Silvio Navarro
Flávio Dino coloca a Polícia Federal para investigar o governador Tarcísio de Freitas, divide a própria corporação e dá sinais de fraqueza no cargo
Nesta semana, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou que o ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) mandou a Polícia Federal investigar o governador do maior Estado do país, Tarcísio de Freitas. Segundo a reportagem, desde junho o governador paulista é o principal alvo de um inquérito sobre um tiroteio ocorrido numa favela durante a campanha eleitoral do ano passado. O caso foi apurado e concluído pela Justiça Eleitoral e pela polícia paulista há tempos. O próprio jornal informou que a corporação não achou nenhum motivo para a abertura de um novo inquérito. Mas a KGB do governo Lula continua em ação.
Oeste conversou com integrantes do Palácio dos Bandeirantes e da polícia paulista, que buscaram informações sobre o caso. Para eles, não há dúvidas de que se trata de uma tentativa de intimidação, nos mesmos moldes que Dino tem usado para perseguir adversários políticos — e Tarcísio desponta como principal nome da oposição depois da inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Além de não haver fato novo para abertura de outra investigação, muito menos o episódio antigo requer o envolvimento da Polícia Federal.
O documento que determinou a abertura do inquérito, assinado pelo delegado Eduardo Hiroshi Yamanaka, da Polícia Federal, é completamente vago. O texto pede a apuração de uma eventual violação do Código Eleitoral. A eleição acabou há um ano, e o caso já foi julgado — Tarcísio foi absolvido. O despacho deixa uma enorme lacuna redigida exatamente assim: apurar “outras violações que, porventura, forem constatadas no curso da investigação”. Não responde, contudo, do que trata a investigação inicial. Aos fatos: no dia 17 de outubro do ano passado, um homem de 27 anos, com duas passagens pela polícia, morreu durante uma troca de tiros na Favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Naquele horário, Tarcísio de Freitas cumpria agenda de campanha no Polo Universitário da favela. Estava cercado de jornalistas de dezenas de veículos de imprensa. A equipe do então candidato e os jornalistas precisaram se esconder e depois foram retirados do local às pressas. O Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) investigou e concluiu o caso: um bandido foi morto ao disparar contra a polícia, que reagiu.
Desde então, há uma gritaria enorme de grupos de esquerda — como o Tortura Nunca Mais, que acionou o Ministério Público —, do PT, do Psol, do deputado Guilherme Boulos e de todas as entidades que acusaram a Polícia Militar de atirar contra moradores da favela que passeavam na garupa de motocicletas. Um detalhe: eles estavam armados e em bando.
A resposta do Palácio dos Bandeirantes à notícia foi direta: se o caso já foi julgado pela Justiça Eleitoral, encerrado pela polícia e não há fato novo, qual é a justificativa de Dino para acionar a Polícia Federal agora? “A Justiça Eleitoral realizou julgamento sobre o episódio em Paraisópolis e, após a manifestação do Ministério Público, oitiva de testemunhas e colheita de provas, foi concluído de forma unânime que o episódio tratou-se de uma ocorrência policial, sem qualquer ingerência política ou eleitoral”, disse o governo paulista em nota. “Uma vez que não há fato novo, não haveria outra questão a ser averiguada no inquérito da Polícia Federal mencionado.”
Mesmo sem nenhuma prova, Flávio Dino alimenta a tese de que Tarcísio forjou um atentado para se beneficiar eleitoralmente — ele derrotou o petista Fernando Haddad. A única “prova” do ministro comunista apresentada até hoje é o tuíte abaixo, no qual Tarcísio escreveu: “Fomos atacados por criminosos”.
Em primeiro lugar, estamos todos bem. Durante visita ao 1o Polo Universitário de Paraisópolis, fomos atacados por criminosos. Nossa equipe de segurança foi reforçada rapidamente com atuação brilhante da @PMESP. Um bandido foi baleado. Estamos apurando detalhes sobre a situação.— Tarcísio Gomes de Freitas (@tarcisiogdf) October 17, 2022
Nesse novo inquérito da PF, também aparece uma conversa entre um cinegrafista da Jovem Pan e um ex-assessor da campanha de Tarcísio sobre imagens apagadas no dia do tiroteio. A tese é de que a Polícia Militar teria atirado contra moradores para fingir um ataque ou de que um integrante da segurança de Tarcísio teria sido o autor do disparo fatal. Na ocasião, um agente da própria Polícia Federal, Danilo Campetti, também participava da segurança do candidato. Como estava armado e de folga naquela data, chegou a ser investigado e também foi absolvido no mesmo processo pela Justiça.
Fato é que, ao forçar o envolvimento da Polícia Federal, o ministro espera encontrar qualquer coisa, como o próprio despacho do delegado deixa claro, para reabrir o caso nas cortes superiores em Brasília, onde tem aliados. Houve um desentendimento na própria Polícia Federal em São Paulo e com a Polícia Civil. A Corregedoria da PF afirmou que o episódio aconteceu quando ele era candidato, ou seja, a competência é exclusiva da Justiça Eleitoral, conforme jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Outra ala da PF, ligada a Flávio Dino, quer tirar o caso da seara eleitoral.
