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sexta-feira, 17 de julho de 2020

O Supremo Tribunal Federal e o consequencialismo jurídico - O Estado de S.Paulo - Ives Gandra da Silva Martins


Tem-se discutido ultimamente com mais intensidade quais seriam os limites da atuação da Suprema Corte no Estado Democrático de Direito brasileiro, ou seja, se seria um superpoder com o direito de impor suas decisões mesmo além dos limites definidos pela Lei Maior, ou se seria um Poder como os demais, submetidos às atribuições outorgadas pela Carta da República.

Corrente doutrinária do Direito Constitucional que ganhou força nas universidades, nas instituições de classe e no Poder Judiciário tem hospedado vertente de pensamento segundo a qual o século 19, com a introdução do parlamentarismo inglês de 1689 em muitos países europeus e no Segundo Império brasileiro, foi o século do Poder Legislativo; o século 20 foi o século do Poder Executivo; e o século 21 será o do Poder Judiciário, à luz do denominado princípio consequencialista.


Por consequencialismo entende-se a adaptação das decisões às suas consequências na realidade para as quais são destinadas, com flexibilização do entendimento teleológico das normas, na busca de uma justiça transcendente. O neoconstitucionalismo trilha linha semelhante, ao admitir uma relativização do texto a ser examinado pelo Judiciário com considerável margem para a busca da justiça dentro desse quadro alargado da hermenêutica.

Tanto o consequencialismo quanto o neoconstitucionalismo provocam uma politização do Judiciário que, não poucas vezes, invade competências próprias de outros Poderes, com a judicialização da política, levando as correntes minoritárias a buscar no Judiciário forma de suprir sua incapacidade de fazer prevalecer suas opiniões ou ideologias. Quanto mais o Judiciário age politicamente, tanto mais os políticos buscam o Judiciário para utilizá-lo como instrumento contra suas derrotas no Legislativo ou no Executivo.

Pessoalmente, entendo que a Constituição de 1988 não albergou nenhuma dessas formas de ação do Poder Judiciário, como de resto em artigos e livros tenho procurado demonstrar, embora reconhecendo que com limitado êxito.Um exame mais detido do texto constitucional demonstra que a Lei Superior brasileira tem claros e escuros, princípios constitucionais relevantes, normas e regras sem densidade constitucional, excessiva generalização, adiposidade desnecessária e um longo rol de disposições que se pretendia fossem de aplicação imediata, embora de difícil implantação.

Dois pontos, todavia, tornaram-se importantes no novo texto da Carta da República: o equilíbrio entre os Poderes, desejado pelo constituinte, e a inserção de uma lista apreciável de garantias e direitos individuais. Esses pontos passaram a balizar o comportamento dos Poderes a partir de 1988. Acontece, todavia, que desde 2003quando, num único mês, três ministros que marcaram história na Suprema Corte se aposentaram: Moreira Alves, Sydney Sanches e Ilmar Galvão – a Suprema Corte perdeu aquela característica de um colegiado com a função maior de ser o guardião da Constituição e a função decorrencial de dar estabilidade às instituições.

Nada obstante a qualidade indiscutível de todos os seus integrantes, o protagonismo individual que assumiram passou a permear muitas decisões, promovendo o avanço da insegurança jurídica, sempre que a competência de atribuições de outros Poderes foi invadida. Com isso, a comunidade jurídica encontra-se permanentemente em suspenso, temerosa de que, em algum momento, tal invasão venha a deflagrar um conflito que resulte no acionamento dos freios e contrafreios expostos no texto supremo.

Acresce que o Ministério Público que não é Poder –, nada obstante o nível e a qualidade de seus membros, tem, muitas vezes, envergado vestes próprias de um Poder, causando, também, instabilidade, visto que o parquet é apenas uma função essencial à administração da justiça, como o é a advocacia. À evidência, manter quadros institucionais em que os representantes dos três Poderes, em vez de agirem com harmonia e independência entre si, invadem competências uns dos outros, deixa desprotegidos os direitos individuais, que deveriam ser assegurados na tríplice função montesquiana de respeito entre os três Poderes. Ficam tais direitos e garantias, repetidas vezes, tisnados, principalmente o direito de defesa, cada vez mais atingido na sofrida República brasileira, que deveria nele ter o alicerce maior da democracia.

É de lembrar que o artigo 1.º da Constituição federal declara que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e o 2.º, que os Poderes são harmônicos e independentes. São os dois primeiros artigos que fundamentam os oito títulos, as Disposições Gerais e Transitórias e as 112 emendas constitucionais do processo revisional e ordinário. Uma democracia só é plena se cada Poder, no âmbito de suas atribuições, cumprir sua missão com pleno respeito às competências alheias, colaborando com a sociedade na construção de uma nação poderosa e estável institucionalmente. E, na minha opinião, o consequencialismo jurídico não foi albergado pela nossa Lei Suprema.

