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quinta-feira, 25 de março de 2021

Elites revoltadas - William Waack

O Estado de S. Paulo

Está evidente o divórcio entre setores de peso das elites econômicas e o presidente

William Waack: 'Do agro aos 'Faria Limers', elite econômica se divorcia do presidente

 “Essa barca já foi”, diz empresário de peso, engajado em política, sobre o apoio de colegas ao presidente Jair Bolsonaro. Uma parte relevante da elite industrial, do setor financeiro, serviços e até varejo considera inútil esperar mudanças de conduta de Bolsonaro em relação ao combate à pandemia e à economia. Essa postura ficou escancarada com a adesão desses setores, com destaque para o financeiro, a um manifesto político batizado de “carta dos economistas”.

Para onde vão com a barca, que é conduzida por grupos informais de WhatsApp, ainda é uma incógnita. Neste momento, quem se disporiam a apoiar é um porto desconhecido para os próprios empresários, integrantes de uma elite que abraçou entusiasmada a derrocada do PT e a eleição de Bolsonaro em 2018 e hoje se considera profundamente decepcionada. [não é segredo para ninguém, que o entusiasmo dos empresários brasileiros pelo Governo - qualquer governo - é diretamente proporcional ao que estão ganhando ou esperam ganhar = no momento em que constatam  que não vão ganhar ou vão deixar de, abandonam o barco = os ratos, quando um navio está afundando, ou corre risco de afunda, são os primeiros a abandonar a embarcação = Bolsonaro em um gesto de coragem e determinação a favor do povo brasileiro, reduziu um pouco os lucros dos bancos, mais que suficiente para que o barco comece a ser abandonado.] Esse estado de espírito está se propagando e já chegou a setores do agronegócio – lembrando que a candidatura de Bolsonaro cresceu no arco próspero produtor de grãos e proteínas antes de se transformar em fenômeno em grandes centros urbanos.

 “Demos a ele 75% dos votos aqui em Santa Catarina”, afirma dirigente de entidade representativa de produtores rurais naquele Estado. “Hoje a gente se pergunta para que fizemos isso.” [esse presidente deveria antes de expelir perguntas bobas, informar se nos cálculos do que esperavam ganhar, estava incluído uma pandemia; temos nossas dúvidas sobre a representatividade da entidade anônima que o mesmo preside.
O pessoal do agro negócio gosta de trabalhar e jamais estarão entre os primeiros a abandonar o barco - o comentário parece mais partir daqueles que gostam de ganhar dinheiro, e muito, com o suor dos outros.] 
 
 A despedida em relação ao governo Bolsonaro de relevantes segmentos da economia, incluindo os famosos “Faria Limers”, vem um pouco depois do desembarque das elites acadêmicas e das profissões liberais não necessariamente identificadas com o que se possa chamar de “esquerdas”. Antes mesmo da vitória de Bolsonaro, alertavam para o componente corporativista, populista, extremista e ideologizado que – e o diagnóstico revelou-se certeiro se imporia sobre qualquer projeto de agenda “liberal” na economia.

Há um componente na “visão de mundo” populista de Bolsonaro perfeitamente em linha com fenômenos comparáveis na Europa, Ásia e EUA. É o desprezo pelas elites em sua acepção mais ampla, incluindo cientistas, especialistas e experts. Bolsonaro se julga detentor de um tipo de “sabedoria popular” que não é outra coisa senão a celebração da ignorância, do preconceito e de propostas aparentemente “simples e geniais” que só contribuem para agravar os problemas, como ficou patente no caso da resistência às medidas restritivas para combater a pandemia e a promoção de medicamentos ineficazes ou até perigosos.

Um fator recente que contribuiu para o divórcio de segmentos relevantes do empresariado em relação ao presidente é a convicção de que Bolsonaro, além de incorrigível corporativista e intervencionista, é um péssimo operador político. Consolida-se na análise que empresários fazem do governo a noção de que a vulnerabilidade política do chefe do Executivo aumenta a cada passo em falso – o empresariado e o Centrão não gostam de se alinhar a perdedores. O mais recente foi a ação, assinada pelo próprio presidente, para obter no Supremo a proibição de medidas restritivas adotadas pelos governadores do DF, Bahia e Rio Grande do Sul, descrita pelo ministro-relator da matéria no STF como “erro grosseiro”. [cabe agora ao Supremo também avaliar tipo de erro cometido pelo presidente da República?e quem avalia o erro de um ministro que liberta um criminoso perigoso, condenado a pesadas penas?]

Esses mesmos setores da economia se convenceram, ainda que tardiamente, da inexistência de jogadas brilhantes na gaveta à espera da “janela de oportunidade” da qual tanto fala Paulo Guedes, em quem penduraram suas esperanças e agora ouvem com mal disfarçada incredulidade (a voz mais respeitada hoje é a do presidente do Banco Central, para desgosto de Bolsonaro). Preferem tratar direto com os presidentes do Judiciário, do Senado e da Câmara, como acabou de acontecer para tratar do combate à pandemia e recuperação da economia.

Dois foram os resultados imediatos desse desembarque, golpe que Bolsonaro acusou e chamou de “movimento” contra seu governo. Correndo atrás dos fatos, anunciou a criação de um comitê com Judiciário, Legislativo e alguns governadores que é evidente demonstração da sua perda de capacidade de coordenação e da diluição de seus poderes.[comitê não resolve problemas do tipo combater a covid-19; é excelente para criticar o que é feito pelos que optam pela ação.]  Acuado pelo número crescente de mortos, fez um raro pronunciamento concentrado apenas na questão da vacina, o grande foco de todas as atenções e esperanças. 

Quanto às elites econômicas revoltadas diante de um desastre que ajudaram a criar, aparentemente não lhes falta autocrítica. Um dos autores da “carta dos economistas” resumiu: “A gente tem tradição em apoiar governos amalucados”.

William Waack, jornalista - O Estado de S Paulo