Antes da pandemia, o custo da Justiça no país já era recorde, com gasto só comparável ao da Suíça
É inoportuna, para se dizer o mínimo, a persistência do lobby
político-judicial para criação de mais um Tribunal Regional Federal
(TRF), com jurisdição em Minas. Esse projeto tem sido acalentado há pelo menos uma década por expoentes
do Judiciário, como é o caso do presidente do Superior Tribunal de
Justiça, João Otávio Noronha, que tem se empenhado no aval tácito do
presidente Jair Bolsonaro, e de alguns parlamentares no Congresso.
Faz parte de um “pacote” de novos tribunais. Além de Minas, seriam
criados TRFs no Amazonas, na Bahia e no Paraná. Cada um representaria
despesa de R$ 270 milhões. Juntos, custariam R$ 1 bilhão na implantação.
Além disso, seriam necessários gastos na manutenção, 18 desembargadores
e novo quadro burocrático. É absolutamente injustificável, sob qualquer aspecto. É chocante para um
país à beira de encerrar mais uma década perdida, cuja economia já
estava em frangalhos antes mesmo das consequências devastadoras da
pandemia do novo coronavírus.
Antes da pandemia, o custo da Justiça no Brasil já era recorde, com
nível de gasto que, segundo pesquisas da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul e da American University (EUA), só tinha paralelo na
Suíça, cuja população é 25 vezes menor e a renda, cinco vezes maior. A
sociedade já pagava muito por um braço da burocracia estatal cuja
característica é a lentidão. O Poder Judiciário consome cerca de 1,3% do Produto Interno Bruto, ou
quase 2,7% de tudo que é gasto na União, nos estados e municípios. Na
atual crise, convém lembrar que o Estado brasileiro custa mais de 34% de
toda a riqueza produzida. E o peso dessa fatura tende a aumentar para
os cidadãos, contribuintes ou não, porque o país empobreceu.
Como Brasília, às vezes, parece viver uma realidade paralela, é preciso
lembrar que o custo desse empobrecimento está recaindo, pesadamente,
sobre aqueles que financiam o orçamento público — hoje, um vetor de
concentração da renda nacional. Houve redução salarial significativa (de
25% a 70%) para mais de sete milhões de empregados na indústria e em
serviços, sobretudo no comércio. Trabalhadores informais amargam perda
total de renda. E o contingente de desempregados, que antes da crise já
superava 11 milhões, segue crescente. Não há lógica em iniciativas do gênero. As pressões no Congresso para
levar adiante a aprovação de novos tribunais regionais federais só têm
coerência na eventual necessidade particular de alguns líderes e
partidos, direta ou indiretamente enredados em investigações.
Editorial - O Globo