Chegada da Lava-Jato mudou dinâmica entre os dois órgãos
Ao longo dos últimos anos, a Procuradoria-Geral da
República (PGR) foi perdendo força no Supremo Tribunal Federal (STF).
Cinco anos atrás, até a gestão de Roberto Gurgel, a mais alta Corte do país
tinha o hábito de, no campo das investigações criminais, seguir as
recomendações do chefe do Ministério Público Federal (MPF). Se chegava
um pedido de abertura de inquérito, o ministro relator, ato contínuo, logo
autorizava a investigação. Se havia parecer contra uma ação em plenário, a
opinião do procurador-geral tinha peso de ouro.
Mas ventos de mudança sacudiram o STF recentemente – em
especial a partir de 2013, quando Rodrigo Janot assumiu o comando da PGR e os
processos da Lava-Jato passaram a chegar ao protocolo da Corte feito enxurrada.
Os ministros passaram a questionar até pedidos de abertura de inquérito. Em vez de atender de olhos fechados ao pedido da PGR,
alguns pedem antes o depoimento do suspeito para saber se há elementos mínimos
para sustentar a investigação. Já agiram dessa forma os ministros Gilmar Mendes
e Luiz Fux. Para eles, o simples fato de responder a inquérito já implica em
prejuízo para o investigado. O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, tem
restringido os prazos extras que a PGR pede para concluir investigações que já
estão abertas há anos.
Hoje, já com Raquel Dodge à frente do órgão, o STF continua
dando menos privilégio à PGR. O episódio mais recente foi a quebra de sigilo
bancário do presidente Michel Temer na semana passada. Em um documento enviado
ao relator do inquérito, o ministro Luís Roberto Barroso, a Polícia Federal
pediu a quebra das informações sigilosas. Barroso pediu a opinião da PGR. Uma
atitude pró-forma, já que ele não seguiria o parecer e já estava convicto da
necessidade de tomar a providência. Dodge foi contra a medida, mas Barroso não
titubeou: com uma canetada, pediu acesso aos dados bancários de Temer de 2013 a
2017.
Note-se que não há mal algum na decisão. Se o juiz do
processo considera a medida importante, é da atribuição dele decidir se quebra
ou não o sigilo – seja do presidente da República, seja do cidadão comum. No
entanto, a atitude é rara na história recente do STF. A praxe é a PGR pedir a
quebra do sigilo e, com base nisso, o ministro autorizar a medida. Se não tem
pedido da PGR, não tem quebra de sigilo. Fazendo um corte no tempo, em 2006 o então procurador-geral
da República, Antonio Fernando de Souza, apresentou a denúncia do mensalão ao
STF. À época, a Polícia Federal não tinha sequer terminado o relatório completo
das investigações. A PF reclamou, mas isso não impediu o Supremo de receber a
denúncia e transformar o inquérito em ação penal.
Naquele ano ainda vigorava a máxima de que a PGR era “a
dona da bola” - ou seja, conduzia as investigações de forma absoluta. Se pedia
a abertura de um inquérito, era atendida. Se pedia o arquivamento, também. A PF
era tratada como mera polícia judiciária, aquela que coloca as diligências
pedidas pela PGR em prática. Ultimamente, tem sido uma reclamação unânime no STF o tempo
que a PGR e também a PF levam para concluir investigações. Sem as apurações
concluídas, não é possível julgar ações penais. Sem julgar, não se pode punir.
E, sem punir, os ministros ouvem da opinião pública a crítica de serem
coniventes com os crimes do colarinho branco. Na semana passada, dos mais de
cem processos da Lava-Jato no STF, 22 estavam com a PGR e 15 com a PF. A tarefa
da PGR é indicar as diligências necessárias, ou apresentar denúncia, ou pedir o
arquivamento por falta de provas mínimas. A PF precisa executar as diligências.
Se nenhum dos dois atua, o STF fica de mãos atadas.
Essa exigência maior dos ministros do STF tem acirrado
ainda mais as disputas entre PGR e PF – que foram levadas ao ápice na Operação
Lava-Jato. Se na primeira instância as entidades trabalham em equipe, na cúpula
do Judiciário não é bem assim. A diferença de procedimentos das duas
instituições são gritantes e vieram à tona no episódio das informações secretas
sobre as finanças de Temer.
Fato é que as funções definidas para as duas instituições
são subjetivas – e, por isso mesmo, sujeitas a interpretações diferentes. A
Constituição Federal diz que o procurador-geral da República “deverá ser
previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos
de competência do Supremo Tribunal Federal”. Ouvido não significa atendido. A
Constituição também diz que a PF tem o papel de “exercer, com exclusividade, as
funções de polícia judiciária da União”. O que não significa que seja somente
isso.
O Globo