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quarta-feira, 12 de julho de 2023

Um leitor "cristão comunista" - Percival Puggina

 

Um leitor contrariado, desses que vai mensagem e vem mensagem, se declarou "defensor do comunismo cristão”, dizendo-se orgulhoso de tal convicção assumida com base na “regra dos primeiros apóstolos". Ele a explicitou e eu a transcrevo abaixo:  

" A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. Com grandes sinais de poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. E os fiéis eram estimados por todos. Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um." (Atos dos Apóstolos 4, 32-35)

Queria ter um real por vez que ouvi a citação acima, ao longo de mais de meio século, por seguidores da tal teologia da libertação
De início, essa interpretação era qualificada como "leitura do Evangelho com chave marxista".  
Aos poucos, foi ganhando status de reflexão teológica e derivando para inevitáveis apostasias e heresias. 
Mas essa é outra história. 
O que importa é entendermos a que se refere o texto em questão.
 
Perceber que estamos diante do relato de uma experiência não exige grande capacidade de análise.  Basta saber ler. Ademais, trata-se de uma experiência singular, que não se reproduziu em qualquer outra das comunidades de fiéis daqueles primeiros momentos do cristianismo. 
Uma vez mencionado, o episódio não retorna à pauta, permitindo presumir que terminou com o fim do estoque. 
Os estudiosos mais interessados na verdade do que na utilização das Escrituras para fins ideológicos e políticos entendem que aquele grupo inicial de cristãos de Jerusalém estava convencido de que a volta de Jesus para o Juízo e para o fim dos tempos era coisa imediata. 
Provisões para o futuro não teriam, pois, serventia alguma.
 
O apóstolo Paulo nos socorre na compreensão daqueles primeiros momentos da Igreja quando menciona que as "comunidades da Macedônia e da Acaia houveram por bem fazer uma coleta para os irmãos de Jerusalém que se acham em pobreza" (Rom 15,26). 
Referências a essas dificuldades se repetem aos Coríntios (2 Cor 9,7). 
A célebre sentença do apóstolo Paulo "Quem não trabalha que não coma." (2 Tes 3,10) também se relaciona com o fato e mostra que aquele "comunismo" favorecia ao ócio.  
Ou seja, as coisas não iam muito bem por lá. 
Passara a haver necessidades e necessitados, ociosos e oportunistas.
 
Foi o que expus ao meu leitor fã do "comunismo cristão primitivo" sobre a perspectiva histórica. 
Na perspectiva doutrinária, acrescentei ser preciso muita imaginação para supor que, ante as circunstâncias daquele momento, a pequena comunidade dos cristãos de Jerusalém estivesse empenhada em propor à humanidade e aos milênios seguintes uma ordem econômica e social.  
Deduzi-lo do relato acima é puro devaneio ideológico, com severos riscos de revelar farisaísmo se não for aplicado à vida concreta de quem o propõe aos demais. 
Em outras palavras, como aconselhei ao leitor, em vez de oferecer o modelo de repartição aos povos e nações, aos outros, enfim, ele deveria aplicar a si mesmo.  
Bastava-lhe reunir outros que pensassem assim, juntarem os respectivos trecos e partilharem tudo. Dado que discursos propondo comunismo ao mundo não faltam em parte alguma, não lhe seria difícil reunir parceiros para viverem segundo sua regra.  
Lula e os seus devotos certamente estariam interessados.  
Em resumo: quem pensa como esse meu leitor, comece dando o exemplo e partilhando o que lhe pertence.  
Num infinito silêncio, encerra-se o debate. [com certeza o individuo acima citado não está, nem nunca estará, interessado em dividir o que considera ser sua propriedade. 
Ao contrário, o seu passado,  inclusive com sentenças o condenando, foram reformadas de modo a mudar sua  condição de condenado para descondenado - porém, sem inocentá-lo dos crimes por ele cometidos e que motivaram tais condenações - lembrando que os atos motivadores das mesmas foram sempre no sentido de ACRESCER seu patrimônio, jamais DIVIDIR.]

