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sábado, 18 de dezembro de 2021

SEGUNDO AS PESQUISAS ELEITORAIS, OS BRASILEIROS VIRARAM ARGENTINOS - Percival Puggina

Os números divulgados por pesquisas eleitorais influenciam a realidade. Saber em que proporção representam a posição dos cidadãos poderia, muito bem, ser uma das 12 penitências de Hércules
Requer esforço sobre-humano do qual me declaro incapaz. 
No entanto, sinto-me habilitado a afirmar que se as pesquisas mais recentes expressarem algo próximo da realidade, temos duas opções :

1ª) a maioria do eleitorado brasileiro é um fenômeno parapsicológico, cuja opinião e cujo querer só pode ser captado por pesquisadores dotados de poderes supranormais; ou

2ª) esses eleitores viraram argentinos (que é a hipótese menos absurda).  

Os brasileiros conservadores já deveriam estar acostumados ao fato de que as pesquisas erram e erram feio. Até quando colhidas em boca de urna. 
Já deveriam saber que muitas delas são a própria campanha eleitoral fora do período eleitoral. Os números anunciados pelas emissoras de TV são o palanque, e os comentários são os comícios nestes meses que antecedem o início das campanhas propriamente ditas. Em alguns casos, como nas análises da Globo em relação às avaliações do governo Bolsonaro, quase se ouve o espocar dos foguetes.  

É absurdo imaginar que essa maioria identificada pelas pesquisas, outrora formada por ruidosos militantes, tenha emudecido, cravado facão no toco, decidido votar em Lula e quer, literalmente, que tudo mais vá para o inferno. Esse notável movimento de massa faz, em silêncio, aquilo que os argentinos fizeram com mais ruído, encaminhando a nação vizinha para acelerada venezuelização.  

O sujeito oculto dessa revolução ou o objeto oculto de sinistra manipulação vestiu terno, colocou gravata, ajeitou o cabelo e isso, em nada contribuiu para dar-lhe um ar de gente séria. Na Europa, Lula tem sido paparicado pela esquerda que vê nele a possibilidade de retomar o poder e restaurar a hegemonia que tão caro custou e continua custando ao Brasil.

A maioria do eleitorado não pode votar em Lula e, ao mesmo tempo, querer liberdade, defender princípios e valores morais, proteger a instituição familiar e a inocência da infância,  desejar o combate à corrupção e o fim da impunidade...

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quinta-feira, 15 de julho de 2021

SEJAMOS REALISTAS! - Percival Puggina

Passa longe da realidade, sem sequer tangenciá-la, a afirmação de que Bolsonaro causou ou agravou a divisão política do país
O atual presidente é resposta às insanidades e estragos causados pela esquerda no período em que, hegemônica, enxertou antagonismos, rupturas e violência na sociedade brasileira. Os 24 anos em que vigeu o falso antagonismo entre o PSDB e o PT foram de dormência e completo abandono do campo político pela direita, capturada na armadilha retórica de duas esquerdas que disputavam o poder entre si.
A hecatombe do petismo favoreceu o despertar das consciências. Princípios e valores comuns à ampla maioria da sociedade estavam sendo submetidos a uma erosão sistemática. Contribuíam para isso todos os setores de influência cultural.  Viu-se com clareza, então, a necessidade de uma restauração que era e persiste muito simples em seus fundamentos.  
Quanto aos fins: liberdade, ordem, progresso, segurança, justiça e paz social.  
Quanto aos princípios: dignidade humana, soberania popular, democracia, amor à pátria, liberdade econômica, pluralismo, direito de defesa, direito à vida, direito à propriedade, valorização da instituição familiar e sua proteção.

Desnecessário dizer quão distantes disso fomos sendo conduzidos, a contragosto, durante tantos anos!

O atual presidente emergiu dessa voragem cultural e política. Contra tudo que era considerado politicamente relevante, sem partido, sem dinheiro, sem tempo de TV, saiu do baixo clero da Câmara dos Deputados para vencer o pleito de 2018.  Mas isso não aconteceu de uma hora para outra. Começou anos antes, quando viu o que ninguém mais viu e agarrou a oportunidade com uma tenacidade que ninguém mais teve. Que bem lembro, foram de três a quatro anos de trabalho, abrindo espaço e reunindo apoio nas redes sociais, para transformar em votos algo que estava na intuição ou na percepção de tantos. 