Na capital federal, Dino conseguiu trocar todos os comandos das delegacias e superintendências estaduais, principalmente das divisões de inteligência. Na quarta-feira, 25, por exemplo, levou o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, para escoltá-lo na audiência na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados.
Outro nome de estrita confiança é o chefe da Polícia Rodoviária Federal, Antônio Fernando Oliveira, que tem foto nas redes sociais usando quepe e fumando charuto, em alusão ao ditador cubano Fidel Castro. Dino também tem fotos similares nas redes durante blocos carnavalescos.
No ministério, quem dá as cartas é o seu trio de amigos: o número dois da pasta, Ricardo Capelli, militante da União Nacional dos Estudantes (UNE) e do PCdoB; o ex-deputado petista Wadih Damous (secretário dos Direitos do Consumidor); e o ex-advogado da Odebrecht na Lava Jato, Augusto de Arruda Botelho (secretário Nacional de Justiça). Outro braço aliado é Rafael Velasco, secretário de Políticas Penais, um entusiasta do desencarceramento em massa no Brasil, com quem Dino trabalhava no Maranhão.Antônio Fernando Oliveira, chefe da Polícia Rodoviária Federal | Foto: Reprodução/Facebook O ministro da Justiça, Flávio Dino [ao centro], posa ao lado de foliões, no Carnaval de São Luís (MA, 18/2/2023) | Foto: Reprodução/Instagram
Desgaste
Depois de dez meses de intensa exposição, Flávio Dino foi à Câmara nesta semana enfrentando o primeiro desgaste real na cadeira. O principal motivo é a falta de um programa para a área da segurança pública, que registra cenas caóticas na Bahia e no Rio de Janeiro. Os dois Estados são calcanhares para o comunista: a Bahia é governada pelo PT há 16 anos, e qualquer crítica dele à gestão estadual termina em confusão com o partido do presidente. No caso do Rio, ele até agora não conseguiu explicar a visita à Favela da Maré, reduto do tráfico de drogas, quase sem escolta.
“Não sei por que há esse preconceito abjeto com um bairro do Rio de Janeiro. Os críticos deveriam assumir que não gostam de pobres, não gostam de povo”, afirmou o ministro nesta quarta-feira, em sessão marcada por confusão e intenso bate-boca.
As faltas sucessivas a audiências públicas e o sumiço das imagens do Ministério da Justiça no dia 8 de janeiro — imagens que foram requisitadas pela CPMI — deixaram parlamentares de várias bancadas engasgados
Ele só foi à audiência na quarta-feira porque havia faltado — de novo — a uma convocação no dia anterior. Enviou um ofício ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), alegando “falta de capacidade e de isenção” dos integrantes da Comissão de Segurança Pública. No documento, afirmou que havia “elevado risco de agressões físicas e morais, inclusive com ameaças de uso de arma de fogo”. A oposição questionou se ele achava que poderia levar um tiro durante a sessão, mas ele não respondeu.
A péssima relação com o Congresso é exatamente o outro ponto de desgaste à frente do ministério. O maranhense foi eleito senador no ano passado, mas não assumiu o mandato. Não mantém contato com as grandes frentes temáticas — nem com a da agropecuária nem com a cristã (composta de evangélicos e católicos), além da rejeição da bancada da bala. Juntas, essas três bancadas detêm mais da metade do Congresso.
As faltas sucessivas a audiências públicas e o sumiço das imagens do Ministério da Justiça no dia 8 de janeiro — imagens que foram requisitadas pela CPMI — deixaram parlamentares de várias bancadas engasgados. É unânime a avaliação de que, se sua aposta pela vaga de Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF) naufragar ou se ele perder o ministério, terá vida dura no Legislativo.
Sobre a pasta, nesta semana o presidente Lula admitiu pela primeira vez que deverá desmembrá-la. Provavelmente, Dino ficará somente com a Justiça. O PT quer assumir a área da segurança pública para justamente tirar o protagonismo político do ministro e aplacar crises no Nordeste, como na Bahia e no Rio Grande do Norte, Estados que foram tomados pelo crime organizado. “Esse debate tem décadas”, afirmou Dino. “O Ministério da Justiça tem 201 anos. Nesses 201 anos, em 200 anos ele foi integrado, e em um ano houve essa separação. Minha posição técnica é bastante conhecida. O presidente Lula não tocou nesse assunto. Na minha ótica, não é prioridade no momento.”
Quem acompanhou a agenda do ministro no Congresso pôde notar claramente a falta de apoio dos parlamentares. Já não é recebido com a mesma festa. Os tapinhas nas costas sumiram. Não dá um passo sem a escolta pesada de policiais. Dino ainda é o chefe da KGB do governo Lula. Mas parece estar a cada dia mais solitário.
Leia também “A KGB do governo”
Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste