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segunda-feira, 31 de outubro de 2022

O futuro do Supremo - Gazeta do Povo

Vozes - Carlos Alberto Di Franco

Ativismo judicial - Judiciário

O TSE aprovou resolução sugerida por Alexandre de Moraes e que dá à corte o poder de polícia para remover da internet, sem provocação, conteúdo que já tenha sido considerado pela maioria dos ministros como “sabidamente inverídico” ou “gravemente descontextualizado”.

Escrevi esta coluna antes do resultado das eleições de ontem. Mas em qualquer cenário, seja quem for o escolhido, tenho a convicção de que se impõe uma profunda revisão do papel do Supremo Tribunal Federal (STF). Na feliz expressão do vice-presidente e senador eleito pelo Rio Grande do Sul Hamilton Mourão, o Senado Federal tem de “dar um freio” nos abusos do TSE e do ministro Alexandre de Moraes. [falando em abusos do TSE e do ministro Moraes, estamos com uma dúvida, talvez resultante da nossa notória ignorância jurídica. Vamos a dúvida: o TSE é a repartição pública responsável pela administração das eleições, o que torna aceitável que em período eleitoral até intervenha em áreas que lhe são estranhas - tipo policiamento de rodovias. Mas, uma vez transcorrida as eleições, encerrada a apuração,qual a justificativa para o ministro Moraes pretender intervir na PRF, chegando ao ponto de ameaçar prender o diretor da Policia Rodoviária Federal. Ao nosso entendimento, a interferência do ministro na PRF é tão sem sentido quanto o ministro da Saúde pretender controlar o trânsito em uma ferrovia.]

Mourão verbalizou uma forte percepção da sociedade: a urgente necessidade de combater a insegurança jurídica e o sucessivo desrespeito às normas constitucionais que nascem das canetadas irresponsáveis e autoritárias daqueles que têm o dever de zelar pelo cumprimento da lei. As eleições passam, as paixões esfriam, as candidaturas e os mandados também se esvaem. Todavia, há coisas que permanecem, e muitas vezes causam danos de difícil reparação para a vida de um país.

Uma delas é a destruição da ordem jurídica, que no Brasil de hoje é visível a olho nu e, reitero, está sendo causada pela conduta de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, que é ou deveria ser – o principal responsável pela garantia do cumprimento e da estabilidade do ordenamento jurídico.

O problema, no entanto, não é de agora. Vem de longe. Em agosto de 2020, em uma palestra promovida pelo Observatório de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o ministro Dias Toffoli, então presidente do Supremo, definiu os membros da Corte como “editores de um país inteiro”, em analogia entre o trabalho de um magistrado e o do editor de um órgão de imprensa. “Nós, enquanto corte, somos editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro”. Declaração explícita de autoritarismo. Germe de um autêntico AI-5 do Judiciário. [o ministro Dias Toffoli, ao que pensamos, tem uma certa dificuldade em sincronizar o poder que tem com o que pensa ter - afinal foi ele quem criou o 'inquérito do fim do mundo', o Poder Moderador que de imediato atribuiu ao Supremo e outras proezas do tipo.]

De lá para cá, em velocidade acelerada, a situação só piorou. É o que se viu com a instauração do assim denominado “inquérito das fake news” (posteriormente, de forma jocosa, chamado por Marco Aurélio Mello – ele mesmo ex-ministro do STF e recentemente censurado pelo TSE – de “inquérito do fim do mundo”). Esse inquérito foi instaurado em 2019 pelo então presidente da corte, o ministro Dias Toffoli. Depois da instauração, sem que se fizesse nenhum sorteio do ministro responsável pela condução do inquérito, ela foi atribuída ao ministro Alexandre de Moraes.
Veja Também:


    STF – abuso e insegurança jurídica
    STF – censura e autocensura
    Judiciário – arbítrio, ilegalidade e confisco

O que motivou a instauração desse inquérito foi a publicação de uma matéria da revista Crusoé que trazia uma referência ao ministro Dias Toffoli durante apuração feita na Operação Lava Jato. Esse inquérito – que ainda tramita até hoje, já decorridos mais de três anos tem permitido a tomada de uma série de medidas flagrantemente ilegais e inconstitucionais, contra pessoas que nem mesmo são julgadas no STF – o que, por si só, torna abusivas as medidas determinadas por seus ministros.

