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terça-feira, 7 de novembro de 2023

Milhares de israelenses protestam contra Netanyahu, que vê sua popularidade despencar em meio ao conflito em Gaza

Nos nove meses que precederam a guerra entre Israel e o Hamas, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se viu diante de uma onda de protestos maciços contra seu controverso projeto de reforma do Judiciário, despertando uma inquietação popular jamais vista. Então veio o ataque do grupo terrorista ao território israelense em 7 de outubro, dando início ao conflito que já deixou mais de 10 mil mortos no total (sendo 1,4 mil em Israel), e o apoio a Netanyahu, sustentado pelo medo da população, parecia ter ganhado um fôlego momentâneo. 
Após exatamente um mês desde a invasão, contudo, os 240 reféns sequestrados pelo Hamas continuam desaparecidos e os israelenses têm se sentido cada vez mais desprotegidos e insatisfeitos com seu governante, o qual muitos consideram culpado pela situação atual.[REGISTRO INEVITÁVEL DE UM FATO: hoje, exatamente um mês desde  a invasão realizada pelo Hamas, Israel continua bombardeando civis palestinos na Faixa de Gaza, alegando estar  se defendendo daquele ataque,  realizado há 31 dias.
Ação defensiva que já provocou mais de 10.000 mortes de civis palestinos, número que inclui mais de 4.000 crianças palestinas mortas.]

As evidências da grande perda de popularidade de Netanyahu — que sempre se declarou um defensor resoluto dos judeus — mostraram-se claras nos últimos dias. No sábado e no domingo, milhares de familiares e amigos dos raptados pelo Hamas tomaram as ruas de Tel Aviv para protestar contra ações do governo e os esforços insuficientes para garantir que seus entes queridos sejam libertados.

Os protestos se espalharam para cidades como Haifa, Beersheba e Eilat, chegando também a Jerusalém, onde centenas se manifestaram em frente à residência do premier, pedindo sua renúncia e o culpando diretamente pelo fracasso na segurança de Israel, permitindo que o ataque ocorresse. — Queremos uma votação para nos livrar de Netanyahu. Espero que as manifestações continuem e cresçam — disse Netta Tzin, de 39 anos, à AFP.

(...)

Rachas internos
Uma reportagem do jornal britânico The Guardian afirmou que membros do Likud sugeriram, em anonimato, que os dias de Netanyahu (que governou Israel durante quase 16 dos últimos 27 anos) no cargo já estão contados. Além disso, a Casa Branca negou boatos de que o presidente Joe Biden teria expressado a mesma opinião durante sua recente visita a Israel, uma crítica contundente à liderança de Netanyahu por parte do aliado mais próximo de Israel.

Netanyahu foi o primeiro premier a ser julgado por corrupção enquanto ocupava o posto, retornando um ano e quatro meses após ser deposto por uma coalizão heterogênea.

Em Mundo - O Globo, MATÉRIA COMPLETA

 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Vem aí o programa “Mais charutos”? - Percival Puggina

         Estava imaginando o que passou pela cabeça de um cidadão cubano quando tomou conhecimento da lista de convênios que Lula e sua comitiva assinaram com o governo de seu país na recente visita a Havana, espécie de Jerusalém do comunismo decrépito.

 

Há alguns anos, época em que muito debati com representantes dos partidos de esquerda, em especial membros de um muito ativo movimento de solidariedade a Cuba, ouvi deles que no Brasil existem miseráveis ainda mais miseráveis do que em Cuba.  
Eu os contestava dizendo que ninguém desconhecia a pobreza existente aqui, mas era preciso observar uma diferença essencial entre a situação nos dois países. 
Aqui, os pobres convivem com carências alimentares por falta de meios para adquirir alimentos; 
em Cuba, mesmo que o povo dispusesse dos meios, não teria o que adquirir porque a economia comunista, como se sabe, é improdutiva.
 
Esse é um dos motivos, dentre muitos outros, para que ninguém caia na balela de que o comunismo é bom para “acabar com a pobreza”.  [acabar com a pobreza, de forma direta, discordamos; mas, acabar com os pobres, os comunistas possuem  programas de fome PROGRAMADA,  tipo grande marcha de Mao, o holodomor e outros que são extremamente eficientes em reduzir em milhões o número de pores na região 'premiada'.]
O que aconteceu com o setor açucareiro dá excelente exemplo. 
No final dos anos 1960, a URSS se dispôs a comprar 13 milhões de toneladas anuais de açúcar cubano, a partir da safra 1969/1970. 
O país produzia entre três e quatro milhões de toneladas, com tendência decrescente. Muitas atividades da ilha foram suspensas e comunistas do mundo todo foram trabalhar naqueles canaviais. Conseguiram sete milhões de toneladas.
 
Trinta anos mais tarde, quando fui a Cuba pela segunda vez, a safra 2002/2003 fora tão escassa que Cuba importava açúcar! 
 Depois, a produção andou pela casa dos dois milhões de toneladas e no ano passado bateu em meio milhão. 
A história do açúcar é a história da balança comercial e do consequente déficit cambial cubano. 
Daí o pagamento não em dólares, mas em charutos ou “outras moedas” ...[leia, também do ilustre Percival: vai um charuto aí, doutor.] Daí também o motivo pelo qual, se você excluir estrangeiros residentes, turistas, membros da elite partidária e militar, a carência é generalizada.

Imagine então um cidadão cubano sendo informado pelos órgãos de divulgação do estado de que seu país firmara acordo com o Brasil sobre trocas de tecnologia e de cooperação técnica em agricultura, pecuária, agroindústria, soberania e segurança alimentar e nutricional, mudas, bioinsumos e fertilizantes, agricultura de conservação, agricultura urbana e periurbana; produtos alimentares prioritários para consumo humano e animal, reprodução de espécies agroalimentares prioritárias; uso eficiente da água, cadastro e gestão da terra e abastecimento agroalimentar. E mais biotecnologia, bioeconomia, biorrefinarias, biofabricação, energias renováveis, ciências agrárias, clima, sustentabilidade, redes de ensino e pesquisa (*).

Não sei se está previsto, mas se em tudo isso e em outros convênios também firmados, não ligados à produção de alimentos, o Brasil enviar cheque, pode escrever aí: vem charuto.

Condensado de matéria da Agência Brasil – EBC, íntegra em https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-09/brasil-assina-acordos-de-cooperacao-em-varios-setores-com-cuba .

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

terça-feira, 19 de setembro de 2023

A peregrinação de Lula - Percival Puggina

        O que Havana simboliza para Lula é muito semelhante ao que a Terra Santa representa para os cristãos. Tais destinos são peregrinações, coisas de devoção. 
Nos séculos XI e XII, os cristãos promoveram sucessivas cruzadas para libertar Jerusalém do domínio sarraceno. 
O solitário apoio ao regime cubano significa algo semelhante: proteção do sagrado comunismo frente a permanente ameaça capitalista. 
A conta é paga pelos trabalhadores e pagadores de impostos brasileiros.

Como temos um presidente itinerante, que não esquenta lugar, verdadeiro papa-léguas em lua de mel, lá foi Lula a Havana encontrar-se com seu passado quando, em 2009, pelas barbas do profeta Fidel, decidiu regalar-lhe um porto zero quilômetro, da grife Odebrecht.

A fé política é um desastre quando substitui a fé em Deus. Nessa condição missionária, Lula (e os governos de esquerda) sempre ofereceram e continuarão oferecendo incondicional proteção diplomática a seus irmãos de fé política. 
O Brasil esquerdista, por exemplo, desaprova quaisquer manifestações de colegiados internacionais em relação às violações de direitos humanos sempre em curso naquele legendário país. 
O Brasil esquerdista faz negócios que desagradam os brasileiros, mas são festejados entre os beneficiados como uma alvorada sobre as ruinas do apocalipse.
 
Só os fiéis dessa igrejinha política não sabiam que o empréstimo para construção do Porto de Mariel seria pendurado num prego. O país não tem dólares para pagar. Sua balança comercial é permanentemente deficitária. Para cada três ou quatro dólares que importa, exporta um dólar. 
Na excelente instalação paga pelo Brasil, a maior obra de infraestrutura em Cuba, quase não há o que exportar. Metade da área está vazia.
 
Enquanto Cuba for um país comunista, inimigo dos Estados Unidos, será visto pelos norte-americanos exatamente conforme seus dirigentes políticos afirmam de si mesmos ao longo de 63 anos, em todas as suas manifestações. 
É conversa fiada afirmar que Cuba voltaria a ser a Pérola do Caribe, como efetivamente era no começo do século passado, se acabasse o bloqueio. Que bloqueio é esse que não impediu o Brasil de levar um porto inteiro para lá? 
Bloqueio que não impede Cuba de importar da China, Espanha, Rússia, Brasil, México, Itália e Estados Unidos (sim, os próprios EUA são o 7º país que mais exporta para lá).  
O problema é que, com medo de calote, alguns só vendem mediante pagamento à vista e nenhum investidor sensato vai colocar dinheiro naquele formato de Estado.
 
O governo Lula assinou um contrato que previa, na falta de meios, ser ressarcido em charutos. 
Ou seja, Lula II sabia o que estava fazendo em 2009, mas delirou com a ideia de criar, na Cuba comunista, um porto fervilhante de oportunidades e negócios que, impenitentes, só aparecem em regimes econômicos capitalistas.
 
O estado cubano e seu regime são uma lição ao mundo.  
As elites comunistas preferem seu povo enfrentando desnecessárias privações a reconhecer os próprios erros. 
Passadas seis décadas, esse discurso que inculpa os EUA não tem um fiapo que o mantenha no ar. 
Em 2019, o parlamento da Ilha aprovou uma nova Constituição (produto da experiência de 60 anos!) cujo artigo 5º acaba com o futuro da Castro&Castro Cia Ltda, cujo CEO, hoje é o senhor Díaz-Canel.

O Partido Comunista de Cuba, único, martiano, fidelista e marxista-leninista, a vanguarda organizada da nação cubana, sustentada em seu caráter democrático e em sua permanente ligação com o povo, é a força motriz dirigente superior da sociedade e do Estado.

Sabe quando um país assim pagará ao Brasil os US$ 261 milhões que deve? Vai um charuto aí, leitor?

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


quarta-feira, 12 de julho de 2023

Um leitor "cristão comunista" - Percival Puggina

 

Um leitor contrariado, desses que vai mensagem e vem mensagem, se declarou "defensor do comunismo cristão”, dizendo-se orgulhoso de tal convicção assumida com base na “regra dos primeiros apóstolos". Ele a explicitou e eu a transcrevo abaixo:  

" A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. Com grandes sinais de poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. E os fiéis eram estimados por todos. Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um." (Atos dos Apóstolos 4, 32-35)

Queria ter um real por vez que ouvi a citação acima, ao longo de mais de meio século, por seguidores da tal teologia da libertação
De início, essa interpretação era qualificada como "leitura do Evangelho com chave marxista".  
Aos poucos, foi ganhando status de reflexão teológica e derivando para inevitáveis apostasias e heresias. 
Mas essa é outra história. 
O que importa é entendermos a que se refere o texto em questão.
 
Perceber que estamos diante do relato de uma experiência não exige grande capacidade de análise.  Basta saber ler. Ademais, trata-se de uma experiência singular, que não se reproduziu em qualquer outra das comunidades de fiéis daqueles primeiros momentos do cristianismo. 
Uma vez mencionado, o episódio não retorna à pauta, permitindo presumir que terminou com o fim do estoque. 
Os estudiosos mais interessados na verdade do que na utilização das Escrituras para fins ideológicos e políticos entendem que aquele grupo inicial de cristãos de Jerusalém estava convencido de que a volta de Jesus para o Juízo e para o fim dos tempos era coisa imediata. 
Provisões para o futuro não teriam, pois, serventia alguma.
 
