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domingo, 7 de julho de 2019

A privataria ameaça a UFRJ

Projeto imobiliário ganhou um nome de fantasia  - Viva UFRJ

Hospital em declínio é símbolo de uma época em que a universidade sonhava

O hospital Sírio-Libanês retifica: “Não está nos planos atuais da instituição abrir uma filial do hospital no Rio de Janeiro.” (Em 2015 esteve, com gente boa conseguindo promessas de doações, mas isso é passado.) A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) trabalha, com o BNDES e o banco Fator, na modelagem de uma licitação para conceder, por até 50 anos, 485 mil metros quadrados de terrenos na ilha do Fundão e na praia Vermelha (onde fica o falecido Canecão).

Quem desenhou a girafa foi Deus. Só Ele sabe o que sairá da modelagem que estão cozinhando. Felizmente, o BNDES e a UFRJ garantem que tudo será feito às claras, em processo licitatório, com o devido debate. Segundo a universidade, o cessionário disporá dos terrenos de acordo com seus interesses e a “vocação imobiliária” das áreas: “Provavelmente essas vocações estão associadas à ocupação para residências, comércio ou serviço. Há possibilidade de haver centros de compras ou de convenções, supermercados ou hotéis.”

O edital que licitou o pregão que contratou o banco Fator foi mais claro. Em duas ocasiões mencionou a possibilidade de uso dos terrenos para “condomínios corporativos, (...) redes de hotéis, redes de hospitais e redes de ensino”. O que se cozinha é um amplo projeto capaz de botar dinheiro nos magros cofres da universidade. Coisa de bilhão de reais. Começa pela cessão dos terrenos, por até 50 anos. Essa seria a parte fácil. Ela complica-se porque modela-se um projeto pelo qual o cessionário, ou seus parceiros, devem dar contrapartidas à UFRJ, construindo prédios, restaurantes e alojamentos.

Talvez fosse mais simples não misturar gravata com abacate, mas vá lá. Serão duas bolas no ar.Está na panela também a eventual criação de um “Fundo de Investimento Imobiliário” que ficaria encarregado de gerir o ervanário resultante das operações.
Assim, o malabar tem três bolas. (Esse fundo poderia ficar parecido com a Harvard Corporation, que cuida do patrimônio da universidade. Caso ele venha a ter investidores particulares, arrisca-se a misturar Boston com Borel.) O projeto imobiliário ganhou um nome de fantasia —”Viva UFRJ”— e na essência desenhará o futuro da universidade. Shoppings, redes de hotéis e de hospitais muita gente faz, universidades são coisa para gente grande. Quando ficar pronta a modelagem, tudo poderá ser discutido. Até agora, sem que o banco Fator tenha algo a ver com isso, saiu uma fumaça cinzenta do “Viva UFRJ”.

Apesar de se sonhar com recursos, redes de hotéis e de hospitais (privados), a universidade já esclareceu que “o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho não entrou nas contrapartidas pois estimativas preliminares indicaram que o custo da obra não cabe no projeto.” O Clementino Fraga é um grande hospital, público, símbolo de uma época em que a UFRJ sonhava grande. Hoje ele é o retrato de uma realidade ruinosa. O doutor Clementino, tio-avô de Armínio Fraga, foi um grande reitor da universidade no ano bicudo de 1968. Ele não merece que seu hospital público seja o que é, enquanto a centenas de metros do seu gabinete da Praia Vermelha reluza um grande hospital para endinheirados.


A nova morte do major
A Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) deu a uma de suas salas o nome do major alemão Otto von Westernhagen, assassinado com dez tiros por terroristas do Colina em julho de 1968, cinco meses antes da edição do Ato Institucional nº 5.

Da homenagem resultou uma barulheira. Teria sido festejado um nazista, condecorado por Hitler. Devagar com o andor, por três motivos. Primeiro porque Westernhagen era um jovem oficial do Exército. Combateu na França e foi ferido na tomada de Berlim, em 1945. Anos depois foi reintegrado à tropa, como capitão. Em 1966 veio para o Brasil, onde cursava a Eceme. Um alemão que combateu na Segunda Guerra não pode ser automaticamente classificado como nazista. Em 1941, aos 14 anos, o jovem Joseph Ratzinger estava na Juventude Hitlerista e dois anos depois, compulsoriamente, foi para a tropa. Em 2005 tornou-se o papa Bento XVI. [SAIBA MAIS SOBRE A HOMENAGEM, clicando aqui.]

O caso de Westernhagen tem um segundo aspecto. Ele foi morto por engano. Os terroristas campanaram e executaram um homem que supunham ser o capitão Gary Prado. Um ano antes, Prado participara da captura de Che Guevara. Os terroristas sabiam onde ele morava, mas só descobriram que não era o boliviano quando abriram sua pasta e acharam documentos em alemão. Percebido o engano, calaram-se. O crime só foi desvendado anos depois pelo historiador Jacob Gorender.

Westernhagen não era nazista nem boliviano e morreu numa rua da Gávea sem ter nada a ver com o pato. Nada mais natural que homenageá-lo dando o seu nome a uma sala de aula na escola militar onde estudava.

