Correio Braziliense
''Não cesso de ver fake news em lugar de fatos, e o estranho é que só agora o Supremo, a Câmara e o Senado passaram a se preocupar com isso''
Quase 100 mil vidas ceifadas, milhões de empregos estraçalhados, milhares de empresas fechadas. No entanto, dois dos três poderes da República têm como prioridade fake news.Como se a desgraça imposta por esse estranho e atípico vírus fosse resolvida quando o brasileiro recebesse vacina obrigatória contra notícias falsas.
Nos meus anos de vida, a primeira fake news de que lembro foi em janeiro de 1952 — eu tinha 11 anos —, em O Cruzeiro, a revista de maior circulação na época. O fotógrafo Ed Keffel fez fotos numa montagem e a revista publicou como discos voadores na Barra da Tijuca. E vendeu muito por isso. Desde então, não cesso de ver fake news em lugar de fatos, e o estranho é que só agora o Supremo, a Câmara e o Senado passaram a se preocupar com isso.
Parece mais um movimento comercial contra o fim de monopólio da informação.
César Maia, pai do presidente da Câmara, denunciou algo mais
pérfido que uma notícia falsa: o factóide. Parece fato, tem aparência de
fato, é embrulhado como fato, mas serve para “embrulhar” o leitor, o
ouvinte, o telespectador. O Wall Street Journal acaba de ter
uma espécie de rebelião na redação, exigindo que notícia e opinião
venham separados, não misturados. Fofocas e mexericos costumam vir
disfarçados de notícia. A preocupação do Congresso e do Supremo, no
entanto, só visa as redes sociais, exatamente o instrumento pelo qual
todos ganharam voz, para reivindicar, desabafar, sugerir, opinar,
criticar. Como se trata de gente, não de anjos, também há ódios,
mentiras, maus conselhos, ofensas. Para esses, a própria comunidade
digital tem os anticorpos: a capacidade de pesquisar e derrubar a
mentira, de responder, de boicotar, de expor o ofensor.
E
as leis também têm os remédios, o Código Penal e até a Lei de Segurança
Nacional. O que querem inventar então?
A quem interessa calar opinião,
restringir a liberdade de expressão, a censura prévia, o direito de
defesa, acusar de crime não previsto na legislação?
Fica no ar o mau
cheiro da fumaça de totalitarismo. Uma caça às bruxas, mais parecendo um
macartismo de sinal invertido.
Que personagens
da ficção esses agentes da censura estariam personificando?
O perigoso
Big Brother, o Irmão mais Velho, de George Orwell, que policiava até
pensamento?
Melhor que seja um risível Mago de Oz, que, atrás do biombo que o protegia, ameaçava com fogo e trovões, mas acabou desmascarado como charlatão pela menina Dorothy.
Melhor que seja um risível Mago de Oz, que, atrás do biombo que o protegia, ameaçava com fogo e trovões, mas acabou desmascarado como charlatão pela menina Dorothy.
Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense