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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O terror islâmico e o culto da morte - A nebulosa luta contra a barbárie islâmica



Por quê? A pergunta de George Packer, da revista The New Yorker, foi feita antes do vídeo macabro da execução do piloto jordaniano Muath al-Kasasbeh pelo Estado Islâmico. A referência de Packer ainda era a degola no fim de semana do jornalista Kenji Goto, o segundo refém japonês executado pelo terror.  Na sua hipérbole jihadista e genocida, o Estado Islâmico ameaçou matar qualquer japonês no planeta enquanto degolava o jornalista-refém. Para muitos no Japão, nenhum país é uma ilha (nem a deles) e a execução de Kenji Goto é o 11 de setembro dos japoneses, que carregam um fardo pacifista, herança da derrota na Segunda Guerra Mundial. A ver.
  Safi al-Kaseasbeh, o espírito vingativo do pai do piloto jordaniano carbonizado

De volta ao ângulo do terror. Por quê? As execuções dos últimos dias apenas reforçaram o asco global em relação ao Estado Islâmico. Esgota o contingente de reféns de alta visibilidade que o grupo pode usar para extorquir e aterrorizar o mundo. Qual é a estratégia? Para que fazer ainda mais inimigos?  Os lances militares também levantam questões: por que investir tanto para tomar e perder a cidade curda de Kobani na Síria? O Estado Islâmico, na expressão de George Packer, não permite análises convencionais de custo-benefício.

Suas ambições, como se autoproclamar um califado, são delirantes, mas são justamente elas que inspiram recrutas. Não faz sentido, como já sabemos, tentar analisar o Estado Islâmico pelos padrões de outros grupos jihadistas. Afinal, o movimento já foi admoestado até pela rede Al-Qaeda por seus “excessos”. Na frase precisa de George Packer, o “ponto não é usar o nível certo de violência para atingir metas limitadas. A violência é o ponto e o quanto pior, melhor”. Este horror exerce atração sobre jovens de todas as partes e não desencoraja recrutas. A violência extrema é que torna o Estado Islâmico tão sedutor.

Para Packer, o Estado Islâmico é mais um culto de massa da morte do que um estado totalitário convencional (eu pessoalmente tenho dificuldades para diferenciar as duas categorias). Tampouco dá para categorizar o grupo como uma rede terrorista global ou uma insurgência regional, embora tenha elementos de ambos. Ao culto da morte, o movimento agrega um estado e um exército rudimentares. Tem ainda o toque de um Khmer Rouge ao se apresentar como a vanguarda de um movimento de massa.

No entanto, no quebra-cabeças de George Packer, o Estado Islâmico tem algo de novo- novo como o YouTube - e isso torna mais difícil entendê-lo. No bom arremate de Packer, regimes que desafiam a nossa racionalidade, como o Estado Islâmico, raramente terminam em autodestruição. Geralmente precisam ser destruídos por outros.

Minhas perguntas agora: quem realmente vai se aventurar à tarefa? E quem mais ganhar com a destruição desta categoria de barbárie, além de nós, que nos consideramos civilizados? Tenho algumas respostas, mas prefiro atiçar os leitores, pedindo as deles.
Acima, deixei no ar duas perguntas em razão da queima do piloto jordaniano ainda vivo, em mais um ato de “requintada” barbárie do Estado Islâmico: quem realmente vai se aventurar à tarefa de lutar? E quem mais ganha com a destruição desta categoria de barbárie, além de nós, que nos consideramos civilizados? Antes de mais nada, qualquer vitória contra o Estado Islâmico é um pequeno passo para a civilização e um grande salto de modernidade para o mundo islâmico. Fora esta pincelada no cenário, sendo específico sobre a primeira pergunta (quem vai à luta?), tudo nebuloso.

E por um motivo paradoxalmente claro neste “fog of war”: é uma guerra de ideias dentro do mundo islâmico e elas levam tempo. Sobre as batalhas corporais, precisamos ter em mente que elas serão longas, coisa de décadas. O ex-secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, chutou 30 anos, um prazo que nos faz lembrar justamente as guerras religiosas na Europa no século 17, que não foram apenas religiosas.

Sobre o segundo ponto, precisamos ser sóbrios e até melancólicos. A dinâmica dos conflitos no Oriente Médio é muito tribal e sectária. Basta pegar o exemplo do pai do piloto carbonizado, figura influente de tribo que é sustentáculo da monarquia hachemita do rei Abudllah. Antes da confirmação da morte do filho, ele expressava claramente suas objeções ao envolvimento jordaniano na campanha liderada pelos EUA contra o Estado Islâmico, dizendo que não era uma guerra do seu país.  Agora, ele topa por espírito vingativo. Quem sabe, para este pai desconsolado, tudo bem se no meio do deserto o Estado Islâmico carbonizar um xiita, um cristão ou um judeu, mas nada de selecionar alguém de sua tribo sunita.

De resto, o foco no Estado Islâmico faz com que muitos esqueçam os outros estados islâmicos na região, a destacar Arábia Saudita e Irã. O último caso merece minha atenção especial. Nas encrencas, reviravoltas, guerras e revoluções no Oriente Médio nos últimos 12 anos (ponto de partida sendo a invasão do Iraque em 2003), o regime dos aiatolás tem sido o grande beneficiado.

Fonte: Coluna do Caio Blinder



domingo, 1 de fevereiro de 2015

Em vídeo, Estado Islâmico diz ter decapitado refém japonês Kenji Goto

Em Tóquio, o governo japonês condenou o anúncio

O grupo extremista Estado Islâmico (EI) anunciou ter decapitado o refém japonês Kenji Goto, segundo vídeo difundido este sábado no Twitter pelo veículo midiático dos jihadistas Al Furqan, ao qual o Japão reagiu com indignação. O vídeo mostra Goto de joelhos, vestindo um traje laranja, tendo à sua frente um homem encapuzado e todo de preto que, com uma faca na mão, responsabiliza o governo japonês por seu "martírio".

O vídeo termina com uma foto do corpo, com a cabeça nas costas.

 
O carrasco, que parece ser o homem que ficou conhecido como 'Jihadi John', devido ao sotaque do sul da Inglaterra, dirigiu-se ao governo japonês e à coalizão ocidental que realiza ataques contra o grupo radical. "Vocês, assim como seus tolos aliados na coalizão satânica, ainda precisam entender que nós, pela graça de Alá, somos um califado islâmico com autoridade e poder, um exército inteiro sedento de seu sangue", acrescentou.

Então, ele se dirigiu diretamente ao premiê japonês, Shinzo Abe. "Por causa de sua decisão precipitada em participar desta guerra invencível, esta faca não irá apenas sacrificar Kenji, mas também vai continuar a causar carnificina onde quer que seu povo esteja. Então, que comece o pesadelo para o Japão”, afirmou.

Em Tóquio, o governo japonês condenou o anúncio "com a maior dureza".  "Um vídeo no qual se diz que Goto foi executado foi difundido na internet. Estamos indignados e condenamos (este ato) com a maior dureza", declarou o porta-voz do governo, Yoshihide Suga, em breve coletiva realizada às 06H00 de domingo, hora do Japão (19H00 de sábado, hora de Brasília).

No vídeo não se fez qualquer menção ao piloto jordaniano,
também feito refém e ameaçado de morte pelos jihadistas.
 
 Fonte: Correio Braziliense




domingo, 25 de janeiro de 2015

Quanto vale uma vida humana?

De uns tempos para cá, o valor do ser humano tem tido sua cotação inflacionada por um agente novo, o Estado Islâmico

Gostamos de pensar que a vida humana não tem preço. Que ela não pode ter valor quantificável nem ser comparada a nada, além dela mesma. E que a única justificativa para não impedirmos uma morte é quando esse ato impedir a perda de um número de vidas ainda maior. Foi o alemão Kant quem nos ensinou que seres humanos têm dignidade, não têm preço — até porque o que tem preço pode ser substituído por outra coisa, equivalente.

Também gostamos de pensar que todas as vidas humanas têm valor igual. Fora do âmbito da poesia e da filosofia, contudo, não é bem assim. A todo momento temos etiquetas de preço espetadas em nossas vidas por uma infinidade de agentes — de governos com políticas sociais a economistas forenses, de seguradoras a advogados da bioética, a lista é longa. As cifras, é claro, também oscilam de acordo com os interesses e as circunstâncias — ora valemos mais, ora menos.

Tomem-se como exemplo algumas cotações feitas pelo governo dos Estados Unidos. Em média, as famílias das 2.280 vítimas do atentado do 11 de setembro de 2001 receberam uma indenização de US$ 2 milhões. Seis anos mais tarde, a indenização governamental concedida às famílias das 32 vítimas da fuzilaria na Universidade Virginia Tech foi de US$ 180 mil por cabeça. No caso das Torres Gêmeas, o valor derivara de uma decisão essencialmente emocional por parte do Congresso.

Para propor uma série de medidas visando reduzir a poluição do ar no país, a Agência Ambiental dos Estados Unidos estabeleceu o valor de US$ 9,1 milhão para cada vida. Já a Food and Drug Administration, agência americana com funções similares às da Anvisa, calculou esse valor em US$ 7,9 milhões para emplacar a obrigatoriedade de avisos antifumo em maços de cigarros. O Ministério dos Transportes, por sua vez, fixou em US$ 6,1 milhões o preço de uma vida ao apresentar a exigência de tetos de resistência dupla para automóveis.