O apóstolo Paulo nos socorre na compreensão daqueles primeiros momentos da Igreja quando menciona que as "comunidades da Macedônia e da Acaia houveram por bem fazer uma coleta para os irmãos de Jerusalém que se acham em pobreza" (Rom 15,26). 
Referências a essas dificuldades se repetem aos Coríntios (2 Cor 9,7). 
A célebre sentença do apóstolo Paulo "Quem não trabalha que não coma." (2 Tes 3,10) também se relaciona com o fato e mostra que aquele "comunismo" favorecia ao ócio.  
Ou seja, as coisas não iam muito bem por lá. 
Passara a haver necessidades e necessitados, ociosos e oportunistas.
 
Foi o que expus ao meu leitor fã do "comunismo cristão primitivo" sobre a perspectiva histórica. 
Na perspectiva doutrinária, acrescentei ser preciso muita imaginação para supor que, ante as circunstâncias daquele momento, a pequena comunidade dos cristãos de Jerusalém estivesse empenhada em propor à humanidade e aos milênios seguintes uma ordem econômica e social.  
Deduzi-lo do relato acima é puro devaneio ideológico, com severos riscos de revelar farisaísmo se não for aplicado à vida concreta de quem o propõe aos demais. 
Em outras palavras, como aconselhei ao leitor, em vez de oferecer o modelo de repartição aos povos e nações, aos outros, enfim, ele deveria aplicar a si mesmo.  
Bastava-lhe reunir outros que pensassem assim, juntarem os respectivos trecos e partilharem tudo. Dado que discursos propondo comunismo ao mundo não faltam em parte alguma, não lhe seria difícil reunir parceiros para viverem segundo sua regra.  
Lula e os seus devotos certamente estariam interessados.  
Em resumo: quem pensa como esse meu leitor, comece dando o exemplo e partilhando o que lhe pertence.  
Num infinito silêncio, encerra-se o debate. [com certeza o individuo acima citado não está, nem nunca estará, interessado em dividir o que considera ser sua propriedade. 
Ao contrário, o seu passado,  inclusive com sentenças o condenando, foram reformadas de modo a mudar sua  condição de condenado para descondenado - porém, sem inocentá-lo dos crimes por ele cometidos e que motivaram tais condenações - lembrando que os atos motivadores das mesmas foram sempre no sentido de ACRESCER seu patrimônio, jamais DIVIDIR.]

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

sexta-feira, 30 de junho de 2023

E o petismo continua povoando os tribunais - Percival Puggina



         Lula acaba de indicar ao TSE uma nova ministra substituta. Para felicidade geral do governo, o notório saber e os dotes morais e intelectuais necessários à importante missão foram encontrados praticamente dentro de casa, na pessoa da advogada da campanha de Dilma para o Senado Federal por Minas Gerais em 2022.

Eureka! Não é muita sorte? Imagina se aparece alguém para divergir da confraria em seu afã salvador da democracia, do estado de direito e da luta sem trégua aos golpistas seresteiros, aos cantores de hinos e aos piedosos devotos do divino réu julgado no Sinédrio de Jerusalém.

Há um recorrente denominador comum em muitas, se não em todas, as manifestações espontâneas, sentenças, decisões e despachos de efeito político oriundos de nossos tribunais superiores. 
Neles, é construído um cenário psicossocial e político sinistro. 
A democracia estaria a perigo, um golpe em curso, terrorismo nas ruas, as instituições expostas a toda sorte de conspirações, enquanto a verdade – límpida e serena proclamada pelo Estado, acuada e em perigo, apanha das mentiras propagadas nas furtivas e ardilosas redes sociais.
 
Esse o fictício denominador comum, encimado pelo travessão sobre o qual se constroem decisões nas quais resulta impossível discernir o perfume do bom Direito. 
Em cotidianos tão excepcionais – que já contam cinco anos! é sempre mais relevante salvar a pátria, a democracia, o Estado, seus poderes e suas sagradas proclamações...
 
Quem organiza o jogo parece não ver que esse povoamento das arbitragens por atletas ou ex-atletas do mesmo time está sendo percebido pela sociedade. 
No entanto, basta pensar um pouco para notar que se trata de outro sintoma do mesmo problema que afeta o ambiente cultural e educacional do país. 
Refiro-me à decretação da morte súbita de todo o conhecimento ou entendimento divergente, venha ele de pessoas ou de obras. 
A todos, o silêncio eterno, a elegibilidade suspensa, o isolamento, o gulag das restrições e o peso das multas. 
Mas é tudo para nossa privilegiada proteção, claro.
 
Modestamente, penso que as próprias Cortes, cientes do desequilíbrio que caracteriza suas composições, deveriam ter serenidade e ânimo pacificador. 
Ao menos na proporção que se empenham em impor à sociedade mediante sanções. 
A falta de qualquer divergência efetiva nos colegiados não é espelho da sociedade onde a divergência existirá enquanto houver um fiapo de liberdade e democracia por ser consequência da primeira e inerente à segunda.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

O azeite verde-amarelo - Evaristo de Miranda

Evaristo de Miranda

Azeites nacionais começam a ganhar prêmios internacionais por qualidade. O Rio Grande do Sul é o maior produtor, com 75% da produção nacional, à frente de Minas e SP 

 Azeite, um alimento antigo, clássico da culinária contemporânea, regular na dieta mediterrânea | Foto: Shutterstock

Azeite, um alimento antigo, clássico da culinária contemporânea, regular na dieta mediterrânea - Foto: Shutterstock  

O azeite, apreciado por suas qualidades na dieta mediterrânica, é consumido cada vez mais. São mais de 3,3 milhões de toneladas anuais, produzidas em 64 países. 
 Na Espanha, maior produtor mundial, os subsídios governamentais ao olivicultor alcançam um terço do valor da produção! 
Os gregos são os maiores consumidores: cerca de 23 quilos de azeite por habitante/ano.  
O Brasil é o segundo consumidor e importador mundial: cerca de 90.000 toneladas de azeite e 120.000 toneladas de azeitonas de mesa. Só perde para os Estados Unidos, responsáveis por 36% das importações mundiais. 
 
