Por quê? A pergunta de George Packer, da
revista The
New Yorker, foi feita antes do vídeo macabro da execução do
piloto jordaniano Muath al-Kasasbeh pelo Estado Islâmico. A referência de Packer ainda era a degola
no fim de semana do jornalista Kenji Goto, o segundo refém japonês
executado pelo terror. Na sua hipérbole jihadista e genocida, o
Estado Islâmico ameaçou matar qualquer japonês no planeta enquanto degolava
o jornalista-refém. Para muitos no Japão, nenhum país é uma ilha (nem a deles) e a execução de Kenji Goto é o 11 de setembro dos japoneses, que
carregam um fardo pacifista, herança da derrota na Segunda Guerra Mundial. A ver.
Safi al-Kaseasbeh, o espírito vingativo do pai do piloto jordaniano
carbonizado
De volta ao ângulo do terror. Por
quê? As
execuções dos últimos dias apenas reforçaram o asco global em relação ao Estado
Islâmico. Esgota o contingente de reféns de alta visibilidade que o grupo pode
usar para extorquir e aterrorizar o mundo. Qual
é a estratégia? Para que fazer ainda mais inimigos? Os lances militares também levantam questões:
por que investir tanto para tomar e perder a cidade curda de Kobani na
Síria? O Estado Islâmico, na expressão de George Packer, não permite análises
convencionais de custo-benefício.
Suas ambições, como se
autoproclamar um califado, são delirantes, mas são justamente elas que inspiram recrutas. Não
faz sentido, como já sabemos, tentar analisar o Estado Islâmico pelos padrões
de outros grupos jihadistas. Afinal, o movimento já foi
admoestado até pela rede Al-Qaeda por seus “excessos”. Na frase precisa de George Packer, o “ponto não é usar o nível certo de violência
para atingir metas limitadas. A violência é o ponto e o quanto pior, melhor”. Este horror exerce atração sobre jovens de
todas as partes e não desencoraja recrutas. A violência extrema é que torna
o Estado Islâmico tão sedutor.
Para
Packer, o Estado Islâmico é mais um culto de massa da morte do que um estado
totalitário convencional (eu pessoalmente
tenho dificuldades para diferenciar as duas categorias). Tampouco dá para
categorizar o grupo como uma rede terrorista global ou uma insurgência
regional, embora tenha elementos de ambos. Ao
culto da morte, o movimento agrega um estado e um exército rudimentares.
Tem ainda o toque de um Khmer Rouge ao se apresentar como a vanguarda de um
movimento de massa.
No
entanto, no quebra-cabeças de George Packer, o Estado Islâmico tem algo de
novo- novo como o YouTube - e isso torna mais
difícil entendê-lo. No bom arremate de Packer, regimes que desafiam a nossa racionalidade, como o Estado Islâmico,
raramente terminam em autodestruição. Geralmente precisam ser destruídos
por outros.
Minhas perguntas agora: quem realmente vai se aventurar à tarefa? E quem mais ganhar com a
destruição desta categoria de barbárie, além de nós, que nos consideramos
civilizados? Tenho
algumas respostas, mas prefiro atiçar os leitores, pedindo as deles.
Acima, deixei
no ar duas perguntas em razão da queima
do piloto jordaniano ainda vivo, em mais um ato de “requintada” barbárie do Estado Islâmico: quem realmente vai
se aventurar à tarefa de lutar? E quem mais
ganha com a destruição desta categoria de barbárie, além de nós, que nos
consideramos civilizados? Antes de mais nada, qualquer vitória contra o
Estado Islâmico é um pequeno passo para a civilização e um grande salto de
modernidade para o mundo islâmico. Fora esta pincelada no cenário, sendo
específico sobre a primeira pergunta
(quem vai à luta?), tudo nebuloso.
E por um
motivo paradoxalmente claro neste “fog of
war”: é uma guerra de ideias dentro do mundo islâmico e elas levam tempo. Sobre as batalhas corporais, precisamos ter
em mente que elas serão longas, coisa de décadas. O ex-secretário de Defesa
dos EUA, Leon Panetta, chutou 30 anos, um prazo que nos faz lembrar justamente
as guerras religiosas na Europa no século 17, que não foram apenas religiosas.
Sobre o segundo ponto, precisamos ser sóbrios e até
melancólicos. A dinâmica dos conflitos no Oriente Médio é muito tribal e
sectária. Basta pegar o exemplo do pai
do piloto carbonizado, figura influente de tribo que é sustentáculo da
monarquia hachemita do rei Abudllah.
Antes da confirmação da morte do filho, ele
expressava claramente suas objeções ao envolvimento jordaniano na campanha
liderada pelos EUA contra o Estado Islâmico, dizendo que não era uma
guerra do seu país. Agora, ele topa por
espírito vingativo. Quem sabe, para este
pai desconsolado, tudo bem se no meio do deserto o Estado Islâmico carbonizar um xiita, um cristão
ou um judeu, mas nada de selecionar alguém de sua tribo sunita.
De resto,
o foco no Estado Islâmico faz com que muitos esqueçam os outros estados islâmicos
na região, a destacar Arábia Saudita e
Irã. O último caso merece minha
atenção especial. Nas encrencas, reviravoltas,
guerras e revoluções no Oriente Médio nos últimos 12 anos (ponto de partida
sendo a invasão do Iraque em 2003), o
regime dos aiatolás tem sido o grande beneficiado.
Fonte: Coluna do Caio Blinder
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