As
exportações de armas brasileiras para a Arábia Saudita cresceram cerca
de 235 vezes nos últimos cinco anos – de US$ 462 mil a US$ 109,6 milhões . Nos últimos dois anos, desde
2013, as vendas aumentaram em sete vezes. De acordo com dados do
Ministério do Desenvolvimento, 2015 foi um ano de destaque: as compras da Arábia Saudita entre janeiro e outubro
tornaram o país o segundo principal destino das armas leves brasileiras – suplantado
apenas pelos Estados Unidos, historicamente nosso maior comprador. Nesse
período, o Brasil exportou para os sauditas cerca de R$109,6 milhões em
armas. As compras dos americanos, no mesmo período,
somaram R$123 milhões. O Brasil é relevante nesse mercado – somos
o quarto maior exportador desse tipo de
artigo em todo o planeta. Os números apresentados por ÉPOCA foram
obtidos a partir de um banco de dados do Ministério do Desenvolvimento. A
metodologia que usamos foi verificada pelo exército.
As vendas
de armas para a monarquia Saudita preocupam os observadores internacionais. Ao longo dos últimos 10 anos, o
país aumentou seus gastos com armamentos. Um dos motivos é seu envolvimento na guerra civil do Iêmen. Desde o
início do ano passado, a Arábia Saudita lidera uma coalizão de países que, no
Iêmen, combate um grupo rebelde que tenta derrubar o governo reconhecido
internacionalmente. De acordo com a Anistia Internacional, a atuação
saudita no país provocou a morte desnecessária de civis. A Anistia
Internacional fez um apelo para que países como Inglaterra
e Alemanha, dois dos maiores produtores de armas leves do planeta, deixassem de
vender para o país até que os casos fossem esclarecidos. As
compras de armas brasileiras pela Arábia Saudita cresceram em 7 vezes em 2015,
se comparadas a 2013 (não há registros de vendas em 2014). O período
coincide com a entrada do país no conflito iemenita.
O envolvimento do Brasil tornou-se polêmico em outubro de 2015. Naquele mês,a
Anistia Internacional denunciou o uso de bombas cluster
brasileiras por tropas sauditas no país. Bombas cluster são um tipo
de armamento leve banido pelo Direito Internacional Humanitário. São perigosas – e cruéis – porque, quando acionadas, lançam centenas de pequenos
explosivos no ar. A estratégia amplia o alcance destrutivo da bomba e
aumenta as chances de ferir, gravemente, civis. Cerca
de cem países já proibiram a fabricação, estocagem e uso desse tipo de
armamento. Países como Brasil, EUA e Coreia do Norte continuam a
usá-las. Em outubro, de acordo com a Anistia
Internacional, estilhaços de bombas cluster brasileiras foram encontradas em
uma zona residencial na cidade de Ahma, norte do Iêmen.
As vendas para países como Arábia Saudita têm implicações éticas. Além das acusações de crime de guerra, a monarquia
saudita mantém um regime autoritário internamente, e apoia a manutenção de
regimes semelhantes na região. Ativistas brasileiros cobram que as vendas de
armas pelo Brasil sejam mais controladas: “A indústria de armas brasileira é uma das mais antiéticas do
mundo”, diz o sociólogo Antônio Rangel, ex-consultor da ONU e
consultor da ONG carioca Viva Rio. “Há uma linha entre os militares
brasileiros que acha que o armamento que a gente exporta não é problema nosso,
é problema dos outros.” Desde 2013, O Brasil é
signatário do Tratado sobre o Comércio de Armas (ATT) da
ONU, mas o documento ainda não foi ratificado (aprovado pelo Congresso). O tratado tenta moralizar a venda de armas no mudo.
Pelos termos do acordo, o país signatário fica impedido
de vender armas a nações com histórico de desrespeito aos direitos humanos.
As vendas ficam proibidas também quando houver suspeita de que o armamento será
utilizado para cometer crimes de guerra. O tratado interfere, por exemplo,
nas vendas da Rússia ao governo Sírio – que usa
armas contra civis. E pode afetar as vendas do Brasil para países
com regimes autoritários ou envolvidos em guerras civis: “Pelos termos do
tratado, fica proibido vender para países como a Arábia Saudita ou
muitos outros dessa região”, diz Rangel. “Do ponto de vista legal, não
dá para condenar o Brasil. Mas, do ponto de vista moral, a venda é no mínimo
questionável.” Época entrou
em contato com representantes da indústria de armas brasileira para comentar a
questão, mas não obteve resposta.
Além da
Arábia Saudita, o Brasil passou a vender mais, desde 2010, para outros países do Oriente
Médio e Norte da África. Cresceram as exportações brasileiras para nações
como os Emirados Árabes, Bahrein, Omã, Jordânia e o Líbano. O aumento pela procura de armamento brasileiro acompanhou o
aumento geral da procura de armas por esses países nesse período. “A
Arábia Saudita, e outros países do Oriente Médio, aumentaram massivamente seus
gastos militares nos últimos dez anos”, diz Sam Perlo-Freeman,
pesquisador sênior do Instituto Internacional de Estocolmo para Pesquisas sobre
a Paz, o Sipri, na sigla em inglês. De acordo com dados do Sipri, os
gastos sauditas com armamento cresceram 112% entre 2005 e 2014. Eles não se limitaram a compras de armamento leve vendido
pelo Brasil – como revólveres, pistolas e granadas. Esses gastos
incluem armamento pesado, como tanques de guerra.
Além dos
conflitos do Iêmen e na Síria, Perlo-Freeman aponta outros motivos para a
corrida armamentista da Arábia Saudita: as tensões com o Irã; a alta no
preço do petróleo até 2014, que deu ao país dinheiro para investir em armas; a
Primavera Árabe. “As tensões que se seguiram à Primavera Árabe fizeram
com que os países da região quisessem assegurar que têm forças de segurança
leais e bem armadas, para guardá-los contra rebeliões internas”, diz
Perlo-Freeman.
Em 2011, uma bomba de gás lacrimogêneo brasileira foi
usada para reprimir protestos em prol da democracia no Bahrein. Por lá, a repressão à Primavera Árabe contou com a ajuda de militares da Arábia Saudita – hoje, um
dos grandes compradores dos artigos brasileiros. Se não avaliar com
cuidado para quem vende suas armas, o Brasil – uma democracia – corre o
risco de estimular o autoritarismo pelo mundo.
Fonte: Revista Época