A vitória sobre forças tão poderosas causou iras cósmicas. 
Para impedi-lo de governar, desabaram sobre ele todas as perversões de nosso absurdo sistema de governo. 
Foi e continua sendo boicotado. Seus próprios limites, testados
Não lhe faltou facada real. Não lhe faltaram punhaladas virtuais.  
Seus defeitos ganharam visibilidade. E também suas virtudes. A história é longa, mas é recente e conhecida.
Estamos a apenas 12 meses da data limite para que os partidos escolham seus candidatos. 
Logo após, começa a propaganda eleitoral. E vejo pessoas falando em “terceira via” para a eleição presidencial! 
Estimadíssimos leitores! 
De que ventre nasceria esse fenômeno politico-eleitoral, nos nove meses de gestação que faltam para a filiação de futuros candidatos? 
Querem um prodígio saído das fraldas, mas pronto e acabado, capaz de atrair 60 milhões de votos?
Esse seria um bom caminho para devolver o país à tragédia representada pelo conhecido arco de alianças que se congregará em torno de Lula. Examine um a um os grupos que querem e agem para a volta de Lula ao poder. 
Até hoje não ouvi de deles qualquer referência a uma terceira via. Essa ideia sonâmbula, estapafúrdia, só tira votos do lado direito e não mexe no estoque da esquerda.

Por fim, como pensar em terceira via quando, sem partidos, sem bancadas, sem organização municipal, sequer esboçamos uma segunda via em nosso país? Quanta falta de realismo!

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


terça-feira, 16 de junho de 2020

Ordens absurdas - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Bolsonaro é contra ‘ordens absurdas’, mas são dele as ordens e declarações mais absurdas

Tem um probleminha a mais na nota em que o presidente Jair Bolsonaro fala em nome das Forças Armadas e avisa que elas não cumprem “ordens absurdas”: é exatamente dele, do presidente da República, que partem as ordens, os projetos, as decisões e as declarações mais absurdas.

[destaque: ordens absurdas são sempre as dadas pelo presidente Bolsonaro = classificação dada pela articulista.
Só que as ordens mais absurdas e que efetivamente influíram e influem no combate ao coronavírus, os faz e desfaz, tem distanciado o achatamento da curva, são emanadas dos presidentes dos estados e municipios.
Só que Bolsonaro não tem competência legal para intervir de forma prática, efetiva e concreta no combate ao coronavírus - decisão do Supremo atribuiu o combate efetivo, a base de todas ações contra o novo coronavírus aos governadores e prefeitos.
Notório que, infelizmente, o número de infectados e de mortos continua crescendo - nada da curva achatar. Desde o final de semana p.p. se constata, felizmente, uma estagnação e redução no número diário de mortes - rogamos a Deus que a redução aumente.] 

Na campanha de 2018, o então deputado do baixo clero já exigia que a realidade e as pesquisas se adaptassem às suas vontades. Se não confirmavam o que ele achava que tinha de ser, acusava os institutos de fraude e só parou de brigar com eles quando a realidade e a sua vontade convergiram e sua candidatura disparou. Na eleição, Bolsonaro e seu entorno disseram, ameaçadoramente, que só havia uma alternativa: a vitória ou a vitória. Só respeitariam o resultado se ele ganhasse; se perdesse, seria roubo. Um ano depois, já presidente, Bolsonaro fez algo nunca visto no mundo: acusou de fraude a eleição que ele próprio venceu. Acusou, mas não comprovou.

No governo, Bolsonaro manteve a toada. O desmatamento não é o que ele quer? Demite o presidente do Inpe. O desemprego não é conveniente? Cacetada no IBGE. Uma extensa pesquisa mostra que não há uma “epidemia de drogas” no País? Manda a Fiocruz engavetar. Atenção! Estamos falando de Inpe, IBGE e Fiocruz, orgulhos nacionais. 
A “ordem absurda” de Bolsonaro que mais teve consequências foi a demissão do diretor-geral da PF, para ele bisbilhotar diretamente as investigações contra filhos, amigos e aliados. Foi por dizer “basta!” e não acatar essa ordem que o ex-juiz Sérgio Moro saiu do governo e deixou uma investigação do Supremo contra Bolsonaro.


