Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador William Waack. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador William Waack. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 25 de março de 2021

Elites revoltadas - William Waack

O Estado de S. Paulo

Está evidente o divórcio entre setores de peso das elites econômicas e o presidente

William Waack: 'Do agro aos 'Faria Limers', elite econômica se divorcia do presidente

 “Essa barca já foi”, diz empresário de peso, engajado em política, sobre o apoio de colegas ao presidente Jair Bolsonaro. Uma parte relevante da elite industrial, do setor financeiro, serviços e até varejo considera inútil esperar mudanças de conduta de Bolsonaro em relação ao combate à pandemia e à economia. Essa postura ficou escancarada com a adesão desses setores, com destaque para o financeiro, a um manifesto político batizado de “carta dos economistas”.

Para onde vão com a barca, que é conduzida por grupos informais de WhatsApp, ainda é uma incógnita. Neste momento, quem se disporiam a apoiar é um porto desconhecido para os próprios empresários, integrantes de uma elite que abraçou entusiasmada a derrocada do PT e a eleição de Bolsonaro em 2018 e hoje se considera profundamente decepcionada. [não é segredo para ninguém, que o entusiasmo dos empresários brasileiros pelo Governo - qualquer governo - é diretamente proporcional ao que estão ganhando ou esperam ganhar = no momento em que constatam  que não vão ganhar ou vão deixar de, abandonam o barco = os ratos, quando um navio está afundando, ou corre risco de afunda, são os primeiros a abandonar a embarcação = Bolsonaro em um gesto de coragem e determinação a favor do povo brasileiro, reduziu um pouco os lucros dos bancos, mais que suficiente para que o barco comece a ser abandonado.] Esse estado de espírito está se propagando e já chegou a setores do agronegócio – lembrando que a candidatura de Bolsonaro cresceu no arco próspero produtor de grãos e proteínas antes de se transformar em fenômeno em grandes centros urbanos.

 “Demos a ele 75% dos votos aqui em Santa Catarina”, afirma dirigente de entidade representativa de produtores rurais naquele Estado. “Hoje a gente se pergunta para que fizemos isso.” [esse presidente deveria antes de expelir perguntas bobas, informar se nos cálculos do que esperavam ganhar, estava incluído uma pandemia; temos nossas dúvidas sobre a representatividade da entidade anônima que o mesmo preside.
O pessoal do agro negócio gosta de trabalhar e jamais estarão entre os primeiros a abandonar o barco - o comentário parece mais partir daqueles que gostam de ganhar dinheiro, e muito, com o suor dos outros.] 
 
 A despedida em relação ao governo Bolsonaro de relevantes segmentos da economia, incluindo os famosos “Faria Limers”, vem um pouco depois do desembarque das elites acadêmicas e das profissões liberais não necessariamente identificadas com o que se possa chamar de “esquerdas”. Antes mesmo da vitória de Bolsonaro, alertavam para o componente corporativista, populista, extremista e ideologizado que – e o diagnóstico revelou-se certeiro se imporia sobre qualquer projeto de agenda “liberal” na economia.

Há um componente na “visão de mundo” populista de Bolsonaro perfeitamente em linha com fenômenos comparáveis na Europa, Ásia e EUA. É o desprezo pelas elites em sua acepção mais ampla, incluindo cientistas, especialistas e experts. Bolsonaro se julga detentor de um tipo de “sabedoria popular” que não é outra coisa senão a celebração da ignorância, do preconceito e de propostas aparentemente “simples e geniais” que só contribuem para agravar os problemas, como ficou patente no caso da resistência às medidas restritivas para combater a pandemia e a promoção de medicamentos ineficazes ou até perigosos.

Um fator recente que contribuiu para o divórcio de segmentos relevantes do empresariado em relação ao presidente é a convicção de que Bolsonaro, além de incorrigível corporativista e intervencionista, é um péssimo operador político. Consolida-se na análise que empresários fazem do governo a noção de que a vulnerabilidade política do chefe do Executivo aumenta a cada passo em falso – o empresariado e o Centrão não gostam de se alinhar a perdedores. O mais recente foi a ação, assinada pelo próprio presidente, para obter no Supremo a proibição de medidas restritivas adotadas pelos governadores do DF, Bahia e Rio Grande do Sul, descrita pelo ministro-relator da matéria no STF como “erro grosseiro”. [cabe agora ao Supremo também avaliar tipo de erro cometido pelo presidente da República?e quem avalia o erro de um ministro que liberta um criminoso perigoso, condenado a pesadas penas?]

Esses mesmos setores da economia se convenceram, ainda que tardiamente, da inexistência de jogadas brilhantes na gaveta à espera da “janela de oportunidade” da qual tanto fala Paulo Guedes, em quem penduraram suas esperanças e agora ouvem com mal disfarçada incredulidade (a voz mais respeitada hoje é a do presidente do Banco Central, para desgosto de Bolsonaro). Preferem tratar direto com os presidentes do Judiciário, do Senado e da Câmara, como acabou de acontecer para tratar do combate à pandemia e recuperação da economia.

Dois foram os resultados imediatos desse desembarque, golpe que Bolsonaro acusou e chamou de “movimento” contra seu governo. Correndo atrás dos fatos, anunciou a criação de um comitê com Judiciário, Legislativo e alguns governadores que é evidente demonstração da sua perda de capacidade de coordenação e da diluição de seus poderes.[comitê não resolve problemas do tipo combater a covid-19; é excelente para criticar o que é feito pelos que optam pela ação.]  Acuado pelo número crescente de mortos, fez um raro pronunciamento concentrado apenas na questão da vacina, o grande foco de todas as atenções e esperanças. 

Quanto às elites econômicas revoltadas diante de um desastre que ajudaram a criar, aparentemente não lhes falta autocrítica. Um dos autores da “carta dos economistas” resumiu: “A gente tem tradição em apoiar governos amalucados”.

William Waack, jornalista - O Estado de S Paulo


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A guerra foi perdida - William Waack

O Estado de S. Paulo

A própria falta de liderança explica os reveses de Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro perdeu a “guerra” da vacina contra a covid-19. Se não capitular por decisão própria, e há sinais de que isto já está acontecendo, STF imporá o óbvio: governadores e prefeitos dispõem de instrumentos legais suficientes para seguir adiante com planos de vacinação, não importa o que diga o general cumpridor de ordens no Ministério da Saúde. A onda que o leva à derrota é irresistível, e Bolsonaro só não foi capaz de enxergar a dimensão dela por conta do fenômeno da “mentalidade do bunker” – a que acomete dirigentes que só ouvem puxa-sacos ou vivem mergulhados numa atmosfera peculiar desvinculada da realidade além das quatro paredes palacianas. É gritantemente óbvio que milhões de pessoas querem se agarrar a qualquer esperança na luta para sobreviver ao vírus.

Era também gritantemente óbvio o impacto do noticiário e das imagens de países como o Reino Unido vacinando em massa sua população, além da reação de esperança e euforia dos mercados com a chegada de vacinas de eficácia (ao que indicam os dados) superior à expectativa inicial. Esses fatores criaram um “momento” na política avassalador: aquele que cobra e premia ações rápidas e decisivas, a superação imediata de qualquer tipo de barreira burocrática ou regulatória.

Ao politizar de forma tosca e contraproducente desde o início todas as medidas em relação à pandemia, é Bolsonaro o principal responsável pelo ambiente no qual governadores como João Doria (mas não só) enxergaram no desafio ao governo federal uma oportunidade de ganhar algum tipo de perfil. Ele mesmo desmoralizou sucessivos ministros da Saúde, incluindo o atual – um general cuja inadequação ao cargo e a vontade de agradar um chefe errático o condenam a um desempenho patético quando se dirige ao público para se desdizer em sequência.

Governadores e prefeitos estão empenhados em conseguir como seja os meios para vacinar “suas” populações e, mesmo aqueles que mantêm uma aparência de “coordenação” e “confiança” em relação ao governo federal, afirmam em público que possuem um plano de contingência para o caso de não se materializar um plano centralmente coordenado para imunizar milhões de brasileiros. Em outras palavras, não confiam, e vão correr para a primeira vacina que aparecer. Exatamente o que cobra a população.

A derrota na “guerra” da vacina é, no final das contas, resultado da incapacidade de Bolsonaro de efetivamente liderar em qualquer questão relevante, em qualquer campo. Sua política externa prejudicial aos interesses nacionais está sendo desmontada por vários setores privados. Na nevrálgica questão das políticas ambientais, conseguiu criar uma inédita coligação doméstica e externa contra ele, integrada por instituições e empresas de peso dentro e fora do Brasil, além de reforçar a rivalidade com o vice presidente que cuida da Amazônia. [qual a produção  de soja e carne - tem mais exemplos, citamos os dois - da parte externa dessa coligação? a interna é do Brasil que é governado por Bolsonaro?]

Sua “articulação” política resultou na entrega ao amorfo grupo do centrão das principais agendas, além da chave dos cofres públicos. Seus líderes parlamentares alguns deles são quadros parlamentares experientes e focados – manifestam abertamente a frustração pelo fato do presidente não ter sido capaz de dar o impulso político (leia-se empenho) para seguir adiante com corte de subvenções, reforma tributária, efetivo corte de despesas (como folha do funcionalismo) nas contas públicas, desburocratização, privatizações.

[matéria excelente, ótima como referência; o complicador é que a premissa que a orienta tem como suporte a famosa vacina contra a covid-19 - até agora, só existe para o Reino Unido, local em que a vacinação ocorre. 

Aponta também a inexistência de um programa de renda básica - responsabiliza o presidente, esquecendo que o Poder Executivo não possui competência para criar um plano deste tipo = precisa do Poder Legislativo para legislar sobre e do Poder Judiciário para se pronunciar nas ações que certamente serão movidas contra qualquer tentativa de criação.] 

Não houve liderança efetiva sequer para a criação de um programa de renda básica que permita prosseguir de alguma maneira a ajuda emergencial – fator de conforto para a popularidade para o presidente mas que apenas mascara os problemas graves estruturais de uma economia há muito estagnada. Bolsonaro costuma cultivar versões fantasiosas dando conta de “conluios” que o impediriam efetivamente de governar. Mas quem renunciou a liderar foi ele mesmo.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo 

 

quinta-feira, 2 de julho de 2020

A Lava Jato é o alvo - William Waack

O Estado de S.Paulo

A força-tarefa terá de compartilhar seu principal ativo: informações sigilosas

A disputa no Ministério Público Federal sobre os dados coletados pela força-tarefa Lava Jato durante os últimos anos já é um clássico da intriga política, da luta pelo poder, do empenho em criar uma narrativa político-eleitoral e, principalmente, uma janela para entender muito do que aconteceu no Brasil nos últimos anos. E está só no começo.

É um clássico de intriga política pois a disputa é, no fundo, sobre quem tem o domínio de imenso arsenal de informações sigilosas obtidas por meio de quebras de sigilo, colaborações premiadas, escutas telefônicas e mais de mil inquéritos. O controle e o vazamento seletivo dessas informações com a cumplicidade de grandes grupos de comunicação – foram armas relevantes no período em que a Lava Jato foi o instrumento central para apear um grupo corrupto do poder, o que era comandado pelo PT.

É impossível entender a eleição de Jair Bolsonaro sem o fenômeno da Lava Jato e a amplitude do apoio político e popular que recebeu. Mas, uma vez derrotado o PT, a onda disruptiva espraiou-se e estilhaçou em seus vários componentes, nos quais aquele apelidado de “lavajatismo” (ou “vale qualquer coisa para pegar corruptos, danem-se os princípios legais”) perdeu muito de sua força. A aura de que “só Lava Jatos” mudam o País permanece, porém.  Este não é um juízo de valor (desculpem o cinismo), mas não há dúvidas de que o grupo ao redor da força-tarefa da Lava Jato desenvolveu um projeto de poder que, nas origens, nascia da convicção ideológica de que a sociedade brasileira é hipossuficiente – a saber, não consegue se defender sozinha dos abusos cometidos por agentes públicos (classe política) e setores privados (empresários gananciosos). Portanto, precisa de uma proteção “externa”, os integrantes do Ministério Público e da Lava Jato.

É por esse motivo que os expoentes da Lava Jato sempre entenderam sua missão como política em sentido amplo. Hoje, em boa medida também pela saída de Sérgio Moro do governo, consideram-se acuados, tolhidos e controlados por um governo que, intencionalmente ou não, ajudaram a eleger. Talvez não percebam que parte daquilo que qualificam como “interferência” na independência funcional de procuradores não é nada mais do que a reação política e institucional ao fato desses mesmos procuradores terem se organizado como núcleo político na acepção pura da palavra.

A questão não é apenas doutrinária ou teórica. Ela é prática e de enorme impacto, pois o material comprometedor juntado pela Lava Jato é um acervo que vai agora para as mãos de quem? A disputa não é de agora. Desde 2015 a PGR obtinha do então titular da 13.ª Vara de Curitiba, Sérgio Moro, o compartilhamento do material de centenas de inquéritos, alegando sua relevância para julgamentos no STF, entre outros.

Há uma guerra surda de versões nos bastidores, repletas de todo tipo de teoria conspiratória, de lado a lado. Os procuradores que se consideram pisoteados pela direção da PGR alegam que a nomeação de Augusto Aras foi uma “indicação política” de Bolsonaro para proteger o próprio clã familiar. Do outro lado, ouve-se que os procuradores ao redor do grupo de Curitiba estão apenas preocupados em ocultar o que fizeram de pior ao transgredir leis e princípios para perseguir corruptos (ou desafetos), e não passam de “sindicalistas” descontentes com a perda de poder interno (na escolha do PGR, por exemplo).