 Ives Gandra da Silva Martins, jurista - professor da ECEME e ESG - O Estado de S. Paulo - Espaço Aberto

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Ex-ministros do STF rebatem ataques à Corte após decisão sobre prisão em segunda instância - Bernardo Mello Franco

Sydney Sanches vê ‘bravatas’. Para Eros Grau, Estado Democrático de Direito só existe quando a Constituição é respeitada

Embora tenham divergências sobre a prisão em segunda instância , ex-ministros do Supremo Tribunal Federal ( STF ) ouvidos pelo GLOBO convergiram na defesa da autonomia da Corte após uma série de ataques nas redes sociais. Terminado o julgamento de quinta-feira, que estabeleceu a necessidade de se esgotarem todos os recursos antes do cumprimento da pena, o vice-presidente Hamilton Mourão sugeriu, em suas redes sociais, que o Estado de Direito estava “ao sabor da política”. 
 
[Íntegra da sugestão do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República:“O Estado de Direito é um dos pilares de nossa civilização, assegurando que a Lei seja aplicada igualmente a todos. Mas, hoje, dia 8 de novembro de 2019, cabe perguntar: onde está o Estado de Direito no Brasil? Ao sabor da política?”.]
 
Para o ex-ministro Eros Grau, relator da votação que havia estabelecido, em 2009, a inconstitucionalidade da prisão antes do chamado “trânsito em julgado”, a decisão desta semana do STF “retoma o texto literal” da Constituição. A Corte havia mudado seu entendimento e autorizado a prisão em segunda instância em 2016, no auge da Operação Lava-Jato. Nesta semana, por seis votos a cinco, a atual composição do STF voltou à interpretação anterior. [alertando que a atual composição da Corte é exatamente a de 2016.] — O Estado Democrático de Direito só existe quando a Constituição é respeitada. Isto foi seguido pelo STF. Não é por impactar o ex-presidente Lula que o julgamento teve esse desfecho. É porque os magistrados seguiram os limites do texto constitucional — avaliou Eros Grau.

A decisão do STF levou à soltura do ex-presidente Lula, que havia sido condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a 12 anos de prisão no caso do tríplex do Guarujá. Em abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu a pena para oito anos e dez meses. Por ter cumprido um sexto da pena, Lula já tinha direito à progressão para o regime semiaberto.[importante não esquecer que Lula NÃO FOI INOCENTADO NEM SUA CONDENAÇÃO ANULADA - ele ganhou apenas uma prorrogação, assim seu status continua de : CRIMINOSO CONDENADO, temporariamente, FORA DA CADEIA.]
O ex-ministro do STF Sydney Sanches classificou como “bravatas” os ataques ao STF feitos por Mourão e por membros da base política do presidente Jair Bolsonaro. O magistrado defendeu que “cada Poder ocupe o seu lugar”, e afirmou que o Supremo tem entrado em assuntos ligados ao Direito Penal, como descriminalização do aborto e equiparação da homofobia ao racismo, por “omissão ou falta de consenso” do Congresso. [talvez, por ser um ex-ministro,  o ilustre ministro não tenha sido informado que quando o STF resolveu tomar a decisão sobre homofobia, alegando desinteresse do Poder Legislativo sobre o tema,foi informado oficialmente pelo presidente do Senado da existência naquela Casa de dois processos sobre o assunto, em plena tramitação.
O STF optou por ignorar a comunicação e se tornar órgão legislativo.]

O STF passou a resolver isso com boa vontade, até por patriotismo, porque alguém precisava fazer. Os parlamentares vêm abrindo mão de sua autonomia e buscam soluções políticas em um órgão que não tem esse poder — disse Sanches.
Sanches, que foi integrante da Corte até 2003 e se manifestou a favor do cumprimento da pena após prisão em segunda instância, defendeu o novo entendimento pelo trânsito em julgado e afirmou que é temerário pensar em nova mudança de interpretação.
— Daqui a pouco vão se aposentar os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, que votaram contra a segunda instância. Não se pode querer pautar de novo o assunto caso as vagas sejam ocupadas por magistrados com posições distintas. Isso traz insegurança jurídica. O povo precisa acreditar na Justiça. Caso contrário, não há democracia — argumentou. [Excelência, a INSEGURANÇA JURÍDICA, produzida pelas constantes mudanças de entendimento do STF, é a única certeza que o cidadão brasileiro tem que o STF pode decidir de manhã por um entendimento e na tarde do mesmo dia, mudar tudo.] 
 
Para o ex-ministro, a Câmara tomará um “caminho correto” se debater uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que passe a considerar o trânsito em julgado após condenação em segunda instância. A possibilidade foi sugerida pelo atual presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e reiterada pelo ministro da Justiça Sergio Moro, para quem uma modificação no entendimento do Supremo poderia ser feita via projeto de lei ordinário, cuja aprovação é mais simples do que uma PEC.

