Quando a Anvisa rejeitou o registro da vacina russa Sputnik V, houve
comemoração em Pequim. Para além dos aspectos comerciais na competição entre
laboratórios, está em curso uma guerra diplomática da vacina, que Rússia e
China travam globalmente diante da omissão das potências ocidentais. Poder e
influência são os objetivos. Conta para Pequim que a CoronaVac esteja na
liderança na imunização no Brasil, à frente da AstraZeneca, desenvolvida pelo
laboratório anglo-sueco em parceria com a Universidade de Oxford. Mas conta
mais ainda que os rivais russos sejam mantidos à distância.
Em
análise recente, a Economist Intelligence Unit (EIU) rastreia o enfrentamento
global entre Rússia e China na tentativa de fornecer vacinas a países
emergentes e pobres. A vacina se tornou uma oportunidade única para aproximação
diplomática, persuasão, conquista de influência e, naturalmente, também
negócios. O poder de barganha do fabricante é grande. Na medida em que o
coronavírus se tornar endêmico, haverá a necessidade de vacinação anual. A
capacidade de desenvolver imunizantes será moeda de troca ainda mais forte no
mercado da diplomacia e questão prioritária de segurança nacional.
Não
há melhor exemplo que os embates políticos em torno da vacinação no Brasil, um
dos focos mais atingidos no mundo pelo novo coronavírus. Em outubro passado, o
presidente Jair Bolsonaro mandou o ainda ministro Eduardo Pazuello voltar atrás
na aquisição de 46 milhões de doses da CoronaVac. Era uma tentativa de, ao
mesmo tempo, atingir rivais dentro e fora do Brasil. A CoronaVac foi
desenvolvida na China, é fabricada no Instituto Butantan, em São Paulo, e
trombeteada pelo arquiadversário João Doria. O avanço da pandemia forçou
Bolsonaro a ceder, e hoje a CoronaVac responde por mais de 80% das vacinas já
aplicadas no Brasil.
Os
russos também viram na pandemia uma oportunidade de ampliar sua influência na
América Latina. A Sputnik V já lhes permitiu iniciar negociação na Bolívia para
explorar reservas de “terras raras”, minerais usados na manufatura de produtos
de alta tecnologia. Fecharam acordo com a Argentina e, no Brasil, se aliaram a
políticos do Centrão e à União Química, laboratório comandado por um
ex-deputado ligado ao bloco. A rejeição da Anvisa foi um revés, mas a batalha
ainda não está encerrada. [ao nosso modesto entendimento o assunto está encerrado, já que desde os seus primeiros passos a Sputinik V conseguiu ser mais hermética que a chinesa, quis impor nas negociações com possíveis interessados regras draconianas de sigilo total e perdeu a confiabilidade;
a chinesa, que não começou com grande credibilidade - afinal, era uma 'cortina de ferro' x uma de 'bambu' - mas, pelo menos a FASE III foi realizada no Brasil - a Sputinik V não realizou essa fase nem na própria Russia.
A chinesa não foi autorizada por nenhuma agência merecedora de credibilidade mundial - tipo FDA, NHS (entendemos que a aprovação da Coronavac por agência chinesa e da Sputinik por agência russa, deve ser sempre considerada com reservas) situação que também ocorre com a russa. O fato da Coronavac estar sendo utilizada no Chile soma alguns pontos ao seu score.
Restrições pontuais são feitas a todas as marcas disponíveis. Ainda que em percentuais ínfimos. Com isso é confiar em DEUS, na Anvisa e usar o que temos. Felizmente, o alerta dado ao Supremo, especialmente àqueles ministros que fanáticos por decisões monocráticas, para NÃO INTERFERIR em assunto de Saúde Pública, foi levado a sério e as atribuições da Anvisa não foram desautorizadas.
Tentaram abalar a credibilidade da Anvisa, fracassaram e agora é torcer para que tudo dê certo. Por estar entre as mais aplicadas, fica uma garantia que a vacina chinesa não causa mortes, o que em termos de imunizantes é uma boa garantia. Aqui o Prontidão Total, devido a maior parte estar classificada como 'antigo', temos a dizer que grande parte da higidez que a maior parte dos nossos desfruta é consequência de vacinas aplicadas no passado.
