Um
leitor contrariado, desses que vai mensagem e vem mensagem, se declarou
"defensor do comunismo cristão”, dizendo-se orgulhoso de tal convicção
assumida com base na “regra dos primeiros apóstolos". Ele a explicitou e
eu a transcrevo abaixo:
" A
multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava
como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em
comum. Com grandes sinais de poder, os apóstolos davam testemunho da
ressurreição do Senhor Jesus. E os fiéis eram estimados por todos. Entre
eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou
casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, e o colocavam aos pés dos
apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um."
(Atos dos Apóstolos 4, 32-35)
Queria ter
um real por vez que ouvi a citação acima, ao longo de mais de meio
século, por seguidores da tal teologia da libertação.
De início, essa
interpretação era qualificada como "leitura do Evangelho com chave
marxista".
Aos poucos, foi ganhando status de reflexão teológica e
derivando para inevitáveis apostasias e heresias.
Mas essa é outra
história.
O que importa é entendermos a que se refere o texto em
questão.
Perceber
que estamos diante do relato de uma experiência não exige grande
capacidade de análise. Basta saber ler. Ademais, trata-se de uma
experiência singular, que não se reproduziu em qualquer outra das
comunidades de fiéis daqueles primeiros momentos do cristianismo.
Uma
vez mencionado, o episódio não retorna à pauta, permitindo presumir que
terminou com o fim do estoque.
Os estudiosos mais interessados na
verdade do que na utilização das Escrituras para fins ideológicos e
políticos entendem que aquele grupo inicial de cristãos de Jerusalém
estava convencido de que a volta de Jesus para o Juízo e para o fim dos
tempos era coisa imediata.
Provisões para o futuro não teriam, pois,
serventia alguma.
O apóstolo
Paulo nos socorre na compreensão daqueles primeiros momentos da Igreja
quando menciona que as "comunidades da Macedônia e da Acaia houveram por
bem fazer uma coleta para os irmãos de Jerusalém que se acham em
pobreza" (Rom 15,26).
Referências a essas dificuldades se repetem aos
Coríntios (2 Cor 9,7).
A célebre sentença do apóstolo Paulo – "Quem não
trabalha que não coma." (2 Tes 3,10) – também se relaciona com o fato e
mostra que aquele "comunismo" favorecia ao ócio.
Ou seja, as coisas não
iam muito bem por lá.
Passara a haver necessidades e necessitados,
ociosos e oportunistas.
Foi o que
expus ao meu leitor fã do "comunismo cristão primitivo" sobre a
perspectiva histórica.
Na perspectiva doutrinária, acrescentei ser
preciso muita imaginação para supor que, ante as circunstâncias daquele
momento, a pequena comunidade dos cristãos de Jerusalém estivesse
empenhada em propor à humanidade e aos milênios seguintes uma ordem
econômica e social.
Deduzi-lo do relato acima é puro devaneio
ideológico, com severos riscos de revelar farisaísmo se não for aplicado
à vida concreta de quem o propõe aos demais.
Em outras palavras, como
aconselhei ao leitor, em vez de oferecer o modelo de repartição aos
povos e nações, aos outros, enfim, ele deveria aplicar a si mesmo.
Bastava-lhe reunir outros que pensassem assim, juntarem os respectivos
trecos e partilharem tudo. Dado que discursos propondo comunismo ao
mundo não faltam em parte alguma, não lhe seria difícil reunir parceiros
para viverem segundo sua regra.
Lula e os seus devotos certamente
estariam interessados.
Em resumo: quem pensa como esse meu leitor,
comece dando o exemplo e partilhando o que lhe pertence.
Num infinito
silêncio, encerra-se o debate. [com certeza o individuo acima citado não está, nem nunca estará, interessado em dividir o que considera ser sua propriedade.
Ao contrário, o seu passado, inclusive com sentenças o condenando, foram reformadas de modo a mudar sua condição de condenado para descondenado - porém, sem inocentá-lo dos crimes por ele cometidos e que motivaram tais condenações - lembrando que os atos motivadores das mesmas foram sempre no sentido de ACRESCER seu patrimônio, jamais DIVIDIR.]
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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