Com a pesquisa e o empreendedorismo dos agricultores, cada vez mais, o Brasil planta oliveiras e produz azeites de excelente qualidade.          Os países produtores na América do Sul são Chile, Argentina, Uruguai, Peru e agora também o Brasil. 
Aqui a olivicultura tem uma longa história, desde os anos de 1940. 
A Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) foi pioneira nas pesquisas e desenvolveu as primeiras e únicas oito cultivares de oliveiras brasileiras, registradas no Ministério da Agricultura.

Em regiões montanhosas, como na Serra da Mantiqueira, ou no Sul, os produtores encontram as 300 horas abaixo de 12º necessárias para induzir a floração e a produção de azeitonas. Em 9 de fevereiro ocorreu a XI Abertura da Colheita da Oliva, no município gaúcho de Encruzilhada do Sul. No Rio Grande do Sul, a área cultivada já é de cerca de 6 mil hectares. São 321 produtores, e Encruzilhada do Sul possui mais de mil hectares, a maior área plantada com oliveiras no Brasil, onde a área total aproxima 10.000 hectares.

Oliveira centenária cultivada por monges do Mosteiro de Mar Elias, 
em Jerusalém, Israel | Foto: John Theodor/Shutterstock

A oliveira, a árvore eterna, é muito persistente. Sua capacidade de regenerar-se com vigor, mesmo se podada, cortada ou queimada, rebrota até a partir das raízes, é uma representação da perseverança. Com sua folhagem perene, ela resiste ao inverno sem queda de folhas e se destaca em meio à vegetação. Elogiada por Ulisses na Odisseia, de Homero (Canto VII), a perenidade da folhagem, as tonalidades dos frutos, o prateado das folhas e o ouro líquido do azeite conferem riqueza simbólica à oliveira: paz (pomba bíblica com ramo de oliveira), fecundidade, purificação, iluminação, força, vitória e recompensa. Uma coroa de oliveira selvagem, kotinos, cujos ramos eram cortados com uma tesoura dourada, era o prêmio do vencedor nos antigos Jogos Olímpicos e dos soldados triunfantes em Roma. Dois ramos de oliveira envolvem o globo terrestre no emblema das Nações Unidas! Não é pouco. 

Oliveira milenar, na Ilha de Creta, Grécia |
 Foto: Cortesia Liana John

A altura das oliveiras é da ordem de 5 metros e chega a 20 metros, sem podas. Pode viver mais de um século. Em Creta há árvores milenares e, talvez, uma das mais antigas, com cerca de 3.000 anos, no vilarejo de Pano Vouves. Milenar é a oliveira ao lado da Sé Velha, em Coimbra, uma das mais antigas igrejas de Portugal (1162). Todas vegetam e produzem azeitonas.

Oliveira milenar, ao lado da Igreja da Sé Velha, em 
Coimbra, Portugal | Foto: Reprodução

A azeitona é uma drupa, como o pêssego e a manga. Tem baixo teor de açúcar (2,6% a 6%) e contém um princípio amargo, a oleuropeína. Seus frutos não são diretamente comestíveis. As azeitonas de mesa, de intenso sabor, passam por um longo tratamento pós-colheita: a “queima” da oleuropeína com soda cáustica (hidróxido de sódio), a lavagem, a salmoura com sal, ácidos e bactérias láticas para fermentar por 90 a 120 dias, a última lavagem e o envase. Quando o destino das azeitonas é a produção de azeite, elas são esmagadas imediatamente após a colheita.

O azeite é rico em polifenóis, poderosos antioxidantes, eficazes contra o envelhecimento. Seu consumo traz benefícios atestados à saúde: redução de doenças cardiovasculares, da incidência do mal de Alzheimer e do envelhecimento cutâneo

“Azeite de oliva” é um pleonasmo. O azeite é sempre de oliva. O resto são óleos: de soja, algodão, milho etc. Há duas raízes nas palavras: óleo, oliva, oliveira, azeitona e azeite. Óleo, do cretense elaiwa, deriva do semítico ulu. Tornou-se oleum em latim e oli nas línguas romanas, como olio em italiano. Azeitona, zait em hebraico, também de origem semítica, tornou-se zaitum em árabe e azeitona em português. Os mouros designavam o sumo da azeitona az zait ou azeite, em português e espanhol. Oliveira, Olivier, Oliveros, Olivença e Oliva são nomes e sobrenomes nos países latinos. Eles nomeiam municípios em Minas Gerais (Oliveira), Alagoas (Olivença) e Bahia (Oliveira dos Brejinhos).

Oliveira sagrada de Atena, ao lado do Templo Erecteion, 
perto do Parthenon, na Colina da Acrópole, em Atenas, Grécia - 
Foto: Kirk Fisher/Shutterstock

Para a mitologia grega, a oliveira surgiu de uma disputa entre Atena (Minerva), a deusa da sabedoria, e Poseidon (Netuno), o deus do mar e dos rios, sobre qual a melhor proteção para uma nova cidade e seus habitantes. Para resolver essa disputa, Zeus (Júpiter) propôs a cada um oferecer o seu dom protetor. Os humanos decidiriam. Poseidon brandiu seu tridente, tocou uma rocha e surgiu um magnífico cavalo. Ele carregaria cavaleiros com suas armas, puxaria carros, arados e seria decisivo nas batalhas. Atena tocou a terra com sua lança e surgiu uma árvore florida, a oliveira. Ela forneceria alimento, unguento para ferimentos, óleo para lâmpadas e cozinha. Sempre verde, essa árvore seria eterna. Ela foi aclamada como o dom de maior utilidade. Atena obteve com ela a proteção e deu seu nome à cidade: Atenas. Os rebrotes de oliveira no entorno da Acrópole seriam descendentes da oliveira de Atena. Dizem. Nas mais belas fontes da Europa, em meio a jatos d´água, entre cavalos, ainda Poseidon ergue seu tridente. 

(...)

Desde o século 9 a.C., o azeite servia como combustível para iluminação artificial. Oleiros fenícios inventaram e difundiram a lâmpada a óleo. Os romanos o utilizaram para fins medicinais, em pomadas aplicadas em ferimentos e sobre a pele como protetor solar. Eles aperfeiçoaram o cultivo das oliveiras e foram os primeiros a classificar o azeite em função dos diferentes tipos de prensagem. O azeite era relativamente caro e consumido pelos mais ricos. Os pobres usavam banha e toucinho.