Acrescente-se que não pode haver a acumulação das posições de vítima, investigador, acusador e julgador que profere a decisão final. Tal poder, inconstitucional e autoritário, tem ocorrido com uma frequência assustadora
Em um crescente contorcionismo da interpretação elástica do artigo 43 do Regimento Interno do STF, tudo é trazido para o arbitrário inquérito: blogueiros, jornalistas, partidos políticos, “empresários bolsonaristas” etc. A liberdade de expressão, garantia maior da Constituição, foi para o ralo do autoritarismo judicial.
 
Mas o salto olímpico de desrespeito à Constituição e de agressão à liberdade de expressão se deu com a ascensão do ministro Alexandre de Moraes à presidência do TSE. 
O que se viu foi uma escalada de medidas explícitas de censura. 
Uma mentalidade repressiva que não conduz a bom porto.  
A Gazeta do Povo, centenário e respeitado jornal do Paraná, teve conteúdo censurado. A Joven Pan, tradicional empresa de comunicação de São Paulo, afirmou no dia 19, em editorial, que estava sob censura do Tribunal Superior Eleitoral, proibida de citar fatos que envolviam a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
 
Quem ainda nutria algum tipo de dúvida sobre o descarado ânimo censor que move o TSE e de sua tesoura seletiva passou a ter apenas certezas ao ler a decisão de Benedito Gonçalves, atendendo parcialmente a pedido da coligação do ex-presidente Lula. O integrante do TSE entrou em um dos poucos territórios ainda por desbravar no campo da destruição da liberdade de expressão: o da censura prévia
A vítima foi a produtora de conteúdo Brasil Paralelo e seu documentário Quem mandou matar Jair Bolsonaro? 
Até então, todas as decisões de censura oriundas da corte eleitoral visavam conteúdos que já haviam sido publicados. 
A censura prévia, flagrantemente inconstitucional, ressuscita os tempos sombrios da ditadura militar.

Tem razão o senador Hamilton Mourão. O Senado Federal precisa, com serenidade, firmeza e sem casuísmos, passar a limpo o Supremo Tribunal Federal. A crise de credibilidade do Judiciário é acelerada e preocupante. Seu desprestígio precisa ser revertido. O Supremo é essencial para a democracia.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos

Carlos Alberto Di Franco, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O futuro do Supremo - O Estado de S. Paulo



Por Luiza Oliver 

O Estado de Direito sentirá falta de ministros terrivelmente corajosos e garantistas

Quando o general Villas Bôas, em abril de 2018, ameaçou uma intervenção do Exército caso o Supremo Tribunal Federal (STF) concedesse determinado habeas corpus, o ministro Celso de Mello repudiou veementemente as falas, qualificando-as de “claramente infringentes do princípio da separação de Poderes” e alertando: “Parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional”. [o general Villas Bôas não ameaçou ninguém, apenas lembrou,  aos que estavam propensos a privilegiar um garantismo sem sentido,  a vontade do povo brasileiro;
Felizmente seu lembrete foi ouvido pelos próprios pares do decano do STF, que limitou a resmungar sobre uma suposta, e improvável, falta de receptividade ao oportuno recado do então Comandante em Chefe do Exército Brasileiro.]
Também quando Eduardo Bolsonaro ameaçou fechar o Supremo, o decano da Corte veio a público para dizer que “essa declaração, além de inconsequente e golpista, (...) só comprometerá a integridade da ordem democrática e o respeito indeclinável que se deve ter pela supremacia da Constituição da República”. Já quando o mesmo Eduardo Bolsonaro ameaçou com a edição de um “novo AI-5”, o ministro Marco Aurélio Mello alertou para os “tempos mais do que estranhos quando há essa tentativa de esgarçamento da democracia. Ventos que querem levar os ares democráticos”. [todas as manifestações acima destacadas das supremas excelência apenas seguem o lugar comum de: tudo que é dito pelo presidente Bolsonaro, por seus filhos e por ministros do atual Governo sempre procura acusar a manifestação de ilegal, de golpista, etc, etc.]
Mais recentemente, quando o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, tuitou um vídeo comparando o STF a uma hiena, o ministro Celso de Mello, em carta pública, lembrou que “nem mesmo o presidente da República está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”, por não ser “um monarca presidencial (...) com poderes absolutos e ilimitados”.  Ambos os ministros se aposentam nos próximos anos. A saída de juízes de tamanha envergadura, coragem e técnica seria lamentosa em qualquer cenário. Mas no contexto atual é alarmante. 