A título de incentivo, vários aqui do Blog já foram vacinados - usando as duas marcas disponíveis (no meu caso, CH, fui de CORONAVAC, e já recebi a segunda dose, sem intercorrência.
Permanece aquela perguntinha chata, que não quer calar: quando será conhecido de forma confiável, científica, a validade de cada imunizante? A única pista que temos é sobre o usado no Reino Unido, cuja imunização começou em dezembro passado, o que leva a dedução de que os primeiros vacinados já contam com cinco meses de validade. ]
A
Rússia avança também pela Europa, em especial nos ex-satélites da União
Soviética. De acordo com a EIU, a alemã Angela Merkel e o francês Emmanuel
Macron trataram com o russo Vladimir Putin sobre a possibilidade de a Sputnik V
ser produzida na União Europeia (UE), onde a vacinação avança mais lentamente
que o necessário. Se a Agência Europeia de Medicamentos aprovar, será a maior
vitória de Moscou.
A
diplomacia da vacina tem esbarrado em entraves geopolíticos. A Sérvia, fora da
UE, deu um salto na vacinação com a Sputnik e despertou o interesse dos vizinhos.
Hungria e Eslováquia fizeram encomendas da vacina russa, contrariando regra da
UE de negociação única com Moscou. A Ucrânia, que tem relação tensa com os
vizinhos, não deverá comprá-la. Política, negócios e saúde se misturam.
Na
disputa global, a China leva a vantagem de ter em andamento, segundo a EIU, 17
projetos de vacinas contra a Covid-19, duas já em uso: CoronaVac (privada) e
outra da estatal Sinopharm. Instalou uma robusta capacidade industrial de
produção do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), o princípio usado em vacinas. Não
apenas chinesas. O IFA da vacina de Oxford-AstraZeneca produzida em
Bio-Manguinhos, no Rio, vem da China.
Os
chineses têm distribuído seus imunizantes para compensar Camboja e Laos pelo
apoio em disputas territoriais no Mar do Sul da China, e o Paquistão em troca
da aprovação de projetos ligados à Nova Rota da Seda, empreendimento
estratégico que reúne obras de infraestrutura. As vacinas de Pequim têm servido
para criar um ambiente positivo para relações bilaterais futuras e também
facilitar a recuperação econômica de países que já exportam commodities para a
China.
Não é coincidência que o edital da telefonia celular de quinta geração
(5G) no Brasil tenha lhes aberto espaço, apesar da resistência de Bolsonaro.
Por
ter a pandemia sob controle — casos diários de Covid não passam de 200 há um
ano —, a China conta com muita munição para gastar na diplomacia da vacina: no
início de abril, aplicou internamente 115 milhões de doses e exportou a mesma
quantidade, incluindo doações, a cerca de 90 países.
O
avanço de russos e chineses se dá em detrimento das próprias populações.
De
acordo com a EIU, tanto Rússia quanto China têm aplicado apenas uma dose diária
a cada 500 habitantes, um terço de França e Reino Unido e um quinto dos Estados
Unidos. Ao mesmo tempo, os países mais ricos tratam de imunizar primeiro suas
populações, deixando o flanco aberto a russos e chineses no resto do mundo. Em
regimes democráticos, não poderia ser diferente.
Um
primeiro movimento americano foi o anúncio de Joe Biden de que poderá
compartilhar até 60 milhões de doses. Estados Unidos, Austrália, Japão e Índia
anunciaram que americanos e japoneses financiariam 1 bilhão de doses da vacina
da Johnson & Johnson para o Sudeste asiático. Não se espera que seja distribuída
antes do final de 2022. China e Rússia ainda aproveitam o vácuo.
A
vantagem da disputa é fazer chegar vacinas a países pobres e menos
desenvolvidos, que dependem do consórcio Covax, da OMS. Mesmo assim, os países
mais ricos sairão primeiro da pandemia. Terminarão de vacinar ainda este ano,
enquanto, no Brasil, vacina para todos, segundo a EIU, só em 2022. [sendo imparcial, fica fácil perceber que estamos no quarto mês do ano, e que um acréscimo inercial fará que até inicio de agosto, tenhamos vacinado mais de 150.000.000 de brasileiros - descontando a turma de até 18 anos, teremos alcançado os 90% da população-alvo.]
Opinião - O Globo