Na Idade Média ampliaram-se irrigação, enxertia e poda para melhorar a qualidade e aumentar a produtividade. Além de autores cristãos, médicos e agrônomos árabes, como Ibn Butlan (Bagdá) e Ibn Alwan (Sevilha), atestam o uso dessas técnicas nos séculos 11 e 12. No século 16, houve nova expansão, com a invenção da prensa hidráulica. No século 20 cresceu o consumo do azeite em função da gastronomia e dos benefícios para a saúde.

O azeite é rico em polifenóis, poderosos antioxidantes, eficazes contra o envelhecimento. Seu consumo traz benefícios atestados à saúde: redução de doenças cardiovasculares, da incidência do mal de Alzheimer e do envelhecimento cutâneo. Ele também é rico ácido oleico (ômega 9), matéria-prima de todas as membranas celulares. Além de reforçar as células humanas, facilita a “comunicação” entre elas e o bom funcionamento do organismo.

(.....)

Em 2022, a safra brasileira foi da ordem 445 mil litros de azeite. Produzir azeitonas exige investimento alto. Os olivais levam cinco anos para produzir. Cerca de um terço dos olivais brasileiros está em produção. Mais um terço produzirá nos próximos anos. Os plantios seguem em expansão. O Rio Grande do Sul é o maior produtor com 75% da produção nacional, à frente de Minas Gerais e São Paulo. Na Serra da Mantiqueira, uma associação de olivicultores reúne mais de 100 produtores num total de 2.000 hectares.

Os plantios de oliveiras são homogêneos. Os produtores plantam duas a três variedades, sem misturá-las no campo. A maioria dos azeites brasileiros são varietais, frutos de um tipo de oliveira. Entre as principais variedades estão Arbequina, Koroneiki, Picual, Arbosana e Frantoio. Sem interferência estatal, surge aos poucos um mercado de azeites extravirgens, diferenciados dos oferecidos pela grande indústria. E apreciado por gastrônomos, chefs e consumidores. Os equipamentos importados dos lagares são modernos e eficientes, inclusive do ponto de vista ambiental. Os subprodutos do esmagamento das oliveiras e da extração do azeite são reciclados.

Colheita com derriçadeira, em Creta, análoga à que se faz com o 
café no Brasil | Foto: Cortesia Liana John

Azeites nacionais começam a ganhar prêmios internacionais por qualidade. O Sabiá da Mantiqueira, azeite extravirgem premium, produzido na Fazenda do Campo Alto, em Santo Antônio do Pinhal (SP), foi classificado entre os dez melhores do concurso Evooleum de 2022 e incluído no Evooleum World’s Top 100 Extra Virgin Olive Oils. O produtor acumula 57 prêmios nacionais e internacionais. Depois do café, “ouro verde” dos séculos 19 e 20, haverá o milagre do “ouro líquido”? O futuro parece fluido e luminoso para o azeite nacional e, n’en déplaise, com muitos tons de verde-amarelo.

O azeite Sabiá é produzido no Brasil e foi eleito um dos dez melhores azeites do mundo | Foto: Divulgação/Azeite Sabiá

Sobre a sacralidade da oliveira, um relato pessoal. Num verão dos anos 1970, um agricultor no sul da França andava preocupado com uma víbora. Ela já havia matado um de seus cachorros. Eu era estagiário de agronomia na sua fazenda. Ele me avisou do perigo. Um dia, em plena colheita de feno, a víbora surgiu. Ele tentou matá-la. Grande e ágil, ela escapou entre palhas e capins. Logo, eu a vi parada sob uma velha oliveira, junto ao tronco. Quando preparei um golpe, o agricultor gritou: — Pare! Eu me detive. Temi mal maior. — Ela está sob a proteção da oliveira. Ele explicou: só essas árvores sagradas assistiram a Jesus em sua agonia no Jardim das Oliveiras, o Getsêmani. Em hebraico Gat Smanim significa lagar dos azeites. Recuamos em silêncio.


Leia também “Cuidado com a gripe, aviária”

 Evaristo de Miranda, colunista - Revista Oeste -

MATÉRIA COMPLETA, LIVRE

 

domingo, 17 de abril de 2022

Papa pede acesso 'livre' aos lugares sagrados de Jerusalém

 O pontífice também rezou por "paz para o Oriente Médio, devastado por anos de divisão e conflito"

O papa Francisco defendeu neste domingo (17) o acesso "livre" aos lugares sagrados de Jerusalém, onde nos últimos dias confrontos entre fiéis muçulmanos e forças israelenses deixaram dezenas de feridos na Esplanada das Mesquitas.

"Que os israelenses, os palestinos e todos os habitantes da Cidade Santa, juntamente com os peregrinos, possam experimentar a beleza da paz, viver em fraternidade e acessar livremente os Lugares Sagrados, respeitando mutuamente os direitos de cada um", disse o papa na tradicional bênção "Urbi et Orbi" do domingo de Páscoa, proferida da varanda da Basílica da Praça de São Pedro.

O pontífice também rezou por "paz para o Oriente Médio, devastado por anos de divisão e conflito".

Neste domingo, uma dúzia de pessoas ficaram feridas em tumultos entre manifestantes palestinos e policiais israelenses em torno da Esplanada das Mesquitas de Jerusalém, o terceiro lugar sagrado do Islã que já foi palco de violentos confrontos na sexta-feira.

Esses incidentes ocorrem quando a missa cristã da Páscoa é celebrada neste domingo, e as orações para Pessach, a Páscoa judaica, e para o mês muçulmano do Ramadã na Cidade Velha de Jerusalém, um centro às vezes conflituoso onde as três religiões monoteístas coincidem.

