O Estado de S. Paulo
Pode dar certo um governo que se caracteriza pela falta de atitudes racionais?
Sua estrutura psicológica se organiza em torno de seu núcleo familiar, a saber, seus filhos, que lhe conferem apoio e união, sempre e quando, evidentemente, seja reconhecido como o pai e o mestre. Sua coesão interna na destruição e na morte está baseada na consideração do outro, qualquer que seja, como estranho e, por via de consequência, como um inimigo potencial, seja ele fático ou imaginário. Isso se traduz igualmente pela instabilidade na consideração dos “amigos”, sempre provisórios e transitórios, tratados com desconfiança. Foram vários os seus “amigos” que passaram a ser “inimigos”. Eis o que o faz sempre privilegiar os filhos, por mais que eles possam estar emaranhados em ilícitos ou simples idiotices, que terminam tendo repercussão nacional.
Outra versão de seu comportamento irracional consiste em seu completo desprezo pelo outro, em seu sentido genérico, aplicável não apenas aos de seu círculo político, mas aos brasileiros em geral. Sempre tratou as vítimas da pandemia sem nenhuma compaixão, utilizando a “ironia” como se fosse uma gracinha. Seus impropérios foram múltiplos. As pessoas adoecem, sofrem e morrem sem uma palavra sequer de apoio do representante máximo do País. Até hoje não visitou nenhum hospital, não viu a morte com os próprios olhos, restringiu-se ao seu gozo distante. Um presidente normal mostraria sentimentos morais, exibiria compaixão, emprestaria palavras de apoio e solidariedade.
Logo, ao bem público é reservado uma posição completamente secundária, pois o mais importante consiste na proteção da família e em sua permanência no poder, apostando na eleição e flertando com o desrespeito à ordem institucional. O presidente e sua família agarram-se de todas as maneiras à preservação dos seus interesses e à conservação de sua coesão psicológica. Sua única política conhecida é a do ataque, por mais, reitero, que isso possa ser-lhes prejudicial em longo prazo. A satisfação é tirada do projeto imediato, de pequenas conquistas e do aplauso grotesco de seus apoiadores fanatizados. Não entra em linha de consideração o que é melhor para o País, deixando situação econômica e social se desagregar cada vez mais. O projeto, vendido nas eleições, de uma pauta liberal já está completamente “vendido”, não mais corresponde aos seus interesses familiares. Foi apenas uma encenação eleitoral.
De nada adianta agora fazer uma encenação de união nacional, na qual nem os participantes acreditam. Criar um comitê é ao mesmo tempo nada pretender fazer, quando mais não seja pelo fato de seu objetivo ser somente compartilhar a sua irresponsabilidade. Em vez de uma escolha técnica para Ministro da Saúde, optou novamente por uma opção familiar, multiplicando ainda mais os conflitos políticos. Pode dar certo um governo que se caracteriza pela ausência de comportamentos racionais?
Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia - O Estado de S. Paulo