Opinião
Julgamento no tribunal contrasta com irracionalidade anticientífica que emana do Palácio do Planalto
Acertou
o Supremo Tribunal Federal (STF) em garantir a estados e municípios o direito a
impor a vacinação obrigatória contra a Covid-19. É o que determina a lei da
pandemia, aprovada pelo Congresso em fevereiro. É o que combina com o espírito
da leis de imunização em vigor desde 1975. E, mais que isso, é o que preconizam
a ciência, a razão e o bom senso. A vacina obrigatória é uma conquista
civilizatória de que a humanidade já não poderia abrir mão numa situação de normalidade.
Que dizer de uma pandemia que já matou de modo inclemente quase 185 mil
brasileiros? [Os mortos pela covid-19 não podem, nem devem, ser esquecidos - a doença mata, com a agravante de ser transmitida pelo ar, o que torna mais difícil o seu controle (o uso de máscara é indispensável para impedir o contágio) mas sugerimos ler sobre outras doenças que matam mais no Brasil, do que a covid-19, leia aqui.]
A decisão do Supremo contrasta com a irracionalidade que emana do Palácio do Planalto em relação não apenas às vacinas, mas a todo conhecimento científico. Mais uma vez, em desafio aos protocolos sanitários, o presidente Jair Bolsonaro imprecou esta semana contra a vacina em São Paulo diante de uma aglomeração de centenas de pessoas, a maioria sem máscara.
A justificativa para impor tal obrigação é a mesma que rege o serviço militar obrigatório ou os impostos obrigatórios: a defesa do bem comum. A vacina oferece não apenas proteção ao indivíduo que a toma, mas também a toda a comunidade. Quanto mais imunes houver, mais difícil o contágio. A partir de certo ponto, o vírus some por não ter mais quem infectar. Quem não toma vacina se beneficia disso sem arcar com ônus nenhum. Mais que isso: se porventura pegar a doença, pode provocar dano coletivo ao transmiti-la, criando novo surto.
Acertou também a Corte no julgamento da outra ação, relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso, ao determinar que crenças ideológicas, filosóficas ou religiosas dos pais não podem impedir seus filhos de ser vacinados. O argumento é o mesmo: o Estado tem o dever de proteger a saúde de todos.
O ataque à vacina obrigatória é um retrocesso. Traz ecos da Revolta da Vacina, de 1904, quando multidões se recusavam a cumprir com a obrigação de se vacinar contra a varíola. Não deu outra: quando a varíola voltou a atacar, em 1908, houve um morticínio, e a população correu para se vacinar. É o que sem dúvida deverá ocorrer assim que estiverem aprovadas e disponíveis as vacinas contra a Covid-19.
Opinião - O Globo