Dúvida: se as FA não cumprem “ordens absurdas”, o que dizer do general da ativa Eduardo Pazuello diante dos achismos do presidente na Saúde? O isolamento social salva vidas, mas não se fala nisso. A cloroquina foi descartada para a covid-19 até pela FDA dos EUA, mas no Brasil pode-se usar à vontade – inclusive os dois milhões de doses imprestáveis para americanos. Só faltava o presidente dar uma ordem absurda – e criminosa – para invadirem hospitais de campanha e mostrar que, ao contrário do que dizem a realidade e os governadores, estão vazios. Não falta mais!

E que tal mudar a metodologia, e até o horário, de divulgação dos dados da pandemia (agora quase 45 mil mortos e um milhão de contaminados)? O presidente acha mais de mil mortos em 24 horas muito ruim para ele e a reeleição. Então, melhorem-se os números. O Brasil chocou o mundo, mas STF, Congresso, mídia e a comunidade médica e científica não engoliram o que Pazuello engoliu a seco. E o governo recuou.

Outra “ordem absurda”: para Abraham Weintraub passar por cima da Constituição e da autonomia universitária e nomear 25% dos reitores federais durante a pandemia. Ou seja: passar uma boiada, fazer caça às bruxas e acabar a “balbúrdia” nas universidades. Mas também não funcionou. As instituições gritaram, o Senado disse não e Bolsonaro revogou a MP relâmpago.

Na sequência, o governo divulgou o balanço da violência em 2019 e excluiu, ora, ora, os dados referentes à polícia, que crescem ano a ano. A alegação foi “inconsistência”, o que, ok, pode acontecer, mas o passado condena. O governo esconde números incômodos e os policiais são da base eleitoral e alvo de cooptação por Bolsonaro. Depois de desmatamento, desemprego, covid-19, emprego... foi só um erro técnico?

Bolsonaro está em meio agora a “ordens absurdas” com efeito bumerangue: foi ele quem nomeou Weintraub, que não trouxe nenhuma solução, só problemas. E foi ele quem deu a ordem para as FA não seguirem “ordens absurdas” e “julgamentos políticos” de outro Poder, o que remete ao imperial: “A Constituição sou eu”. Há controvérsias. E resistência.

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 21 de maio de 2020

Não é admissível criar novos tribunais, ainda mais nesta crise – Editorial - O Globo

Antes da pandemia, o custo da Justiça no país já era recorde, com gasto só comparável ao da Suíça

É inoportuna, para se dizer o mínimo, a persistência do lobby político-judicial para criação de mais um Tribunal Regional Federal (TRF), com jurisdição em Minas. Esse projeto tem sido acalentado há pelo menos uma década por expoentes do Judiciário, como é o caso do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio Noronha, que tem se empenhado no aval tácito do presidente Jair Bolsonaro, e de alguns parlamentares no Congresso.

Faz parte de um “pacote” de novos tribunais. Além de Minas, seriam criados TRFs no Amazonas, na Bahia e no Paraná. Cada um representaria despesa de R$ 270 milhões. Juntos, custariam R$ 1 bilhão na implantação. Além disso, seriam necessários gastos na manutenção, 18 desembargadores e novo quadro burocrático. É absolutamente injustificável, sob qualquer aspecto. É chocante para um país à beira de encerrar mais uma década perdida, cuja economia já estava em frangalhos antes mesmo das consequências devastadoras da pandemia do novo coronavírus.

Antes da pandemia, o custo da Justiça no Brasil já era recorde, com nível de gasto que, segundo pesquisas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da American University (EUA), só tinha paralelo na Suíça, cuja população é 25 vezes menor e a renda, cinco vezes maior. A sociedade já pagava muito por um braço da burocracia estatal cuja característica é a lentidão.  O Poder Judiciário consome cerca de 1,3% do Produto Interno Bruto, ou quase 2,7% de tudo que é gasto na União, nos estados e municípios. Na atual crise, convém lembrar que o Estado brasileiro custa mais de 34% de toda a riqueza produzida. E o peso dessa fatura tende a aumentar para os cidadãos, contribuintes ou não, porque o país empobreceu.

