Análise Política
Pelo que se vê até o momento da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19, o Planalto não apenas aproveitou mal a possibilidade, mas, na melhor das hipóteses, deixou florescer um ecossistema entrópico em assunto tão importante. Daí a emergência no noticiário de um amontoado de personagens obscuros apanhados em situações idem. Já se podia antever, e foi antevisto, pelo menos desde outubro do ano passado: se o governo escorregasse no assunto das vacinas cometeria um erro político de consequências potencialmente graves (“Salada indigesta”). Para quem quis enxergar, o sinal amarelo acendeu quando o presidente reagiu biliosamente ao anúncio de que o Ministério da Saúde compraria a CoronaVac.
Aliás o Brasil vive uma situação surreal: o governo federal acabou decidindo gastar bilhões com ela, que hoje está no braço de metade dos imunizados, mas quem fatura politicamente são os governadores, enquanto o entorno presidencial continua falando mal da vacina chinesa do Butantan. Mesmo que todos os estudos comprovem a eficácia dela.
E não é só com a vacina da Sinovac. Um problema menos alardeado é a inexplicável demora para a aprovação do uso maciço por aqui da russa Sputnik V. Outra bem eficaz. Neste caso, nota-se uma curiosa aliança entre a direita saudosa da guerra fria e a esquerda corporativista que, na dúvida, toma as dores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Estivesse a CPI realmente tão preocupada em salvar vidas quanto em emparedar o governo, e a Anvisa já estaria faz tempo dançando em chapa quente por causa da Sputnik V. A vacinação brasileira contra a Covid-19 vai razoavelmente, mas poderia estar indo melhor. Velocidade é fundamental, também por causa da corrida contra as novas cepas. E o Brasil tem estrutura para vacinar diariamente pelo menos o dobro do que está conseguindo imunizar hoje, inclusive pela verificada e crescente adesão popular.
Não é engenharia de obra pronta, porque vem sendo dito desde sempre: a única política razoável sobre vacinas é trazer todas, na maior quantidade possível, e no menor prazo possível. Claro que demandas assim superaquecidas ensejam risco de maus modos administrativos, e também por isso é necessário centralizar e adotar transparência máxima.
O governo federal carrega o mérito de ter buscado nacionalizar a produção da AstraZeneca na Fiocruz, mas errou em dois aspectos estratégicos: confiou na política de uma só vacina e não cuidou adequadamente de ter vacinas aqui em grande quantidade no curtíssimo prazo. Este segundo ponto foi fatal quando a segunda onda veio como um tsunami a partir de Manaus.