Caminhamos a passos largos para o negligenciar de garantias básicas pelo Poder Judiciário. Princípios consagrados há décadas vêm, repetida e crescentemente, sendo desrespeitados e flexibilizados em prol de um discurso punitivista midiático. A Operação Lava Jato, em que pesem os inegáveis avanços que possibilitou, abriu as portas para toda sorte de abusos. Criou-se uma “casta” de promotores, procuradores e juízes que, travestindo-se da figura de heróis, vão na contramão do que o ministro Marco Aurélio lembra há tempos: no processo penal os fins jamais justificam os meios.[uma 'casta' de promotores, procuradores, juízes, ministros, até que é aceitável e podemos dizer que seria bons frutos da Operação Lava Jato;
o que entristece, é ver que o Supremo criou também uma 'casta', a dos criminosos intocáveis, que mesmo condenados até em 3ª instância continuam em liberdade.]

Garantir que a lei seja cumprida e que os direitos individuais sejam respeitados virou ofensa, pecha de mau juiz ou de conivente com a corrupção. O Judiciário teme a opinião pública e tem se tornado refém dela. Ao longo dessa perigosa escalada de autoritarismo, o Supremo tem tido o papel fundamental de frear os excessos do Estado. Os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello são expoentes desse movimento e vozes firmes na manutenção do Estado de Direito. Ainda em 2013, no rumoroso caso do mensalão, o decano da Corte declarava: “Em 45 anos de atuação na área jurídica, como membro do Ministério Público e juiz do STF, nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação social buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a consciência de um juiz”. 

De lá pra cá a coisa só piorou. O Supremo tem enfrentado a fúria punitivista das ruas, é alvo de protestos e de passeatas que, sob o slogan “vem para a rua salvar a Lava Jato”, bradam contra a Corte, contra os ministros que julgam de maneira diversa de parte da opinião pública, ainda que na estrita aplicação da lei e da Constituição. [será que os integrantes dos protestos e passeatas não são apenas pessoas de bem, brasileiros, trabalhadores, contribuintes e que estão apenas cansados de tanta impunidade, de ver que os criminosos endinheirados sempre se dão bem?
será que eles não são apenas brasileiros que se sentem a vítima do 'discurso das nulidades', de Rui Barbosa?]
De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus... Frase de Rui Barbosa.

O STF e seus membros se tornaram, assim, alguns dos principais alvos do “ódio cego e visceral”, da “irracionalidade do comportamento humano e do fundamentalismo político”, como ressaltou Celso de Mello ao responder a manifestação de uma advogada que, por discordar de uma decisão do pleno do Supremo, pedia: “Estuprem e matem as filhas dos ordinários ministros do STF”. Parte da população busca, no grito e pela via do Judiciário, alterar leis democraticamente votadas por representantes do povo inteiro. Num cenário fervente como esse, mais do que nunca é necessário ter o que o ministro Gilmar Mendes qualificou como a mais importante característica de um magistrado: coragem. Conforme lembrou quando ainda exercia a presidência da Corte (2008), a “jurisdição constitucional é um modelo antimajoritário. Quem quiser exercer essa função tem que ter coragem de arrostar aquilo que se chama de opinião pública em um dado momento”. 

Foram muitos os exemplos de coragem dados por ambos os ministros ao longo de toda a sua judicatura, mais especialmente nos rumorosos feitos julgados nos últimos anos pela Suprema Corte, sob o escrutínio fervoroso da mídia e da opinião pública, que, ao vivo e em cores, acompanham os julgamentos pela TV Justiça. Basta lembrar seus votos nos casos relativos às conduções coercitivas, à competência da Justiça Eleitoral, à prisão em segundo grau, ao sigilo dos dados do Coaf e à necessidade de respeitar a ordem das alegações finais. Em que pese a enorme pressão popular por decisões contrárias ao texto da lei e da Constituição, os votos de ambos pautaram-se pela tecnicidade e pela serenidade. Tiveram a coragem de julgar de acordo com a lei. Coisa rara atualmente. 

Como disse o ministro Celso de Mello em seu voto proferido no julgamento relacionado às prisões em segunda instância, o STF constitui, “por excelência, um espaço de proteção e defesa das liberdades fundamentais” e seus julgamentos, “para que sejam imparciais, isentos e independentes, não podem expor-se a pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e da pressão das multidões, sob pena de completa subversão do regime constitucional dos direitos e garantias individuais e de aniquilação de inestimáveis prerrogativas essenciais que a ordem jurídica assegura a qualquer réu mediante instauração, em juízo, do devido processo penal”. A importância institucional de ambos os ministros vai muito além dos votos que proferem. O Estado de Direito sentirá falta de ministros terrivelmente corajosos e garantistas. 

Luiza Oliver, advogada criminalista - O Estado de S. Paulo