Como Brasília, às vezes, parece viver uma realidade paralela, é preciso lembrar que o custo desse empobrecimento está recaindo, pesadamente, sobre aqueles que financiam o orçamento público — hoje, um vetor de concentração da renda nacional. Houve redução salarial significativa (de 25% a 70%) para mais de sete milhões de empregados na indústria e em serviços, sobretudo no comércio. Trabalhadores informais amargam perda total de renda. E o contingente de desempregados, que antes da crise já superava 11 milhões, segue crescente. Não há lógica em iniciativas do gênero. As pressões no Congresso para levar adiante a aprovação de novos tribunais regionais federais só têm coerência na eventual necessidade particular de alguns líderes e partidos, direta ou indiretamente enredados em investigações.


Editorial O Globo


quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Alheamento da realidade



Se quiser fazer um bom governo, Jair Bolsonaro deve estudar melhor temas importantes com os quais terá de lidar, como a reforma da Previdência

Um presidente da República deve ser capaz de nortear seus auxiliares na administração do Estado em seus diversos aspectos, e por esse motivo deve ser capaz de transmitir com a maior clareza possível a todos os seus comandados as diretrizes que julga adequadas para seu governo. Em outras palavras, não pode desorientar ministros e demais funcionários com ordens e declarações contraditórias ou, pior, baseadas em dados falsos ou fantasiosos, pois tal situação pode produzir decisões administrativas e políticas públicas equivocadas para o País. 

Assim, preocupa que o próximo presidente, o sr. Jair Bolsonaro, seja de viva voz, seja por meio daqueles que são tidos como seus principais porta-vozes, manifeste entendimento bastante precário sobre alguns dos problemas mais importantes para o País, sinalizando a seus futuros comandados – e à opinião pública em geral – pensamentos que denotam um perigoso grau de alheamento da realidade. [Bolsonaro quando ainda candidato sempre deixou bem claro desconhecer alguns aspectos das inúmeras atribuições de um presidente da República - o que aliás não constitui nenhuma novidade, nenhum presidente, ainda que o maior estadista, consegue ter conhecimento de todos os assuntos atinente ao seu cargo.]
Quando vem a público para dizer que a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo atual governo não é “justa” porque “não podemos querer salvar o Brasil matando o idoso”, Bolsonaro demonstra não conhecer nem a proposta a que se referiu nem o estado calamitoso do sistema previdenciário. Pois o fato é que a emenda constitucional apresentada pelo governo de Michel Temer foi substancialmente desidratada em sua tramitação no Congresso, em razão da crescente oposição a seu teor. Se fosse votada hoje, serviria apenas como ponto de partida para uma revisão mais abrangente que necessariamente teria de ser feita nos próximos dois anos. 

“Nossa reforma, vocês sabem, é de uma suavidade extraordinária”, reagiu Temer quando soube da declaração de seu sucessor. “O que percebo, com toda a franqueza, é que ninguém leu a reforma”, disse Temer, tocando no ponto que de fato importa: Bolsonaro deu uma opinião sobre algo que parece não conhecer na profundidade necessária para quem será presidente da República. Por isso, ao expressar seu ponto de vista, Bolsonaro teve de recorrer a um clichê típico de campanha eleitoral, dizendo que a reforma encaminhada por Temer, se aprovada, acabaria “matando idosos” – o que não é verdade.  Infelizmente, contudo, seus principais assessores parecem já contaminados por essa retórica simplista. Onyx Lorenzoni, o futuro ministro da Casa Civil, disse que a reforma da Previdência não será feita de “afogadilho” e que Bolsonaro pediu “prudência” sobre o assunto. Questionado então sobre que tipo de reforma Bolsonaro pretende implantar e sobre quando o governo planeja levar essa proposta à votação, Onyx respondeu dizendo que “a gente não fala de modelo específico, não fala de prazo, porque tem que ser uma coisa bem construída”, e arrematou: “Temos quatro anos para garantir o futuro dos nossos filhos e netos”. 

Essas declarações sugerem espantosa alienação sobre aquele que é hoje o principal problema das contas públicas. Dizer que o próximo governo tem “quatro anos” para cuidar da Previdência significa ignorar que, sem uma reforma imediata, não será possível ao governo obter a economia necessária para ao menos pagar os juros da dívida. O resultado é a explosão do endividamento, com o consequente risco do colapso da máquina pública.
Esse comportamento é condizente com um governo cujo presidente e alguns de seus mais próximos conselheiros realmente acreditam que o Brasil está deixando de ser “extremamente socialista”, como escreveu o deputado Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, embora se saiba que o Brasil nunca foi socialista. 