No fundo trata-se apenas de uma equação matemática a mais para governos decidirem quanto querem gastar em programas destinados a diminuir perdas desnecessárias de vidas. Nada a ver, portanto, com a endêmica desigualdade das sociedades humanas, ilustrada de forma acachapante por estudo divulgado semana passada. Segundo dados da Oxfam, as fortunas dos 80 bilionários mais ricos do mundo equivalem ao que possuem os 3,5 bilhões de bípedes mais pobres do planeta. Quatro anos atrás, ainda era preciso somar a riqueza de 388 bilionários para o resultado ser o mesmo de hoje.

De uns tempos para cá, o valor do ser humano tem tido sua cotação inflacionada por um agente novo, o Estado Islâmico. O aquecimento do mercado de sequestros é estrondoso.
Embora pedidos de resgate sejam tão velhos quanto bandidagem, sequestros e dinheiro, o caso dos dois cidadãos japoneses capturados na Síria não tem precedente. Através de um vídeo postado na terça-feira, o Estado Islâmico ameaçou decapitar Kenji Goto e Haruna Yukawa se o Japão não pagasse 200 milhões de dólares em 72 horas.

Goto, jornalista freelancer de 45 anos, fora capturado em outubro, dois meses depois de o segurança privado Yukawa cair em mãos dos jihadistas. Ambos foram exibidos ao mundo em coreografia idêntica à que antecedeu às decapitações de quatro reféns ocidentais no ano passado. A novidade está no valor pedido e na natureza pública da exigência. Se uma década atrás os pedidos de resgate giravam em torno de US$ 200 mil, numa segunda fase o negócio pulara para outro patamar — entre US$ 2 milhões e US$ 4 milhões por uma vida humana. Nada, portanto, que se compare aos US$ 200 milhões agora exigidos em troca dos japoneses. Já no caso do jornalista americano James Foley, primeiro decapitado pelo Estado Islâmico, os jihadistas haviam negociado um valor de US$ 135 milhões com a família do refém. Porém em surdina.

Embora governos evitem admitir que negociam com sequestradores, uma investigação do “New York Times" publicada em julho apontou a França como sendo o país que mais desembolsa para ter seus cidadãos libertados: US$ 54 milhões desde 2008. No mesmo período, a Suíça teria pago US$ 12 milhões, a Espanha um pouco menos, a Áustria, US$ 3 milhões. Seriam, em média 12 transações por ano com a al-Qaeda e suas afiliadas.

Uma das negociações mais assombrosas ocorreu em 2003, quando um agente alemão desembarcou de um avião militar quase vazio na capital do Mali. Trazia 5 milhões de euros divididos em três malas e encontrou-se secretamente com o presidente africano. Listado como ajuda humanitária, o dinheiro se destinava a libertar 32 reféns europeus capturados por um grupo jihadista afiliado à al-Qaeda. As malas atravessaram meio país a bordo de uma caminhonete. Ao receberem o butim, os terroristas conferiram os bilhetes em cima de um cobertor estendido na areia.

O espetaculoso valor do atual resgate-ostentação, no entanto, visa sinalizar ao mundo que o Estado Islâmico tem agenda própria e deve ser temido. O Japão talvez sequer precise pagar essa montanha de dinheiro. Pouco antes de o vídeo terrorista ser exibido, o governo do primeiro-ministro Shinzo Abe prometera uma ajuda não militar de US$ 200 milhões para o combate aos jihadistas. Talvez baste que ele desista desse aporte (*).
A demonstração de quem venceu terá sido feita.

Vale lembrar o teor de um comunicado dos países do G-8, assinado também pelo Japão dois anos atrás: “Rejeitamos, inequivocamente, pagar resgate a terroristas e apelamos a todas as nações e empresas do mundo para que sigam nossa diretriz de erradicar essa prática”.

Em tempo: O menino Asafe Costa de Ibrahim, de 9 anos, e a carioquinha Larissa de Carvalho, de 4, são as duas vítimas fatais de uma semana de balas perdidas no Rio. Não cresceram o bastante para se perguntar sobre o sentido das coisas. Mas viveram o suficiente para retratar o quão pouco vale a vida humana quando a violência faz parte da rotina da sociedade.


Por: Dorrit Harazim é jornalista - O Globo

Atualizando: Os terroristas divulgaram vídeo no qual mostram que cumpriram parcialmente a ameaça ao decapitar Haruna Yukawa 




Em vídeo não comprovado, Kenji Goto exibe possível imagem de colega decapitado - Reprodução