Neste momento da ácida disputa o que se verifica claramente é uma correção de rumo geral da política frente à Lava Jato, com Bolsonaro mais na posição de espectador (ficar quieto é o que mais lhe convém) do que no comando de decisões. Grande parte do mundo político e jurídico aplaude o empenho da direção da PGR em retomar o controle central de grupos e forças-tarefa como a da Lava Jato. Diante disso, já é possível dizer que a Lava Jato não será fator tão decisivo nas próximas eleições. O tabuleiro político é bem mais complicado do que xadrez jurídico no qual Sérgio Moro foi hábil jogador.


William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo





quinta-feira, 30 de abril de 2020

Dentro do alçapão - William Waack

O Estado de S.Paulo

A crise tripla que Bolsonaro enfrenta é inédita e não permite dizer o que vai acontecer

Com a vivência de 28 anos de política em Brasília, provavelmente Jair Bolsonaro sabe ou pelo menos intui que está, agora, nas mãos de profissionais. Os do Centrão e os do STF. Na linguagem militar, trata-se de um formidável movimento de pinça, do qual o presidente tem poucos recursos para escapar.

O alçapão armou, Bolsonaro está dentro dele e ali ficará debatendo-se em limites muito estreitos, salvo o imponderável (o número de mortos da crise de saúde pública e um impeachment são hoje os imponderáveis). Mantida a situação atual de precário equilíbrio, suas opções são reduzidas.

Ele criou a armadilha para si mesmo agindo por medo e com muita pressa. Bolsonaro é um personagem político autêntico e de extraordinária transparência. Faz questão de reiterar publicamente que se sente sempre o alvo de uma grande conspiração, integrada por membros da velha política, imprensa, juízes e ministros do STF, comunistas, ministros com alta popularidade, governadores – a lista é longa.

Por algum tempo o “cerco” urdido por conspiradores era apenas uma distorcida percepção da realidade. Hoje, de fato, o presidente está cercado. Pelos profissionais do Centrão, que dispõem de tempo e de circunstâncias inesperadamente favoráveis para extrair do presidente o preço máximo em troca de apoio político.

E pelos profissionais do Judiciário, sobre os quais Bolsonaro tem pouco ou nenhum tipo de controle. A judicialização da política na era Bolsonaro assumiu contornos muito semelhantes aos da era Dilma, quando uma liminar proferida por um integrante do STF a impediu de nomear Lula como ministro. Desvio de finalidade – o mesmo tipo de figura jurídica da liminar que bloqueou a nomeação por Bolsonaro de um novo diretor-geral da Polícia Federal.

Os perigos para Bolsonaro estão hoje no STF – uma instituição contra a qual seus apoiadores foram mobilizados com a ferocidade e irresponsabilidade típicas de redes sociais nas quais o presidente acredita residir seu maior capital político. A figura do presidente já seria lateralmente atingida por investigações em curso nas quais se pretende apurar quem e como organizou e financiou campanhas contra o Judiciário, mas, agora, está no centro do inquérito que o procurador-geral da República requereu “sem apontar A ou B”. O STF apontou para o B de Bolsonaro.

Salvo imponderáveis, o Centrão não tem o apetite para tocar adiante um processo de impeachment. Os parlamentares não enxergam nenhuma vantagem prática em derrubar o presidente neste momento, e se consideram bem situados do ponto de vista político em assegurar “governabilidade” que, nestes dias de enorme crise de saúde pública, significa sobretudo abrir os cofres públicos para ver como é que fica depois. O movimento para moer Bolsonaro está vindo do STF.

A preciosa intuição que Bolsonaro exibiu na campanha eleitoral faltou-lhe agora. Sem que nenhum de seus opositores precisasse se esforçar, ele mesmo acabou solapando os pilares da sua imagem e está perdendo rapidamente o apoio em camadas de eleitores que não são tão numerosos, mas têm peso na propagação e formação de opinião. E, em vez de evitar comoções, Bolsonaro se esmera em criá-las constantemente. Seu jeito “autêntico” de ser (como ao dizer “E daí? Que quer que eu faça?” diante de um recorde de mortos pelo coronavírus) é visto com repulsa em círculos cada vez mais amplos. [Infelizmente sinceridade não combina com o maldito politicamente correto.]

Como tudo na atualidade, a situação que Bolsonaro enfrenta também é inédita. Dilma tinha de lidar com uma dupla crise, econômica e política. A situação de Bolsonaro é de uma tripla crise: a terceira é a pandemia. Mas não há parâmetros históricos para dizer o que vai acontecer. [Bolsonaro vai virar o jogo - doa a quem doer;não haverá terceiro turno; estupidamente, muitos ainda esperam.]