Mundo - Correio Braziliense


terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

“Bolsonazismo” e a banalização do mal - Revista Oeste

Jornalista Ruy Castro | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Estado
Jornalista Ruy Castro | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Estado 
 
No laboratório da tragédia humana que foi o século 20, o nazismo garantiu para si o protagonismo como a mais abjeta ideologia da história, aglutinando elementos fascistas e racistas que mergulharam o mundo em guerra e genocídio. Em 1962, a filósofa alemã de ascendência judaica Hannah Arendt foi designada pela revista The New Yorker para acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann, nazista de alto escalão capturado pela Inteligência israelense na América do Sul. Acusado de crimes contra a humanidade por seu papel no Holocausto, Eichmann foi condenado por todas as acusações e enforcado.

As observações de Arendt sobre esse julgamento constam da obra Eichmann em Jerusalém, cujo subtítulo é “Um relato sobre a banalidade do mal”. Contrariando expectativas, a filósofa descreve que o criminoso de guerra não se portava como um monstro, mas como um burocrata mediano, diligente em seguir ordens, avesso a juízos pessoais sobre a correção de suas ações e alheio às implicações éticas dos atos que executava um autômato moral resignado à mediocridade da não escolha, por vezes voluntária e por vezes compulsória. Era assim que, segundo Arendt, o mal se banalizava na sociedade: não pela maldade inerente às pessoas, mas a partir da ausência de reflexão do indivíduo ao imitar, reproduzir, ecoar ou não se opor a comportamentos nocivos.

Sem entrar no mérito das suas manifestações, há evidências abundantes de que nenhum deles defende ideias supremacistas

Saindo um pouco da filosofia e da sociologia, do ponto de vista semântico, banalizar o mal é torná-lo frequente, normalizá-lo, fazer da sua presença algo comum e trivial. Exemplos não faltam: diante da exposição constante à violência, a opinião pública já não se impressiona com cenas de crimes; o mesmo vale para a retórica hostil e a agressividade verbal, falada ou escrita, que pouco se destaca, tamanha a concorrência pelo mau gosto. É nesse contexto que o uso de nazista como ofensa pessoal se insere no debate público: uma expressão imprópria, que banaliza seu significado, ignora a história e desrespeita a memória de milhões. Salvo raríssimas exceções, chamar alguém de nazista é um insulto tanto ao ofendido quanto às vítimas da Segunda Grande Guerra e, principalmente, do Holocausto.

Recentemente, um podcaster, um parlamentar e um comentarista político se envolveram em polêmicas relacionadas ao nazismo. Sem entrar no mérito das suas manifestações (absurdas, infelizes, ingênuas…), há evidências abundantes de que nenhum deles defende ideias supremacistas. Ainda assim, foram chamados de nazistas por muitos — e tratados de acordo, como se de fato pregassem, em plena democracia liberal, a doutrina totalitária diretamente responsável por dezenas de milhões de mortes. Não são nazistas, assim como não é nazista o presidente da República, alvo preferencial desse tipo de campanha de difamação. Seguem alguns exemplos, literalmente, ilustrativos:

Tuíte de Ricardo Noblat, ex-Globo, ex-Veja e ex-jornalista, reproduzindo uma suástica com a legenda “Crime continuado”, em 14 de junho de 2020:

Capa da revista IstoÉ (15 de outubro de 2021) que chamou Bolsonaro de “mercador da morte” e “genocida”, manipulando sua imagem à semelhança de Adolf Hitler. A publicação alegou que “Bolsonaro patrocinou experiências desumanas inspiradas no horror nazista durante a pandemia” e “reproduziu na medicina métodos comparáveis aos do Terceiro Reich, que levaram a milhares de mortes por meio de ações cruéis”.

Exemplos de analogias com o nazismo e ofensas ao presidente da República não faltam, incluindo artigos de colunistas da comunidade judaica, como Ricardo Kertzman (Ao equiparar Bolsonaro a Hitler, revista chama as coisas pelo nome que têm) e Hélio Schwartsman (Bolsonaro e os judeus). Espanta que o engajamento político desses articulistas prevaleça sobre sua ética profissional e sua responsabilidade moral de não permitir que o Holocausto seja relativizado por comparações absolutamente infundadas.

A essa banalização do nazismo no debate público estabelecida por falsas equivalências repetidas à exaustão pela imprensa militante —, soma-se outra falácia: o reductio ad hitlerum, a desqualificação do adversário pela simples comparação com Hitler e os nazistas, algo que causa repulsa imediata no público e desvia o foco da discussão. Esse tipo de expediente foi levado ao estado da arte na recente generalização de Ruy Castro para a Folha de S.Paulo, que insulta não apenas o presidente da República, mas todos os seus eventuais milhões de eleitores: Como não há mais possibilidade de um apoiador de Bolsonaro ser um democrata, as eleições dirão exatamente quantos brasileiros ergueram o braço dentro da urna— uma  referência ao gesto nazista do Sieg Heil.

Realmente, vivemos tempos de banalização do mal; e também de banalização do mau… do mau jornalismo. 

Leia também “Ódio do bem: uma constatação póstuma”

Caio Coppolla é comentarista político e apresentador do Boletim Coppolla, na Jovem Pan


domingo, 19 de dezembro de 2021

Uma santa vitória dos evangélicos - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

Evangélicos travaram trama da jogatina na Câmara

Bancada evangélica travou trama que pretendia legalizar os jogos de azar e reabrir cassinos, chamando-os de resorts 

Evangélicos travaram trama da jogatina na Câmara

O filé mignon e o pote de veneno dessa iniciativa estão na abertura dos cassinos. Por trás de uma panaceia arrecadatória e turística, há muito mais

Os bons costumes nacionais devem a boa parte da bancada evangélica da Câmara um grande serviço. Ela travou a trama que pretendia legalizar o jogo em Pindorama. À primeira vista, o que havia era apenas um truque do presidente da Câmara, Arthur Lira, levando ao plenário no escurinho de Brasília um velho projeto, que legaliza os jogos de azar e permite a reabertura de cassinos, chamando-os de resorts. O filé mignon e o pote de veneno dessa inciativa estão na abertura dos cassinos. Por trás de uma panaceia arrecadatória e turística, há muito mais.

