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quinta-feira, 21 de maio de 2020

Não é admissível criar novos tribunais, ainda mais nesta crise – Editorial - O Globo

Antes da pandemia, o custo da Justiça no país já era recorde, com gasto só comparável ao da Suíça

É inoportuna, para se dizer o mínimo, a persistência do lobby político-judicial para criação de mais um Tribunal Regional Federal (TRF), com jurisdição em Minas. Esse projeto tem sido acalentado há pelo menos uma década por expoentes do Judiciário, como é o caso do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio Noronha, que tem se empenhado no aval tácito do presidente Jair Bolsonaro, e de alguns parlamentares no Congresso.

Faz parte de um “pacote” de novos tribunais. Além de Minas, seriam criados TRFs no Amazonas, na Bahia e no Paraná. Cada um representaria despesa de R$ 270 milhões. Juntos, custariam R$ 1 bilhão na implantação. Além disso, seriam necessários gastos na manutenção, 18 desembargadores e novo quadro burocrático. É absolutamente injustificável, sob qualquer aspecto. É chocante para um país à beira de encerrar mais uma década perdida, cuja economia já estava em frangalhos antes mesmo das consequências devastadoras da pandemia do novo coronavírus.

Antes da pandemia, o custo da Justiça no Brasil já era recorde, com nível de gasto que, segundo pesquisas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da American University (EUA), só tinha paralelo na Suíça, cuja população é 25 vezes menor e a renda, cinco vezes maior. A sociedade já pagava muito por um braço da burocracia estatal cuja característica é a lentidão.  O Poder Judiciário consome cerca de 1,3% do Produto Interno Bruto, ou quase 2,7% de tudo que é gasto na União, nos estados e municípios. Na atual crise, convém lembrar que o Estado brasileiro custa mais de 34% de toda a riqueza produzida. E o peso dessa fatura tende a aumentar para os cidadãos, contribuintes ou não, porque o país empobreceu.

Como Brasília, às vezes, parece viver uma realidade paralela, é preciso lembrar que o custo desse empobrecimento está recaindo, pesadamente, sobre aqueles que financiam o orçamento público — hoje, um vetor de concentração da renda nacional. Houve redução salarial significativa (de 25% a 70%) para mais de sete milhões de empregados na indústria e em serviços, sobretudo no comércio. Trabalhadores informais amargam perda total de renda. E o contingente de desempregados, que antes da crise já superava 11 milhões, segue crescente. Não há lógica em iniciativas do gênero. As pressões no Congresso para levar adiante a aprovação de novos tribunais regionais federais só têm coerência na eventual necessidade particular de alguns líderes e partidos, direta ou indiretamente enredados em investigações.


Editorial O Globo