 William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 12 de março de 2020

Aposta na fantasia - William Waack

 O Estado de S.Paulo

Mudanças na percepção da crise são mais rápidas que capacidade do governo de entendê-las

Viver no mundo da fantasia pode ser uma delícia, até trombar com a realidade. Não importa o que o presidente brasileiro acha que seja a situação internacional e doméstica – se é uma fantasia induzida pela “grande imprensa” ou uma dura realidade de perdas econômicas graves. O fato é que também no Brasil a atmosfera política está contaminada pelo medo de recessão e da doença do coronavírus.

O presidente ignora o óbvio: é a percepção que importa, e a percepção crescente aqui e lá fora, que o gogó dele ou de qualquer outro não controla, é a de que não vem coisa boa por aí. Essa percepção foi extraordinariamente exacerbada pelo famoso imponderável, aquele fator na política que nunca se sabe qual será, a não ser que acontecerá. É o caso da atual crise internacional, que muitos analistas previam, corretamente, que seria decorrência de fatores geopolíticos (neste episódio, não foram guerras, mas coronavírus e petróleo).

É o imponderável que torna tão arriscado qualquer tipo de aposta contra o tempo, e foi exatamente a aposta feita pelo governo Bolsonaro e seu time de economia, que conta com algumas das melhores cabeças técnicas do setor, mas enfrenta dificuldades imensas com a política (que mal compreende ou não sabe operar). A aposta foi muito semelhante à de outra boa equipe de economia, a de Temer: a de que o tempo traria uma melhora sensível na economia e, em decorrência, um ambiente propício a discussão e aprovação de reformas estruturais.

Neste ponto é razoavelmente seguro afirmar que também a aposta atual não está dando certo. A pressão política, em sentido amplo, criada por esse difuso mas amplo sentimento de “coisa boa não vem por aí” contamina o comportamento de todos os atores relevantes. Vozes influentes no Congresso abraçaram o discurso do “social” e pretendem que o governo adote políticas de estímulo frente ao desempenho da economia. [o lema das figuras influentes do Congresso é: para f.... o governo Bolsonaro vale tudo, até f .... o Brasil.] Desempenho que Paulo Guedes tem razão de chamar de “normal” diante do declinante PIB potencial brasileiro, mas está longe do desejável – portanto, de atender às questões sociais.

A resposta do governo veio por meio de um ofício ao Congresso enumerando um catálogo formidável de medidas encaminhadas ou que serão brevemente submetidas ao Legislativo, apontado pelo Executivo como o grande bloqueador das reformas necessárias para destravar a economia. A pressão aumentando explica em parte o rompante de chamar “o povo” às ruas (a fantasia do mito) e denunciar “fraudes” (a fantasia da manipulação das urnas eletrônicas) – ações que ajudam a aumentar a pressão.

Olhando o grande quadro, é deprimente constatar que o País permanece longe de se livrar de um dilema que piorou nos últimos anos: como gastar e investir, melhorar a produtividade, enfrentar os graves problemas sociais e, ao mesmo tempo, não perder a âncora fiscal? O ceticismo que pauta o comportamento de diversos agentes nos setores de política e economia se prende a um raciocínio simples: a situação fiscal dos entes da Federação brasileira só vai piorar com a previsível queda de arrecadação trazida pela situação atual e a daí resultante necessidade iminente do Executivo de ter de contingenciar o Orçamento.

O que só deve tornar mais ácido ainda o panorama político, pois é bastante razoável assumir que o governo, para preservar confiança em geral e fiel aos postulados da equipe econômica, vai ter de cortar ainda mais quando a gritaria (legítima e bem fundamentada ou não) é para gastar. Voltando a falar do tempo, ele trabalha contra, e não a favor do governo Bolsonaro, surpreendido pelo imponderável. E enredado nas próprias fantasias. 

William Waack, jornalista - O Estado de  S. Paulo


quinta-feira, 5 de março de 2020

Haja Confusão - William Waack

O Estado de S.Paulo


O cenário político está embaralhado, mas o pequeno PIB de 2019 não confunde

É óbvio que um presidente contracenando com humoristas faz parte do arsenal de promoção de imagem “humana” ou “popular” em qualquer lugar – Barack “Late Night Show” Obama que o diga. Mas quando Jair Bolsonaro divide a cena com um humorista fantasiado de presidente do Brasil diante do Alvorada (um edifício oficial) – como ocorreu ontem –, a quem encarrega de responder a perguntas de repórteres, e depois o próprio presidente divulga o vídeo em redes sociais, sugere uma confusão: afinal, quem é o comediante? [curioso é que durante o carnaval, um humorista em fim de carreira, o 'alguma coisa'  Adnet, desfilou fantasiado de presidente da República, simulando o uso de uma faixa presidencial e fazendo flexões e muitos criticaram Bolsonaro - ausente do local. Agora o presidente resolveu prestigiar um humorista e é criticado, suscitando a pergunta: 'quem é o comediante'?] 

Pode-se até acreditar que confusão seja uma arma conscientemente empregada por Bolsonaro para desequilibrar adversários, mas não se pode fugir à constatação de que virou uma de suas características permanentes. Para focar no que é mais recente, é confusa a pauta da manifestação que ele apoia (ou não?) para o dia 15, além da palavra de ordem mais abrangente de prestigiar o presidente.

Ficou confusa também a demanda, do ministro da Economia, Paulo Guedes, para que participantes do ato “defendam reformas”. No caso da tributária, qual a ser defendida? Existe uma do governo? Qual das várias que tramitam no Legislativo? Qual se deveria pedir em primeiro lugar? A PEC emergencial, talvez?  A favor de Bolsonaro deve-se assinalar que não é o único, de propósito ou não, a criar confusões. Na raiz da queda de braço entre Legislativo e Executivo para disputar migalhas do Orçamento (afinal, mais de 90% já estão comprometidos em despesas obrigatórias), está uma confusão política de autoria dos próprios parlamentares.

O fundo da questão não era o Orçamento impositivo, mas a esdrúxula criação do dispositivo que permitiria a um relator dispor de R$ 30 bilhões do Orçamento. Os parlamentares criaram uma perigosa confusão entre “legisladores” e “executores” do Orçamento. Que o governo, confuso, demorou para perceber.

Nos desdobramentos da original criou-se mais uma confusão espetacular. Os que apoiaram a manutenção de vetos presidenciais (que o Planalto havia negociado, depois repudiado, depois renegociado) à “emenda do relator” eram em boa parte senadores conhecidos pela oposição ao governo, mas cientes de uma confusão de interesses dentro do próprio Congresso. Querendo arranjar um jeito de continuar onde estão além do fim do ano, os dois presidentes das casas legislativas tinham topado uma manobra (a tal “emenda do relator”) de políticos aglomerados numa massa em geral amorfa (o tal “Centrão”), ao preço de deslegitimar a própria instituição.

Desembarcar de acordos “meia boca” discutidos em conversas de bastidores não ficou fácil pra ninguém dos dois lados da praça. Mesmo a projetada tramitação “normal” e seguindo ritos daquilo destinado a eliminar confusões – os projetos do governo regulamentando a execução de emendas, parte dos “acordos” – não diminuiu as ansiedades. Raposas felpudas no Congresso alertam para o fato de que na Comissão Mista Orçamentária, que vai examinar os tais projetos, jabuti sobe em árvore. Em outras palavras, não consideram letra morta a esdrúxula “emenda do relator”, pois é oCentrão seu motor e a grande força no Congresso.

De novo a favor de Bolsonaro deve-se reconhecer que ele tinha de proteger seu ministro da Economia ao retirar dele poderes para movimentar o Orçamento – que mais fazer, diante da confusão sobre aplicação e alcance do Orçamento impositivo? Note-se, porém, que, ao se evitar uma confusão dessas, torna-se ainda mais evidente uma outra de imensa abrangência na economia: a da insegurança jurídica. Fora a ironia do fato de Guedes ter ingressado no nutrido clube de gestores públicos que preferem nada decidir, pois temem ver seu CPF envolvido numa averiguação de órgãos de controle.

Nesse cenário, talvez só o PIB de 1,1% em 2019 não confunda. É muito pouco. 

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Napoleão, traduzido pelo Planalto - William Waack

O Estado de S.Paulo

Na desordem institucional, Bolsonaro sente mais oportunidades do que perigos

Não há dúvidas de que Jair Bolsonaro é um personagem político transparente. Goste-se ou não, ele não esconde de ninguém o que percebe como sendo a realidade política à sua volta. O que permite antecipar com razoável segurança como ele vai proceder.

Cada ser humano tem no fundo da sua alma uma pequena história sobre si mesmo, e a que Bolsonaro acalenta está bem condensada no vídeo que – segundo ele – quis compartilhar durante o carnaval apenas com alguns amigos. É a saga do homem que sobreviveu à facada, graças a um milagre produzido para que possa levar o povo a algo como uma terra prometida.

Adversários da sua missão são “os políticos de sempre” (texto que acompanha o tal vídeo). Aqueles que, na percepção que Bolsonaro tem da realidade, se uniram no Congresso não só para chantagear o governo, mas, principalmente, no incansável esforço de levar o desprotegido presidente a cometer erros pelos quais possa ser alvo de impeachment.

