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terça-feira, 22 de setembro de 2020

Realidade paralela - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo 

Bolsonaro vai ser Bolsonaro hoje na ONU, mas, fora do Brasil, quem acredita no que ele diz? 

Seria exagero de retórica dizer que o mundo inteiro estará de olhos e ouvidos abertos para o discurso do presidente Jair Bolsonaro hoje, na abertura da Assembleia-Geral da ONU, mas não há como contestar que raras vezes o mundo esteve tão atento, perplexo e preocupado com o Brasil, insistentemente chamado de “pária internacional”. Em vez de amenizar, o risco é Bolsonaro aprofundar os temores de governos, sociedades e investidores. 

[A Organização das Nações Unidas tem a obrigação de todo ano conceder  palanque mundial ao Presidente da República Federativa do Brasil e que atualmente é JAIR BOLSONARO e tudo que que constar do seu pronunciamento é a posição oficial do Brasil.
Aquele palanque no período de 2003 a 2015, foi desvalorizado, apequenado,  pelos que representaram o Brasil.
Bolsonaro falará em nome dos mais de 210.000.000 de brasileiros - os quase 60.000.000 de votos recebidos pelo capitão o tornam legítimo e único representante da Nação brasileira.
Os que não gostam, não aceitam, terão  que engolir e se acostumar - não sendo necessário que aceitem.
O que os Macron,  presidente da Noruega, a pirralha e outros do mesmo naipe não importa. Cuidem dos seus países e tenham sempre a lembrança que as florestas que possuíam foram eles que destruíram.]

O tema da ONU neste ano é multilateralismo, mas Bolsonaro deve entrar na contramão, ao lado de seu mentor Donald Trump, com críticas à própria ONU, à Organização Mundial da Saúde (OMS), à Organização Mundial do Comércio (OMC) e ao debate sobre questões de gênero. E, claro, ele não perderia a chance de dizer que o Brasil é “um sucesso” (?!) no combate à pandemia, na recuperação da economia e na preservação do ambiente. 

Ninguém se surpreende mais com as falas de Bolsonaro, o surpreendente é que, quanto mais estrangeiros se chocam, mais brasileiros acreditam e até replicam as barbaridades sobre a covid-19, meio ambiente e uma tal ameaça comunista. O documentário O Dilema das Redes explica muita coisa, mas não como tanta gente com diploma, carreira, livros nas estantes e acesso a múltiplos meios de informação compra o que ele diz – sem ruborizar. 

 A covid-19 já atinge 196 países em todos os continentes, com 31 milhões de casos confirmados (na realidade, são muito mais), e vai atingir um milhão de mortos ainda em setembro, mas eles dizem que não é pandemia, só histeria da mídia. Jura? Se não é pandemia, é o quê? E, no Brasil, já estamos chegando a 140 mil mortos, mas o presidente, sem máscara, sorridente, foi aplaudido por produtores rurais ao dizer que o “Fica em casa” é “conversinha mole para os fracos”. 

Amazônia e Pantanal estão em chamas e o avião do presidente teve de arremeter abruptamente por excesso de fumaça em Mato Grosso. O que ele diz? Que há “alguns focos” de incêndio, mas o Brasil é “um exemplo” de preservação. Em fila, o vice Hamilton Mourão e os ministros batem continência. A verdade, porém, é que está muito quente e seco e o risco de incêndio aumenta muito, mas há sérios indícios de incêndios criminosos e o governo foi displicente, imprevidente. 

O Brasil, os fundos internacionais, oito grandes democracias, ex-ministros da Economia, ex-presidentes do Banco Central, os maiores grupos do agronegócio nacional e, evidentemente, ambientalistas das mais variadas tendências e regiões do mundo cobram ações, mas na realidade delirante do presidente, as críticas têm origem “oculta”, com o objetivo de derrubá-lo – como disse ontem o general Augusto Heleno. 