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Liberdade religiosa - Ainda é possível ser cristão no mundo, mas até quando? - Gazeta do Povo

Vozes - Jean Marques Regina/Thiago Rafael Vieira

Crônicas de um Estado laico


O vídeo mostra Isabel Vaughan Spruce orando silenciosamente enquanto a polícia se aproxima dela e pergunta o que ela está fazendo, ao que ela responde que “pode ser” que estivesse rezando mentalmente.| Foto: Reprodução Twitter

Um dos assuntos mais frequentes em nossa coluna é a liberdade religiosa. 
 Falar de liberdade religiosa é falar de proteção ao fenômeno religioso; logo, é importantíssimo termos a compreensão exata do que é religião para a ciência do Direito, o que não é assim tão simples. 
Assim como na Teologia, onde a aproximação de um texto das Escrituras requer interpretação, sendo que há critérios para estabelecer um caminho seguro, no Direito também vemos estas nuances no (as vezes não muito) árduo trabalho de interpretar uma norma. 
O texto da lei é apenas um dos elementos, sendo que há também fontes diferentes para auxiliar na difícil tarefa de buscar exercitar, efetivar e aplicar a justiça.
 
Assim, os termos mudam de acordo com a ciência que os descreve. Nesse rápido texto, queremos lançar luz ao sentido jurídico do termo “religião”.  
A transcendência, que atinge cada pessoa, é parte do que chamamos “liberdade de crença”. 
Esta é, no Brasil, um direito absoluto (artigo 5.º, VI, primeira parte, da Constituição). Ninguém pode determinar em que eu ou você cremos. É um assunto de foro íntimo, e neste domínio apenas a nossa consciência determina as coisas. Por isso a Constituição afirma que se trata de liberdade inviolável.


    As próximas gerações de cristãos dependerão do que fizermos hoje quanto à defesa dos fundamentos da nossa fé, também na arena pública

A situação muda quando saímos do foro interno e passamos a exercitar a crença no ambiente externo, seja individual ou coletivamente. Então surge a necessidade de uma conceituação do fenômeno religioso de forma mais ou menos objetiva para que, enquanto civilização, possamos perseguir as necessidades humanas fundamentais da maneira mais colaborativa e menos lesiva possível.

As fontes do direito (as leis, os julgados, a doutrina etc.) têm chegado ao consenso de que um fenômeno que mira a transcendência pode ser considerado uma “religião” se forem observados três elementos: o trinômio Divindade/Moralidade/Culto. Sempre haverá a necessidade de se encontrar uma relação do ser humano com o divino, a partir de ensinamentos morais, e que se expressará por meio de uma liturgia, o culto, individual ou coletivo.

E qual é o veículo para que o domínio interno (crença) possa ser exercitado por meio deste conjunto de elementos formadores da religião? Um direito fundamental com o nome de “liberdade de expressão”.  
Esta liberdade é um “meio” pelo qual expressamos, na liturgia do culto, da família ou do trabalho, o conjunto de valores morais ligados à revelação transcendental de Deus. 
Entender como este mecanismo funciona é imprescindível para que possamos também defender as nossas posições frente a hostilidades enormes que estamos enxergando, tanto ao analisar situações passadas quanto outras que se avizinham.

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Damos um exemplo externo e um do Brasil sobre a necessidade de vigilância com estes conceitos.  
O externo é o recente caso de Isabel Vaughan-Spruce, que foi presa na Inglaterra por estar fazendo orações silenciosas em frente a uma clínica de aborto. Neste caso, o simples fato de a mulher estar em frente ao lugar, com a cabeça baixa, em oração (ou seja, em uma expressão absolutamente discreta de suas crenças), foi o suficiente para que entendessem estar ela usando uma “linguagem de ódio”. Graças a Deus o veredito foi de inocente, mas seu caso mostra como os temas envolvendo a fé se tornarão cada vez mais controversos e sensíveis na sociedade secular e antirreligiosa.

No Brasil, tivemos o recente caso de uma mulher que fora homossexual e identificava-se como homem trans; após a conversão à fé cristã, abandonou tais posições. Anos mais tarde, candidatou-se à fila de adoção e teve sua habilitação negada por causa de suas crenças religiosas, que poderiam interferir na vida de seu filho ou filha no futuro. Também houve reversão da decisão neste caso, mostrando a sensibilidade do tema.

As próximas gerações de cristãos dependerão do que fizermos hoje quanto à defesa dos fundamentos da nossa fé, também na arena pública.

Thiago Rafael Vieira/Jean Marques Regina - Gazeta do Povo - VOZES