Bernardo Mello Franco, jornalista - O Globo



sábado, 27 de janeiro de 2018

A candidatura de Lula ficou inviável - Ives Gandra da Silva Martins

O jurista Ives Gandra da Silva Martins, 82 anos, costuma surpreender por suas posições legalistas e políticas. No dia do julgamento do recurso de Lula no TRF-4, ele falou à ISTOÉ não apenas da importância da Lava Jato para o combate à corrupção no País, como também dos recentes atropelos constitucionais promovidos pelo Judiciário e pelo Ministério Público. Amigo dos principais ministros e procuradores, Gandra não receia em criticar – sempre polidamente – o espaço que o STF ocupa ao se intrometer em áreas que deveriam ser exclusivas do Executivo e do Legislativo. Ele acredita que o impedimento de Lula para a eleição irá provocar um efeito moderador, acalmando ânimos e esvaziando também a candidatura de Jair Bolsonaro, criando espaço para o surgimento de líderes regionais em busca de expressão nacional. Ives Gandra afirma ter lido a sentença do juiz Sérgio Moro que condenou Lula e afirma que seu advogado “vai ter um bocado de trabalho nos embargos de declaração”.

A candidatura de Lula está enterrada?
Se a condenação for mantida, não vejo como ele possa concorrer. O TSE é um tribunal jurídico político. Sua linha é não representar nada que violente o Direito e respeitar a vontade dos eleitores. Lembremos que a Lei da Ficha Limpa foi criada para evitar que as candidaturas cheguem ao TSE. Tenho a impressão que o TSE dificilmente concordaria em homologar sua candidatura. Os embargos irão se atear sobre a pena, mas não modificam a essência da pena. Outra parte, a condenação, fica como definitiva. A meu ver isso inviabilizaria o registro da candidatura.

A Lei da Ficha Limpa vai funcionar por inteiro?
Essa lei, na minha opinião de mero doutrinador do direito, não está de acordo com o Artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que diz: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. E se o réu ainda não é culpado, como é que não pode concorrer em uma eleição? Essa posição eu expus na ocasião [da criação da lei], mas fui superado. Há quatro anos isso não prevalece. Tanto que diversos políticos não puderam concorrer. Houve uma consolidação jurisprudencial que superou uma interpretação acadêmica que eu e Celso Bastos [jurista falecido em 2003] fizemos da Constituição. Hoje, a Lei da Ficha Limpa deve ser aplicada por inteiro tão logo sejam encerrados os embargos de declaração. Essa posição veio a ser confirmada pelo Supremo quando determinaram que a prisão em segunda instância é possível, desde que feita em colegiado, independente do trânsito em julgado. Mantenho minha posição acadêmica e pessoal, pois se trata de questão penal e não eleitoral. Mas não é a que vale no Brasil.

(...) 

Hoje há ativismo jurídico em excesso por parte do STF?
Esse é um grande problema. Na semana passada comentei que a ministra Cármen Lúcia impediu a posse de uma ministra [Cristiane Brasil] por ela ter perdido uma ação trabalhista. Não foi por uma ação penal. Esse ativismo é perigosíssimo, pois cria insegurança. Imagine qualquer diretor de empresa que tenha perdido uma ação para um funcionário não poder assumir um cargo no governo. A Constituição é clara nesses casos. A competência privativa [da nomeação] é do presidente e o Supremo não tem que intervir. O Supremo fez isso quando deu um rito para o Legislativo, contra o regimento interno, no processo do impeachment do Collor. Seria um rito rapidíssimo do Senado. O Supremo interveio e fez durar aquela enormidade, criando uma agonia imensa no País. Apesar de eu considerar os 11 ministros excepcionais – escrevi livros com nove deles –, sou de um tempo que ninguém do Supremo falava fora dos autos. Me sinto fora de moda, aos quase 83 anos, pois tenho visto os poderes invadirem a competência de outros. O Supremo faz isso em relação ao Executivo, com relação à nomeação de ministro, e ao Legislativo, quando decide sobre aborto ou sobre uma pena que deveria ser cumprida na segunda instância e não no trânsito em julgado. Lembro que todos os ministros que fizeram a história do Supremo até 2003, como Moreira Alves, Galloti, Cordeiro Guerra, Sydney Sanches, não invadiram competência de outros poderes. Depois veio essa nova geração. Mas essa é apenas a posição de um velho advogado e professor de Direito.


O que você achou da condenação baseada em “atos de ofício indeterminados”, conforme fez o juiz Sergio Moro?
Li a sentença do Sérgio Moro. Ele vincula elemento por elemento. No triplex, foi evidente que tudo que foi feito de mudança no imóvel era para o presidente Lula. Nenhuma construtora faz modificações em um apartamento, que fica diferente de todos os outros, sem cobrar absolutamente nada. Gosto do advogado do Lula. É competente, mas vai ter um bocado de trabalho nos embargos de declaração.

Íntegra da entrevista

 Ives Gandra da Silva Martins