Aos fatos:
Em maio de 2018, entrando pela cozinha do Copacabana Palace, o candidato a presidente Jair Bolsonaro e o economista Paulo Guedes se encontraram com o bilionário americano Sheldon Adelson. Ele veio ao Brasil com dois objetivos: obter a promessa da instalação da embaixada brasileira em Jerusalém e tratar da abertura de cassinos em cidades turísticas. Adelson, grande financiador do partido Republicano nos Estados Unidos, tinha cassinos em Las Vegas, Singapura e Macau.

O jabuti andou. Em dezembro daquele ano, o então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, defendeu a criação de um complexo hoteleiro com cassino no Porto Maravilha. Meses depois, já na presidência da República, Bolsonaro informou: “Não quero adiantar aqui. Brevemente, estará sendo apresentado aos senhores um projeto que, com todo o respeito ao Paulo Guedes, a previsão é de termos dinheiro em caixa maior do que a reforma previdenciária em dez anos”.

Nas contas dos amigos do jabuti, os cassinos poderiam render à Viúva até R$ 18 bilhões em arrecadação. Bolsonaro teria discutido o assunto num de seus encontros com o presidente americano Donald Trump, dono de cassinos na sua terra. Em novembro de 2019, o ministro Paulo Guedes veio para a vitrine e louvou os cassinos de Las Vegas: “Imagina ter o mesmo na região da Amazônia? Mistério, turismo, entretenimento e um centro mundial de energia sustentável”. Outros príncipes do bolsonarismo circularam pelo circuito mundial da jogatina e pelo escritório de Adelson.

Na famosa reunião do ministério de abril de 2020, o tema dos resorts reapareceu com sua roupagem de vestal do turismo. Foi rebatido pela terrivelmente evangélica ministra Damares Alves: “Pacto com o diabo.” Damares vocalizava uma posição arraigada no meio evangélico que não bebe, não fuma e não joga. O assunto poderia ter morrido, mas Paulo Guedes retomou-o: “Tem problema nenhum. São bilionários, são milionários. Executivos do mundo inteiro. (...) O turismo saiu de cinco milhões em Singapura para 30 milhões por ano. O Brasil recebe seis. (...) O sonho do presidente de transformar o Rio de Janeiro em Cancún lá, Angra dos Reis em Cancún . (...) É um centro de negócios. É só maior de idade. O cara entra, deixa grana lá que ele ganhou anteontem, ele deixa aquilo lá, bebe, sai feliz da vida. Aquilo ali não atrapalha ninguém. Deixa cada um se foder. Ô Damares. Damares. Damares. Deixa cada um ... Damares. Damares. O presidente fala em liberdade. Deixa cada um se foder do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário. Deixa o cara se foder, pô! Não tem ... Lá não entra nenhum, lá não entra nenhum brasileirinho.”

Ninguém seria capaz de imaginar que esse seria o nível do debate de um doutor pela universidade de Chicago, mas vá lá. A discussão de abril se tornou pública e o projeto continuou sua caminhada pelo escurinho de Brasília. Se uma parte da bancada evangélica tivesse ficado quieta, Arthur Lira teria colocado na pauta a legalização dos cassinos. Com a reação, ele aprovou a urgência, mas se comprometeu a só colocar o mérito do projeto em votação a partir de fevereiro. Até lá, como diz o croupier da roleta: façam seus jogos, senhores.

Sheldon Adelson terá que esperar. Ele morreu em janeiro passado, aos 87 anos, deixando algo como US$ 30 bilhões.

Madame Natasha saúda o neologismo
Madame Natasha adorou ouvir que delegados da Polícia Federal criticaram o espetáculo da ação praticada contra os irmãos Ciro e Cid Gomes na terça-feira, classificando-a de “lavajatismo”.

A expressão Lava-Jato, que designava ações contra a corrupção de políticos e empresários, gerou um neologismo que designa teatralidades intimidatórias, destinadas a condenar suas vítimas pela construção de espetáculos.

Natasha encantou-se com o neologismo, que a remeteu ao grande momento literário de Dean Acheson, o secretário de Estado americano (1949-1953) que ela adorava na sua juventude. Imponente, chique e mordaz, Acheson comeu o pão que Asmodeu amassou nas mãos do senador Joseph McCarthy, que comandou uma caça às bruxas na administração americana. Bebum e mentiroso, ele acabou censurado pelos colegas. Morreu em 1957, levado pela cirrose e pela amargura.

Anos depois, ao escrever suas magníficas memórias, Acheson deu-lhe poucas e memoráveis palavras. Disse que, como o juiz Lynch (pai do verbo linchar) e do capitão Boycott (pai do verbo boicotar), o senador “enriqueceu a língua inglesa” gerando a palavra macartismo.


sábado, 24 de abril de 2021

QUE PARLAMENTO É ESSE? - Percival Puggina

Vou longe, mas já volto. Não se assuste, leitor. É importante o preâmbulo que farei.

No início do século XIII, a Inglaterra vivia momentos difíceis. A disputa entre os filhos do rei Henrique II, as guerras e as campanhas de Ricardo (o Coração e Leão), que o sucedeu em 1189, arrasaram o orçamento da Coroa. Ricardo, como rei, comandara a 3ª Cruzada. 
Para fazê-la, raspou os cofres e monetizou tudo que podia ter algum valor no reino. 
Dois anos depois, enquanto retornava de Jerusalém sem conquistar a cidade, foi capturado e vendido ao rei da inimiga Áustria. Sua liberdade custou o equivalente ao dobro da renda anual da Coroa. Morreu em 1199 e o trono foi assumido por João (conhecido como Sem Terra), o mais jovem dos irmãos.

As disputas internas entre os filhos de Henrique, as aventuras de Ricardo e duas guerras mal sucedidas do rei João contra a França custavam muito e nada rendiam aos barões que se rebelaram e obrigaram João a firmar a Magna Carta, que limitou significativamente seu poder. Esse documento, que João não levou a sério, é considerado o fundador do constitucionalismo moderno. Os barões, através de quem se alastrava pelo reino a cobrança de impostos, achavam, com razão, que pagavam muito por quase nada. E quiseram dar um basta.