Um erro óbvio Bolsonaro tratou de contornar ao dizer que era de natureza exclusivamente privada o compartilhamento do vídeo conclamando o público a participar de uma manifestação convocada por seus seguidores – mas não explicitamente por ele – para atacar o Poder Legislativo. “Oficialmente”, o chefe do Poder Executivo não está chamando ninguém a acuar, atacar ou destruir um outro Poder da ordem constitucional brasileira. [A clareza impõe destacar: 
em nenhum momento, em nenhum trecho, os vídeos convidando para a manifestação, ou o compartilhamento efetuado pelo Presidente da República,  citam o CONGRESSO NACIONAL (Poder Legislativo) ou o STF (Poder Judiciário), mencionado apenas acontecimentos do governo do Presidente Bolsonaro, e com o próprio, e que justificam o ato público de apoio ao Chefe do Poder Executivo.
Qualquer interpretação é fruto do entendimento do intérprete de que a atuação dos Poderes Judiciário e Legislativo justificam uma manifestação contra os dois poderes.]

Mas, por ser Bolsonaro tão transparente, ninguém no mundo político brasileiro acredita que o presidente pense ou sinta diferente do que o vídeo expõe. Nesse ponto, a pergunta é se funciona a tática política da convocação das ruas para se libertar da “incessante chantagem”, isto é, do Congresso. Intuitivo como é e, ao mesmo tempo, disperso, errático e desconfiado de qualquer um fora do mais íntimo círculo familiar, Bolsonaro talvez tenha “sentido” que, em 14 meses de governo, o Legislativo de fato o cercou – enquanto sua dependência do Judiciário só aumentou por variadas razões, algumas familiares.

De novo, por ser tão transparente, Bolsonaro demonstra que não age seguindo um rumo estratégico (a não ser o de ganhar a reeleição) e que tanto suas convicções no campo da economia quanto sua postura no da política obedecem ao que ele percebe como momento mais imediato. É um tipo de conduta que funcionou no curto espaço de tempo de uma campanha eleitoral.

Desde Sarney, todos os chefes do Executivo brasileiro conheciam muito bem (a exceção é Dilma) as entranhas do Legislativo sem a menor ilusão sobre sua composição nem como os interesses mais diversos (lícitos e ilícitos) ali se organizam. Mas só Bolsonaro lida com o sistema de governo que vem desde 88, numa era marcada pelo descrédito de parte relevante da chamada “mídia tradicional”, dentro da grande disrupção política e o forte abalo de todas as instituições.

É o ponto no qual a percepção da realidade transmitida pelo transparente Bolsonaro evidencia uma disposição ao risco que não é resultado de cálculo ou frio raciocínio político. Esse apetite pelo risco vem em boa parte da noção de que milhões de seguidores em mídias sociais possam ser manobrados em efetivo apoio nas ruas contra instituições (como Congresso e STF) que os sentidos do presidente identificam como adversárias. E – este é o aspecto central – que a bagunça institucional daí resultante traria mais oportunidades do que perigos.

A área militar, tão cara a Bolsonaro, tradicionalmente inspira o vocabulário da política. A Napoleão Bonaparte, um dos maiores gênios nesse campo, atribui-se uma frase muito citada. Indagado como fazia para vencer batalhas, ele teria dito: “On s’engage et puis on voit” “a gente se engaja (na luta) e depois vê”. Ou, na moderna linguagem militar no Planalto: “Foda-se”.

Mas Napoleão sempre tinha um plano.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo


sexta-feira, 19 de julho de 2019

"Por que essa pressão em cima de um filho meu?", pergunta Bolsonaro. E eu respondo! - RODRIGO CONSTANTINO


“Por que essa pressão em cima de um filho meu? Ele é competente ou não é competente? Dentro do quadro das indicações políticas, vários países fazem isso. E é legal fazer no Brasil também”, declarou ao sair do Palácio da Alvorada, em Brasília. “Tem algum impedimento? Não tem impedimento. Atende o interesse publico. Qual o grande papel do embaixador? Não é o bom relacionamento com o chefe de estado daquele outro país? Atende isso? Atende. É simples o negócio”, completou.