Por fim, o discurso na ONU, gravado, ocorre em meio a mais um fuzuê na política externa, com a visita do secretário de Estado Mike Pompeo a Roraima, de onde lançou ameaças a Nicolás Maduro. Afora Gleisi Hoffmann e um petista ou outro, ninguém apoia Maduro e o regime da Venezuela, mas daí permitir que um terceiro país use o Brasil para atacar um vizinho? A 46 dias das eleições americanas? E quando os EUA vão presidir o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), após 66 anos? Rodrigo Maia considerou uma “afronta”. Fernando Henrique Cardoso e ex-chanceleres classificaram como “utilização espúria do solo nacional”. [a opinião do deputado Maia e do sociólogo e de outros não seriam sequer contadas;
só está sendo contada, considerada, comentada, por ser contra o presidente Bolsonaro = falar mal do nosso presidente, do presidente do Brasil é esporte predileto dos que nada tem a dizer de útil.] E o ministro Ernesto Araújo, que serviu de escada para Pompeo, reagiu com populismo e o “sofrimento do povo venezuelano”. Não colou. E serviu para acordar Câmara, Senado, diplomatas, academia e a mídia. Assim, o discurso de hoje não é só mais um de presidentes brasileiros abrindo, ano a ano, a Assembleia-Geral da ONU, mas uma boa chance para Bolsonaro expor ao mundo quem ele é. Aliás, será que ele acha que a Terra é plana?

Eliane Cantanhêde, colunista - Folha de S. Paulo

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Não é admissível criar novos tribunais, ainda mais nesta crise – Editorial - O Globo

Antes da pandemia, o custo da Justiça no país já era recorde, com gasto só comparável ao da Suíça

É inoportuna, para se dizer o mínimo, a persistência do lobby político-judicial para criação de mais um Tribunal Regional Federal (TRF), com jurisdição em Minas. Esse projeto tem sido acalentado há pelo menos uma década por expoentes do Judiciário, como é o caso do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio Noronha, que tem se empenhado no aval tácito do presidente Jair Bolsonaro, e de alguns parlamentares no Congresso.

Faz parte de um “pacote” de novos tribunais. Além de Minas, seriam criados TRFs no Amazonas, na Bahia e no Paraná. Cada um representaria despesa de R$ 270 milhões. Juntos, custariam R$ 1 bilhão na implantação. Além disso, seriam necessários gastos na manutenção, 18 desembargadores e novo quadro burocrático. É absolutamente injustificável, sob qualquer aspecto. É chocante para um país à beira de encerrar mais uma década perdida, cuja economia já estava em frangalhos antes mesmo das consequências devastadoras da pandemia do novo coronavírus.

Antes da pandemia, o custo da Justiça no Brasil já era recorde, com nível de gasto que, segundo pesquisas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da American University (EUA), só tinha paralelo na Suíça, cuja população é 25 vezes menor e a renda, cinco vezes maior. A sociedade já pagava muito por um braço da burocracia estatal cuja característica é a lentidão.  O Poder Judiciário consome cerca de 1,3% do Produto Interno Bruto, ou quase 2,7% de tudo que é gasto na União, nos estados e municípios. Na atual crise, convém lembrar que o Estado brasileiro custa mais de 34% de toda a riqueza produzida. E o peso dessa fatura tende a aumentar para os cidadãos, contribuintes ou não, porque o país empobreceu.

Como Brasília, às vezes, parece viver uma realidade paralela, é preciso lembrar que o custo desse empobrecimento está recaindo, pesadamente, sobre aqueles que financiam o orçamento público — hoje, um vetor de concentração da renda nacional. Houve redução salarial significativa (de 25% a 70%) para mais de sete milhões de empregados na indústria e em serviços, sobretudo no comércio. Trabalhadores informais amargam perda total de renda. E o contingente de desempregados, que antes da crise já superava 11 milhões, segue crescente. Não há lógica em iniciativas do gênero. As pressões no Congresso para levar adiante a aprovação de novos tribunais regionais federais só têm coerência na eventual necessidade particular de alguns líderes e partidos, direta ou indiretamente enredados em investigações.


Editorial O Globo