Num terceiro aspecto, a homenagem ao major repara um injusto esquecimento. Um dos integrantes do comando que o matou, o ex-sargento da FAB João Lucas Alves, é nome de rua em São Paulo e no Rio. [dar o nome de um dos covardes assassinos, e desertor,  a rua em São Paulo e Rio, pode; mas, dar o nome de um herói, condecorado por bravura, a uma sala de aula na escola militar onde estudava, não pode?] (Ele foi torturado e morto no DOPS de Belo Horizonte. Na versão da ditadura, suicidou-se). Em 1968 mataram Westernhagen por engano. Meio século depois, sua memória merece respeito.

Bola na rede
O ministro Abraham Weintraub, da Educação, acertou uma. Tirou do mundo das falsas promessas a ideia de fazer o exame do Enem por meio digital e anunciou que a novidade começará a funcionar no ano que vem. Inicialmente, o Enem digital será oferecido em 15 capitais, dando ao estudantes o direito de optar pela prova de papel. Se tudo correr bem, em 2026 o Enem será todo feito em computadores.

Não se trata de uma simples mudança de plataforma. A prova eletrônica criará uma facilidade logística e o exame poderá ser aplicado em até quatro ocasiões durante o mesmo ano. É assim que funciona o SAT americano. Quando isso acontecer, a garotada ficará livre do pesadelo de jogar um ano de vida em duas manhãs.

(...)


Elio Gaspari, jornalista - O Globo e o Estado de S. Paulo

domingo, 30 de junho de 2019

Querem lustrar a medicina de quem pode pagar à custa da Viúva

A privataria com o Sírio no Canecão 

É deboche ceder terreno da UFRJ para Sírio-Libanês - Conceder terreno da UFRJ é debochar da História 

Cozinha-se no andar de cima do Rio de Janeiro a possibilidade de concessão do terreno da Universidade Federal (UFRJ), onde funcionou a casa de shows Canecão, na boca do túnel que leva a Copacabana, para a instalação de uma filial carioca do Hospital Sírio-Libanês. Seria a privataria debochando da história. No século passado, quando o Rio tinha a elite médica do país, a Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil funcionava ali perto e grandes doutores como Oswaldo Cruz, Paulo Niemeyer e Ivo Pitanguy associavam sua fama à medicina pública.

A essa época a Faculdade de Medicina de São Paulo começava a crescer, associada ao seu Hospital das Clínicas (público). Do HC irradiou-se uma competência que ajudou a produzir hospitais como o Sírio, o Albert Einstein e a Beneficência Portuguesa (BP). No Rio, o Hospital da Clínicas claudica há mais de 50 anos e a grande medicina privada ficou para trás, junto com a pública. Conceder o terreno da Canecão ao Sírio, ou a qualquer hospital de endinheirados, é debochar da história. Se o Sírio entrar no negócio e quiser fazer um hospital para atender sobretudo a pacientes do SUS, parabéns.

Se a universidade precisa de dinheiro, deve conceder o terreno a quem pagar melhor. Se um hospital abonado precisa de espaço, pode comprá-lo, onde bem entender. Fora disso, é pura privataria, lustrando a medicina de quem pode pagar, à custa do patrimônio da Viúva. O andar de cima do Rio ressente-se da falta de um bom hospital, mas deve resolver esse problema no mercado. A plutocracia de São Paulo, como a de Nova York, tem bons hospitais porque patrocinou-os.

O Sírio nasceu na casa de Adma Jafet, o Einstein teve o amparo da comunidade judaica e de Joseph Safra. A Beneficência foi a menina dos olhos do bilionário Antônio Ermírio de Moraes. Quando o Memorial Sloan-Kettering de Nova York precisou de mais terreno, John D. Rockefeller Jr. doou-o. Quando precisou de mais dinheiro, ele veio de Alfred Sloan e Charles Kettering. Eram dois magnatas da General Motors.Qundo a GM acabar, eles serão lembrados pelo hospital.
(...)

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e durante dez anos foi filiado ao sindicato dos garçons, sem nunca ter entrado num restaurante. O cretino exultou com uma recente decisão do Tribunal de Contas da União. Os doutores decidiram que se um cidadão formou-se em direito e durante dez anos pagou suas anuidades para a Ordem dos Advogados do Brasil sem jamais ter contribuído para a Previdência, esses dez anos contam como tempo de serviço, caso ele tenha se tornado um magistrado e queira se aposentar.

Eremildo tem certeza de que os doutores do Tribunal de Contas não quiseram criar uma gambiarra para favorecer juízes e acredita que eles poderão estender o benefício aos garçons e aos sapateiros. Afinal, o dinheiro da contribuição de garçons e sapateiros ajuda a pagar a aposentadoria dos juízes.

(...) 
 

Recordar é viver
Em 1976, no regresso da comitiva de uma viagem do presidente Ernesto Geisel à Inglaterra, os militares de um avião de apoio não queriam que a Alfândega inspecionasse as bagagens dos passageiros e, por isso, os agentes da Polícia Federal não queriam carimbar seus passaportes. Um oficial deu voz de prisão a três agentes e o avião taxiou para a área da Base Aérea do Galeão, onde se deu o desembarque.

(...)

Elio Gaspari, jornalista  - Folha de S. Paulo e O Globo