 
                                             Eduardo Bolsonaro (Reprodução)

Bolsonaro citou, ainda, o caso do ex-deputado federal Tilden Santiago (PT-MG), que foi embaixador em Cuba quando não tinha sido eleito para um cargo público. “O Tilden Santiago não foi reeleito em 2002, foi ser embaixador em Cuba, ninguém falou nada”, argumentou.  E lá está o presidente usando o argumentum ad petistum, a nova moda do bolsonarismo. Ao se comparar sempre com o PT, o governo pretende nivelar por muito baixo as expectativas. Se o PT fez, então por que ele não poderia? Sendo que o presidente deixou de lado um “detalhe”: Tilden não era filho de Lula. E sim, vários criticaram a escolha na época, mas veja o destino: Cuba!                                                                                                                                          No caso atual estamos falando da embaixada mais importante, a americana. E além do parentesco com o presidente, Eduardo não tem experiência nisso, sequer fala inglês direito, e acabou de completar 35 anos, a idade mínima para o cargo. Tudo soa ruim, inadequado, favoritismo dinástico. Bolsonaro acha que é bem simples: se dar bem com o governante do outro país. Não! Uma embaixada não precisa apenas disso. É algo bem mais complexo, que envolve relacionamento com vários estados, com vários empresários, com o mundo dos negócios e da geopolítica, que exigem determinado perfil diplomático que Eduardo passou longe de possuir. William Waack comentou sobre o caso:  “Ao se empenhar em colocar o filho Eduardo como embaixador do Brasil em Washington, o presidente Jair Bolsonaro decidiu ignorar um dos mais antigos princípios nas relações entre Estados. É o princípio segundo o qual países não têm amigos, têm interesses. […] Tomado no seu conjunto, o campo das relações internacionais é, por definição, o campo da impessoalidade. Os Estados Unidos não são de Trump, nem o Brasil é de Bolsonaro.”


[Conveniente lembrar: O Presidente da República fez a indicação - competência que a Constituição Federal lhe atribui e o indicada preenche os requisitos objetivos exigidos;
- cabe agora, ao Senado Federal, cumprindo mandamento constitucional, analisar os demais requisitos, sabatinar e votar em Plenário se aceita ou rejeita;                                                                                            - - -ocorrendo a aceitação, assunto encerrado;
- Ou no Brasil os adversários do Presidente da República possuem o poder de pautar o Poder Executivo e o Senado da República?
- caso o indicado seja rejeitado, o assunto também se encerra.]

Bruno Garschagen também comentou, lembrando que a eventual aprovação no Senado pode custar caro: “Eu acho essa escolha um erro do Bolsonaro, pelo fato do Eduardo ser filho dele. Poderia ter todas as credenciais, poderia ser um diplomata de carreira. Mas o fato de ser filho é um elemento que, na minha opinião, pesa contra essa indicação. No Senado, talvez seja a sabatina mais aguardada desde o início da República. Vai atrair muita atenção. Alguns senadores vão aproveitar para tentar negociar alguma coisa com o Governo”.  Mas os bolsonaristas querem que todos achem normal um pai indicar o filho para um cargo desses, sem a devida experiência e com um currículo totalmente aquém do necessário, só porque ele é “amigo” de Trump. E ainda teve gente que acreditou que, em contrapartida, o presidente americano indicaria seu filho Eric para a embaixada americana no Brasil! É uma turma engraçada, temos de admitir.

Enquanto isso… em meio às articulações para sua indicação como embaixador do Brasil nos EUA, Eduardo Bolsonaro viajou para a Indonésia, informa Igor Gadelha na Crusoé. O deputado aproveitará o recesso parlamentar para surfar no país asiático. E os deputados do PSL querem que seu irmão Flávio seja um dos presentes na sabatina do Senado, vejam que coisa mais republicana!  Estamos vendo bem diante de nossos olhos o que significa a tal “nova era”, meus caros. A militância fica nas redes sociais xingando todo crítico, patrulhando até piada de humorista em defesa do “seu mito”, enquanto o filho vai curtir o longo recesso parlamentar na Indonésia, preparando-se para morar na mansão luxuosa em Washington e ganhar R$ 70 mil por mês, para tirar fotos com Trump e ver se aprende de uma vez a língua de Shakespeare.

Rodrigo da Silva, do Spotniks, resumiu bem a palhaçada: “Eduardo Bolsonaro na embaixada dos EUA não é defesa do Ocidente, preservação das instituições, manutenção dos princípios judaicos cristãos. É o exato oposto disso: é populismo, degradação institucional, nepotismo. Quem não entendeu isso até aqui não sabe o que é conservadorismo”.   E vale acrescentar: o pilar básico do conservadorismo é o ceticismo com os políticos. Ou seja, bajular políticos é tudo, menos atitude de conservador que se preza!


O presidente Jair Bolsonaro (PSL) questionou, nesta quinta-feira (18), as criticas que vem recebendo pela indicação de seu filho, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Ele ressaltou a “competência” de Eduardo, que tem “bom relacionamento” com o atual presidente norte-americano, Donald Trump, e questionou a “pressão” sobre o assunto.



Blog / Rodrigo Constantino - Gazeta do Povo

Um blog de um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda “politicamente correta”.