O Globo
Falta de
confiança atrapalha
O risco de mau uso de ampla base de dados
A
dificuldade que o IBGE está encontrando para acessar os números telefônicos de
brasileiros para realizar pesquisas não presenciais por causa da Covid-19 é
devida a sermos um país com alto índice de crimes digitais e termos um governo
inconfiável institucionalmente, que confunde órgãos de Estado com os de
governo.
Prova
disso é o decreto de outubro do ano passado que instituiu o Cadastro Base do
Cidadão, que será uma “base integradora” de dados pessoais de todos os
brasileiros, com o objetivo de regulamentar o compartilhamento de dados entre
diversos órgãos do governo. Houve
polêmica à época, pois especialistas apontaram o perigo de termos vagos no
decreto, abrindo caminho para a utilização sem controle de dados, e
descumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados que entrará em vigor em agosto
deste ano. Já existe
no Congresso uma proposta para alterar o decreto governamental, dando segurança
ao cidadão de que seus dados não serão utilizados indevidamente. O decreto não
foi aprovado ainda devido à crise da Covid-19. [qualquer Decreto editado pelo Presidente da República, JAIR BOLSONARO, é alvo da sanha modificadora do Legislativo ou suspensora do STF.
"Estamos assim: os governadores mandam nos estados, os
prefeitos nos municípios, o presidente não manda em ninguém e o STF manda
em todo mundo”. Luís Ernesto Lacombe.
" está se tornando um bordão.]
A
presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, está disposta a reescrever a
instrução normativa que orienta o uso dos dados das operadoras telefônicas para
a complementação da PNAD-Contínua e a PNAD Covid-19, explicitando o cumprimento
de várias normas nacionais e internacionais de segurança de dados, exigidas
pelos autores da ação de inconstitucionalidade acatada liminarmente pela
ministra Rosa Weber que será julgada na próxima quarta-feira no plenário
virtual do Supremo.
A maioria
delas já é adotada pelo IBGE, e outras estão definidas na própria Medida
Provisória, como nomeação de encarregado de proteção de dados, realização de
auditoria externa, parâmetros de segurança, transparência e controle de acesso
dos dados, anonimização, garantia do exercício dos direitos do titular dos
dados, formas de descarte.
Definição
do uso está dada na MP, assim como a limitação do período da utilização dos
dados, até o fim da emergencia sanitária. Seria relativamente fácil, como se
vê, garantir a segurança dos dados com as normas internas do IBGE. Elas têm
regras rigorosas, e nunca houve desconfiança sobre o uso indevido dos dados.
Nas
pesquisas presenciais, todos os dados são coletados e o pesquisador sabe
exatamente com quem está falando. Se algum pesquisador quisesse fazer algo de
ilegal, saberia até mesmo como é a casa por dentro, pois até anos atrás era uma
ação cidadã participar de pesquisas que permitem ao governo definir politicas
públicas. Nos
últimos tempos, com o aumento do índice de criminalidade, tem sido mais difícil
fazer as pesquisas domiciliares, porque as pessoas têm medo de abrir a porta.
Por isso está havendo essa reação aqui, e não em outros países. Além da falta
de confiança no governo.
A
preocupação é o governo ter um instrumento que ninguém tem: todas as
características do cidadão, e mais o número do telefone. A Receita sabe quanto
um determinado cidadão ganha, mas não sabe se é negro ou branco, urbano ou
rural, quantos filhos, se mora na favela ou no asfalto, se no interior ou
capital. [sic] E não sabe o telefone. [sic] O
problema mais delicado, por isso, é o tamanho da amostra. O IBGE alega que
tecnicamente é preciso ter uma base de 200 milhões de telefones para dar
continuidade à pesquisa PNAD-Contínua que começou ano passado. Há juristas e
especialistas em segurança de dados, no entanto, que consideram que esse volume
de informação é desnecessário e perigoso de estar nas mãos do governo.
A
estranheza tem a ver com inconfiabilidade do governo, não do IBGE. Se o governo
quiser, poderá ter uma base de dados que ninguém tem para campanhas políticas
direcionadas, mandar WhatsApp e SMS com fakenews à vontade. [qual a razão de tanta desconfiança?como bem lembra o articulista "Se o governo quiser, poderá ter uma base de dados ..." e de caráter reservado.]Por mais que a
presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra considere impossível isso acontecer,
pelas barreiras de segurança impostas pelo próprio governo, além de ofensivo ao
órgão e aos técnicos que o compõem, essa desconfiança é um fato, e denota o
grau de insegurança institucional que vivemos. Ao mesmo tempo, deixar de fazer
as pesquisas seria admitir a falência do Estado brasileiro.
Merval Pereira, jornalista - O Globo