Voltei. O orçamento da União aprovado pelo Congresso Nacional para o corrente ano eleva a R$ 247 bilhões o déficit das contas públicas. Foi o menos ruim que se conseguiu obter. Esse número, tão vermelho, é produto cumulativo de irresponsabilidades fiscais que se transferem de orçamento para orçamento. Para sua composição, ao longo dos anos, convergem interesses corporativos, geração de espaços de poder político mediante criação de empresas estatais muitas das quais deficitárias, aumento permanente dos custos operacionais e funcionais dos poderes de Estado, notadamente daqueles cujos salários sobressaem dentro do mercado, e uso político partidário dos recursos públicos. Note-se que não falei dos inestimáveis custos da corrupção, mais uma vez premiada, nestes dias, com o selo nacional da eterna impunidade.

Compare o que aconteceu na Inglaterra do século XIII com o que está acontecendo no Brasil 800 anos depois, Lá, o “parlamento”, como poderíamos definir por analogia aquele conselho dos 25 barões impostos ao rei João, atuava para diminuir o gasto da Coroa e os tributos. Aqui, historicamente, a maioria dos parlamentares brasileiros pressiona para aumentar a despesa pública! Quer que o governante tome mais dinheiro da sociedade. Ou seja, olha para os lados e não olha para frente.

É claro que isso tem nome. É claro que os critérios do atual governo desagradam o mundo e o submundo. O que torna tudo mais difícil para o exercício da cidadania é que a imprensa brasileira parece não saber os nomes dos maus parlamentares, dos oportunistas, dos que fazem política para o mal do país, para o corporativismo e para o clientelismo. A omissão grita, principalmente porque os nomes do Executivo estão, sempre, sob o crivo negativo, o comentário ácido, e são objeto de adjetivos, interjeições e desconstrução de imagem. 
É um ativismo midiático que não atravessa a rua. E o Brasil perde com isso porque a copa fica franqueada aos abusados enquanto o clássico sistema de “freios e contrapesos” ganhou carga e perdeu os freios, atropelando o Estado de Direito.

Os barões se regalam.

 Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quinta-feira, 2 de julho de 2020

Não há Palestina com Benjamin Netanyahu - O Globo

Guga Chacra


Constatação

A Palestina será o que Benjamin Netanyahu quiser. Se o primeiro-ministro de Israel quiser anexar a Cisjordânia, nenhuma pressão externa ou interna o impedirá. Se optar por não anexar, será porque calculou ser melhor esperar vislumbrando vantagens. O premier é um dos maiores vencedores da história política mundial. Conseguiu arquitetar o Oriente Médio dos seus sonhos. Não será diferente agora.

Netanyahu queria isolar o Irã. Conseguiu. 
Netanyahu queria que os EUA se retirassem do acordo nuclear firmado pelas grandes potências e o regime de Teerã. Conseguiu. 
Netanyahu queria que os EUA transferissem a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. Conseguiu. 
Netanyahu queria que o presidente Donald Trump reconhecesse as Colinas do Golã, uma região síria ocupada por Israel, como território israelense. Conseguiu. 
Netanyahu queria se aproximar das nações árabes do Golfo Pérsico. Conseguiu.

Netanyahu conseguiu destruir sucessivamente todos os seus rivais políticos à esquerda e à direita. A lista é longa: Ehud Barak, Ehud Olmert, Tzipi Livni, Avigdor Lieberman, Yair Lapid, Naftali Bennet. O último, Benny Gantz, virou seu aliado e refém. Netanyahu está no poder há 11 anos seguidos. Conseguiu permanecer no cargo mesmo indiciado por corrupção. Sou crítico de Netanyahu. Discordo de suas posições em muitos temas de política interna israelense, assim como em política internacional. Mas, diferentemente de Donald Trump e Jair Bolsonaro, o premier israelense é genial, habilidoso e imbatível. Alguns dirão que sua performance no combate à Covid-19 foi decepcionante. Sem dúvida, os resultados ficaram aquém do esperado, longe de se compararem aos da premier da Nova Zelândia, Jacinda Ardern. Mas, ainda assim, não dá para comparar com os desempenhos catastróficos e vergonhosos dos presidentes brasileiro e americano. Além disso, o líder israelense não é negacionista e anticiência.

No caso da anexação da Cisjordânia, sabemos que na prática muda pouco. Já existe uma ocupação com a presença de mais de 100 assentamentos, onde vivem 400 mil colonos israelenses, sem falar na presença militar. Isso sem contar as outras centenas de milhares que vivem em Jerusalém Oriental, reivindicada pelos palestinos como parte de um futuro Estado. Os palestinos já enfrentam há décadas obstáculos para circular entre cidades como Nablus e Ramallah. A Autoridade Nacional Palestina não é um governo. Trata-se de uma administração burocrática, corrupta e com poderes restritos, sendo dependente de Israel e dos EUA. O grupo terrorista Hamas, por sua vez, opera pouco na Cisjordânia. Seu poder se concentra na Faixa de Gaza, onde exerce uma ditadura extremista e miliciana, ao mesmo tempo em que israelenses e egípcios mantêm um cerco ao território, onde sobrevivem 1,8 milhão de palestinos.

Civil palestino, armado com estilingue, enfrenta aviões caça da Força Aérea de Israel em um combate desproporcional

O sonho legítimo de um Estado palestino acabou, com anexação ou sem anexação. Com Joe Biden ou com Trump no poder em Washington. Com Mahmoud Abbas ou com Marwan Barghouti em Ramallah. O que interessa é Netanyahu, enquanto ele estiver no poder. E o líder israelense nunca quis o estabelecimento da Palestina. No máximo, uns bantustões em porções da Cisjordânia, sem soberania nacional e, óbvio, sem concessão de cidadania israelense aos palestinos. [Netanyahu, além de levar o exército israelense a agir de forma covarde, quando ataca civis palestinos desarmados, usa os civis palestinos como forma de se livras dos problemas internos que afetam seu governo.]

Guga Chacra, colunista - O Globo