A candidatura de Lula está enterrada?
Se a condenação for mantida, não vejo como ele possa concorrer. O TSE
é um tribunal jurídico político. Sua linha é não representar nada que
violente o Direito e respeitar a vontade dos eleitores. Lembremos que a
Lei da Ficha Limpa foi criada para evitar que as candidaturas cheguem ao
TSE. Tenho a impressão que o TSE dificilmente concordaria em homologar
sua candidatura. Os embargos irão se atear sobre a pena, mas não
modificam a essência da pena. Outra parte, a condenação, fica como
definitiva. A meu ver isso inviabilizaria o registro da candidatura.
A Lei da Ficha Limpa vai funcionar por inteiro?
Essa lei, na minha opinião de mero doutrinador do direito, não está
de acordo com o Artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que
diz: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”. E se o réu ainda não é culpado, como é que
não pode concorrer em uma eleição? Essa posição eu expus na ocasião [da
criação da lei], mas fui superado. Há quatro anos isso não prevalece.
Tanto que diversos políticos não puderam concorrer. Houve uma
consolidação jurisprudencial que superou uma interpretação acadêmica que
eu e Celso Bastos [jurista falecido em 2003] fizemos da Constituição.
Hoje, a Lei da Ficha Limpa deve ser aplicada por inteiro tão logo sejam
encerrados os embargos de declaração. Essa posição veio a ser
confirmada pelo Supremo quando determinaram que a prisão em segunda
instância é possível, desde que feita em colegiado, independente do
trânsito em julgado. Mantenho minha posição acadêmica e pessoal, pois se
trata de questão penal e não eleitoral. Mas não é a que vale no Brasil.(...)
Hoje há ativismo jurídico em excesso por parte do STF?
Esse é um grande problema. Na semana passada comentei que a ministra
Cármen Lúcia impediu a posse de uma ministra [Cristiane Brasil] por ela
ter perdido uma ação trabalhista. Não foi por uma ação penal. Esse
ativismo é perigosíssimo, pois cria insegurança. Imagine qualquer
diretor de empresa que tenha perdido uma ação para um funcionário não
poder assumir um cargo no governo. A Constituição é clara nesses casos. A
competência privativa [da nomeação] é do presidente e o Supremo não tem
que intervir. O Supremo fez isso quando deu um rito para o Legislativo,
contra o regimento interno, no processo do impeachment do Collor. Seria
um rito rapidíssimo do Senado. O Supremo interveio e fez durar aquela
enormidade, criando uma agonia imensa no País. Apesar de eu considerar
os 11 ministros excepcionais – escrevi livros com nove deles –, sou de
um tempo que ninguém do Supremo falava fora dos autos. Me sinto fora de
moda, aos quase 83 anos, pois tenho visto os poderes invadirem a
competência de outros. O Supremo faz isso em relação ao Executivo, com
relação à nomeação de ministro, e ao Legislativo, quando decide sobre
aborto ou sobre uma pena que deveria ser cumprida na segunda instância e
não no trânsito em julgado. Lembro que todos os ministros que fizeram a
história do Supremo até 2003, como Moreira Alves, Galloti, Cordeiro
Guerra, Sydney Sanches, não invadiram competência de outros poderes.
Depois veio essa nova geração. Mas essa é apenas a posição de um velho
advogado e professor de Direito.
O que você achou da condenação baseada em “atos de ofício indeterminados”, conforme fez o juiz Sergio Moro?
Li a sentença do Sérgio Moro. Ele vincula elemento por elemento. No
triplex, foi evidente que tudo que foi feito de mudança no imóvel era
para o presidente Lula. Nenhuma construtora faz modificações em um
apartamento, que fica diferente de todos os outros, sem cobrar
absolutamente nada. Gosto do advogado do Lula. É competente, mas vai ter
um bocado de trabalho nos embargos de declaração.
Íntegra da entrevista
Íntegra da entrevista
Ives Gandra da Silva Martins