Vozes - Carlos Alberto Di Franco
Ativismo judicial - Judiciário
O TSE aprovou resolução sugerida por Alexandre de Moraes e que dá à corte o poder de polícia para remover da internet, sem provocação, conteúdo que já tenha sido considerado pela maioria dos ministros como “sabidamente inverídico” ou “gravemente descontextualizado”.
Escrevi esta coluna antes do resultado das eleições de ontem. Mas em qualquer cenário, seja quem for o escolhido, tenho a convicção de que se impõe uma profunda revisão do papel do Supremo Tribunal Federal (STF). Na feliz expressão do vice-presidente e senador eleito pelo Rio Grande do Sul Hamilton Mourão, o Senado Federal tem de “dar um freio” nos abusos do TSE e do ministro Alexandre de Moraes. [falando em abusos do TSE e do ministro Moraes, estamos com uma dúvida, talvez resultante da nossa notória ignorância jurídica. Vamos a dúvida: o TSE é a repartição pública responsável pela administração das eleições, o que torna aceitável que em período eleitoral até intervenha em áreas que lhe são estranhas - tipo policiamento de rodovias. Mas, uma vez transcorrida as eleições, encerrada a apuração,qual a justificativa para o ministro Moraes pretender intervir na PRF, chegando ao ponto de ameaçar prender o diretor da Policia Rodoviária Federal. Ao nosso entendimento, a interferência do ministro na PRF é tão sem sentido quanto o ministro da Saúde pretender controlar o trânsito em uma ferrovia.]
Mourão verbalizou uma forte percepção da sociedade: a urgente necessidade de combater a insegurança jurídica e o sucessivo desrespeito às normas constitucionais que nascem das canetadas irresponsáveis e autoritárias daqueles que têm o dever de zelar pelo cumprimento da lei. As eleições passam, as paixões esfriam, as candidaturas e os mandados também se esvaem. Todavia, há coisas que permanecem, e muitas vezes causam danos de difícil reparação para a vida de um país.
Uma delas é a destruição da ordem jurídica, que no Brasil de hoje é visível a olho nu e, reitero, está sendo causada pela conduta de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, que é – ou deveria ser – o principal responsável pela garantia do cumprimento e da estabilidade do ordenamento jurídico.
O problema, no entanto, não é de agora. Vem de longe. Em agosto de 2020, em uma palestra promovida pelo Observatório de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o ministro Dias Toffoli, então presidente do Supremo, definiu os membros da Corte como “editores de um país inteiro”, em analogia entre o trabalho de um magistrado e o do editor de um órgão de imprensa. “Nós, enquanto corte, somos editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro”. Declaração explícita de autoritarismo. Germe de um autêntico AI-5 do Judiciário. [o ministro Dias Toffoli, ao que pensamos, tem uma certa dificuldade em sincronizar o poder que tem com o que pensa ter - afinal foi ele quem criou o 'inquérito do fim do mundo', o Poder Moderador que de imediato atribuiu ao Supremo e outras proezas do tipo.]
De lá para cá, em velocidade acelerada, a situação só piorou. É o que se viu com a instauração do assim denominado “inquérito das fake news” (posteriormente, de forma jocosa, chamado por Marco Aurélio Mello – ele mesmo ex-ministro do STF e recentemente censurado pelo TSE – de “inquérito do fim do mundo”). Esse inquérito foi instaurado em 2019 pelo então presidente da corte, o ministro Dias Toffoli. Depois da instauração, sem que se fizesse nenhum sorteio do ministro responsável pela condução do inquérito, ela foi atribuída ao ministro Alexandre de Moraes.
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O que motivou a instauração desse inquérito foi a publicação de uma matéria da revista Crusoé que trazia uma referência ao ministro Dias Toffoli durante apuração feita na Operação Lava Jato. Esse inquérito – que ainda tramita até hoje, já decorridos mais de três anos – tem permitido a tomada de uma série de medidas flagrantemente ilegais e inconstitucionais, contra pessoas que nem mesmo são julgadas no STF – o que, por si só, torna abusivas as medidas determinadas por seus ministros.
Tem razão o senador Hamilton Mourão. O Senado Federal precisa, com serenidade, firmeza e sem casuísmos, passar a limpo o Supremo Tribunal Federal. A crise de credibilidade do Judiciário é acelerada e preocupante. Seu desprestígio precisa ser revertido. O Supremo é essencial para a democracia.
Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
Carlos Alberto Di Franco, colunista - Gazeta do Povo - VOZES