Também é condizente com um presidente que ameaça retirar o Brasil do Acordo de Paris, pacto global para conter as mudanças climáticas, porque ouviu falar que esse acordo é apenas um pretexto para tirar a soberania do Brasil sobre a Amazônia, numa grande conspiração internacional.
Se quiser fazer um bom governo, e não há razão para acreditar que não queira, Bolsonaro deve começar a estudar melhor os temas mais importantes com os quais terá de lidar, deixando de lado as teorias da conspiração e aceitando a realidade tal como ela é.

Opinião - O Estado de S. Paulo 


quarta-feira, 27 de junho de 2018

A realidade e o marketing

Lula enfrenta Palocci e Valério, PSDB foge da festa e Bolsonaro só se diverte


As sucessivas derrotas para obter ao menos prisão domiciliar são apenas uma parte das agruras do ex-presidente Lula. E a menor delas. Com a decisão do Supremo de liberar a Polícia Federal para acordos de delação premiada – uma prerrogativa até então do Ministério Público –, dois outros fantasmas rondam a cela de Curitiba: Antonio Palocci e Marcos Valério. Eles sabem das coisas. E estão abrindo a boca.

Palocci é Palocci, o homem forte do início do governo Lula, o homem forte do início do governo Dilma Rousseff, a ponte entre o PT e o mundo financeiro e apontado por Marcelo Odebrecht como gerenciador pessoal das contas secretas de Lula na empreiteira. Imagine-se o que o ex-ministro pode contar para amenizar sua pena…  Quanto a Marcos Valério: ele acaba de emergir das profundezas do mensalão do PT como um fantasma ferido, traumatizado, inconformado por não passar de um operador, mas ter sido condenado à mais dura de todas as penas na estreia do PT no inferno dos escândalos de corrupção. Uma pena que, segundo o próprio Valério, corresponde a prisão perpétua.

Em entrevista à revista eletrônica Crusoé, Valério repetiu a mesma tática de Palocci num depoimento ao juiz Sérgio Moro: não passou informações objetivas, mas mandou recados graves a quem interessar possa. Um desses recados, o mais contundente, é de que ele está “amargamente arrependido” de não ter contado tudo o que sabia sobre o envolvimento de Lula, então presidente, no mensalão.  Tanto Palocci quanto Valério focam em Lula por um ótimo motivo – do ponto de vista deles, claro. Como a situação de ambos na justiça é gravíssima, têm de jogar um anzol de bom tamanho, e com isca apetitosa, para fisgar o peixe mais graúdo da Lava Jato e de seus desdobramentos conexos para terem alguma chance de ganhar as graças da PF e reduzir suas penas.

O prêmio é (ou deveria ser) equivalente à importância da delação. Se apenas choverem no molhado, contando o que Moro, o MP e a própria PF já sabem, mirando em bagrinhos e sardinhas, nada feito. A delação não encanta, o prêmio murcha.  É espantoso que Lula, condenado em segunda instância e preso, seja convocado como comentarista da Copa do Mundo e ganhe um espaço privilegiado como palanque de uma candidatura à Presidência que não passa de miragem. É um meio descarado de campanha eleitoral, pois não?

Lula, porém, já está pagando sua pena, continua sob pressão do sítio de Atibaia, do Instituto Lula, dos caças da FAB, da operação Zelotes e agora enfrenta as ameaças de Palocci e Valério. Logo, o PT anda em maus lençóis, com um candidato que nem pode ser candidato nem permite alternativas. Mas o que dizer do PSDB, contraponto direto ao PT durante décadas? Triste? Constrangedora? Lamentável? Difícil escolher um adjetivo para definir a decisão do partido de comemorar hoje seus 30 anos não apenas sem festa, mas às escondidas. Ano eleitoral é hora de se expor, de aparecer, de disputar espaço e mídia. Mas os tucanos abdicaram do auditório Nereu Ramos, na Câmara, onde a sigla foi lançada em meio à Constituinte de 1988 e com a promessa de “ser diferente”. E vão se trancar num hotel de Brasília.

A conclusão imediata é de que o PSDB está acuado, tem medo de a festa se transformar em pesadelo e de as perguntas ficarem em cima das agruras de Aécio Neves na Justiça, da prisão de Eduardo Azeredo, das denúncias contra o ex-secretário de Alckmin em São Paulo.  Enquanto PT e PSDB sofrem, Bolsonaro se diverte. Seu vídeo no barbeiro, com as ideias rasas de sempre, sacode as redes sociais. Irrita os letrados, mas é um inegável sucesso de marketing político moderno.

Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo
 

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Vocês preferem que se torne realidade a alternativa A ou a B? Congresso parado = A

a) Incerteza já afeta projeções no Focus

As estimativas começam a reagir às incertezas. As projeções para a economia pioraram no relatório Focus. A mediana para a inflação deste ano subiu para 3,95%, ou 0,03 ponto pior que na pesquisa anterior. Para o PIB, a previsão caiu a 0,49%. A crise política mudou a tendência. A publicação da semana anterior ainda não refletia os efeitos da delação da JBS e de seus executivos. A expectativa para os juros ficou estável em 8,5% para o final deste ano e do próximo; nesta semana o Copom se reúne para decidir sobre a taxa, atualmente em 11,25%.  

A previsão do IPCA deste ano vinha caindo há 11 semanas. A mediana para 2018 também piorou e agora marca 4,4%. Para o PIB do ano que vem, a estimativa encolheu um pouco, para 2,48%. No caso dos juros, perdeu força a perspectiva de que o BC iria acelerar o ritmo de cortes. 

A piora nas revisões deve se acentuar. Com a demora no desfecho da crise política, a votação das reformas atrasa e atrapalha a frágil recuperação da economia. 

) É forte a possibilidade de o IPCA registrar deflação em junho

Há uma chance grande de a taxa mensal do IPCA ficar negativa em junho, conta o professor Luiz Roberto Cunha. A redução no preço da gasolina nas refinarias deve chegar aos postos no início do mês. A Aneel também anunciou que em junho a bandeira tarifária será verde, ou seja, a conta ficará menor após três meses de cobranças extras. A última vez que o IPCA registrou deflação foi em junho de 2006.

Para maio, o professor projeta a taxa em torno de 0,45%, o que levaria a inflação em um ano para algo próximo a 3,75%.  

Fonte: Coluna da Míriam Leitão - O Globo

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A realidade supera a teoria

Não é o primeiro nem será o último ministro a ser nomeado para o STF pelo presidente a que serve 

A escolha do ministro da Justiça Alexandre de Moraes obedece aos critérios técnicos requeridos de um ministro do Supremo Tribunal Federal – é um constitucionalista reconhecidamente de valor, não é por acaso que tem o apoio de muitos de seus futuros colegas no STF. Foi o primeiro nome cogitado, e sempre esteve na lista pessoal de Temer. Como houve um impasse, tantos eram os nomes apresentados, e tamanhas as pressões, o presidente escolheu um nome seu.

As críticas que vem recebendo são da área política, onde sua atuação como Secretário de Justiça em São Paulo e ministro da Justiça é atacada como conservadora e excessivamente rigorosa. Suas ambições políticas era potencial candidato ao governo de São Paulo pelo PSDB – teoricamente neutralizam a isenção que se exige de um ministro do Supremo, mas não é o primeiro nem será o último ministro a ser nomeado para o STF pelo presidente a que serve.

Temos exemplos para todos os gostos: Nelson Jobim e Gilmar Mendes, ministros nomeados por Fernando Henrique; Dias Toffolli, nomeado por Lula; Francisco Rezek por Collor e Mauricio Correia por Itamar.


Desses, Nelson Jobim era o único que exercia a política, até com mandatos de deputado federal e membro da Constituinte, e acabou se destacando justamente por sua experiência nesse campo. Ficou muito ligado também ao ex-presidente Lula, e sua atuação no Supremo, até aposentar-se, não foi afetada por ligações políticas.

A realidade mais uma vez se impôs à teoria, deixando para Alexandre de Moraes a necessidade de uma explicação. Na sua dissertação de doutorado, em 2000, escreveu que um ministro não deveria ser nomeado pelo governo a que servia para que não houvesse dúvida sobre sua independência. Aceitando a indicação, Alexandre de Moraes desmente parcialmente a própria tese. No exercício da função no Supremo, terá tempo para provar que uma vez investido no cargo, a toga traz consigo a independência. [ou a subserviência à necessidade de ser grato; as fartas demonstrações de gratidão emanadas  de um ministro do Supremo, à falecida esposa do Lula,  por sua indicação, é um exemplo ainda não esquecido.]

Fonte: Merval Pereira