto:
a palavra
clitóris, pensavam os supostamente bem informados
, era proparoxítona — e
palavrão. Foi apenas com a publicação do
Relatório Hite, da
sexóloga americana Shere Hite, em 1976, que o orgasmo feminino passou a
existir nos jornais, nas revistas, nos programas de televisão e rádio. O
volume de 400 páginas, construído a partir de longas conversas, chegou a
ser proibido, inclusive no Brasil. O
Relatório foi como uma
senha de que algo muito grande fora rompido, e bastaria olhar um
pouquinho para trás, no tempo. Em dezembro de 1966, uma edição especial
da revista
Realidade, publicada pela Editora Abril, foi recolhida
das bancas, depois triturada, por trazer capítulos sobre prazer, aborto
e fotos de um parto. No despacho, o juiz de menores que ordenou a
censura e autorizou o recolhimento dos exemplares pela Delegacia de
Costumes de São Paulo foi claro ao dizer que a publicação continha
“algumas reportagens obscenas e profundamente ofensivas à dignidade da
mulher, ferindo o pudor e a moral comum, com graves inconvenientes e
incalculáveis prejuízos para a moral e os bons costumes”.
P., advogada, 28 anos, em um relacionamento há três anos
“Parece que o sexo é uma responsabilidade minha, apenas. Tenho de
pensar na roupa, comprar uma lingerie, seduzir o meu parceiro e
convidá-lo para o sexo. A parte dele é só aceitar. Não acho que ele tem
essa preocupação de quebrar a rotina, inovar, pensar em como me atrair
ou me seduzir. No começo de tudo, era ótimo. Fazíamos sexo pelo menos
três vezes na semana. Hoje, só uma vez. Talvez fosse apenas o calor da
novidade. Quando transamos, eu sinto prazer. Não é esse o problema. A
falta de iniciativa dele é que me frustra.”
Não há mais hipótese de aparecerem reações autocráticas desse tipo,
e, se surgirem, serão expelidas.
A revolução sexual venceu, com feridas
no caminho. E, no entanto, mesmo com os avanços, há ainda uma longa
estrada a ser atravessada. Hoje, apesar da liberdade e da diluição de
preconceitos, as mulheres lutam por um novo passo: anseiam por qualidade
entre quatro paredes, querem ser ouvidas, querem diálogo — por gosto,
porque é bom, mas também em razão de necessidades biológicas e
comportamentais.
Uma pesquisa publicada recentemente na revista científica
Social Psychological and Personality Science revelou
que os casais que fazem sexo pelo menos uma vez por semana são mais
felizes com seu relacionamento do que aqueles que o fazem com menos
frequência. A explicação vai além do romance.
O sexo aumenta a imunidade
e melhora o humor, diminuindo os níveis de stress. Chegar a um orgasmo
estimula ainda mais esses mecanismos, com a descarga de ocitocina e de
endorfina, substâncias ligadas ao prazer e ao relaxamento. E, no
entanto, psicólogos e sexólogos tentam minimizar a relevância da
quantidade de sexo.
Há uma ideia consensual: a frequência boa é aquela
em que os dois estão satisfeitos e ponto. Um casal pode funcionar muito
bem se fizer sexo três vezes por semana. Outros combinam perfeitamente
se as relações ocorrerem duas vezes por mês. O problema acontece quando
cada parte do casal deseja uma rotina diferente — e daí surge a
insatisfação.
“A única definição de sexo bom ou sexo normal é o sexo que
você gosta, que você aproveita”, disse a
VEJA a psicóloga americana
Emily Nagoski, autora do best-seller
A Revolução do Prazer — Como a Ciência Pode Levar Você ao Orgasmo. “Não
importam as estatísticas de sexo. Tem a ver com você e com a sua vida
sexual, o seu prazer, o seu relacionamento e o seu corpo.”
(...)
Na equação da rotina sexual é preciso ter em mente determinadas
variáveis que mudam as regras do jogo
. A principal delas, fundamental: o
tempo de relacionamento. Algumas pesquisas já mostraram que o período
da paixão e da conquista acaba após cerca de dois anos, quando o fogo
inaugural se apaga. Depois desse tempo, é preciso aprender a conciliar
segurança e previsibilidade com o desejo. Essa conta nem sempre fecha se
não houver esforço das duas partes. E o que as mulheres parecem
desejar, apontam as respostas obtidas no levantamento de
VEJA, é a
mudança dentro do quarto, a chance de reacenderem a flama. Nas ruas, nas
últimas décadas, houve vitória parcial, e ela deve ser celebrada. No
mercado de trabalho, apesar de ainda existir um fosso, o salário da
mulher começa a se aproximar do recebido pelo homem. Movimentos como o
americano
#MeToo, contra o assédio sexual, espalham-se como necessidade,
jogando na lata de lixo da história ironias como a de
Millôr Fernandes,
que a certa altura, no início dos anos 1970, escreveu qu
e “o melhor
movimento feminino ainda é o dos quadris”. Há machismo, sim, mas a
sociedade tem anticorpos para debelá-lo.
(...)
MATÉRIA COMPLETA, VEJA
Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637