A cidadania não é um direito; ela requer trabalho. No entanto, muitos cidadãos de repúblicas, antigas e modernas, passam a acreditar que merecem direitos sem assumir responsabilidades — e não se preocupam como, por que nem de quem herdaram seus privilégios. Os cidadãos não são meros residentes, propensos a receber mais do que dar. Eles não são povos tribais que se unem por aparência ou laços de sangue. Eles não são camponeses sob o controle dos ricos. Nem é sua primeira lealdade a uma comunidade mundial abstrata.
O cidadão precisa abandonar suas lealdades tribais mais antigas para aceitar os valores que definem a república. Uma vez que alguém deve mais lealdade a seu primo do que a um concidadão, uma república constitucional não pode existir. Para enfraquecer uma república, não é necessário quebrar as leis; às vezes cuspir em seus costumes e tradições faz tanto mal quanto a marginalidade. E o tecido social que une os cidadãos está sempre a uma geração de ser perdido, como alertava Reagan. Historicamente falando, muitas repúblicas desmoronaram dentro de uma década apenas.
Um sinal de esclerose democrática é a perda de confiança na integridade do voto — a ponto de ser visto como um exercício fútil, em vez de um baluarte da cidadania. Apressados podem apontar o dedo para Trump, mas é bom lembrar que o livro anterior de Hanson foi o best-seller The Case for Trump. Para Hanson, quem depreciou a confiança no sistema eleitoral foi o Partido Democrata, ao pregar mudanças radicais sob o pretexto da pandemia. Milhões passaram a desconfiar da eleição.
A natureza do governo consensual em suas origens foi uma autocrítica com reavaliações constantes. Quando essa introspecção perpétua cessa, o mesmo acontece com a cidadania. Hoje temos visto a interdição do debate em diversas esferas, com a esquerda monopolizando a fala em nome da ciência, rotulando de negacionista ou fascista quem ousa questionar o establishment. Daí a importância de uma classe média independente, capaz de remar contra a maré determinada pelas elites.
Uma cidade-estado governada pelas classes médias é superior não apenas às oligarquias, mas também aos povos tribais, muitas vezes nômades e sem assentamentos permanentes, que definem sua existência política por laços pré-civilizacionais de sangue e casamento. Tradicionalmente, os defensores filosóficos das classes médias argumentam que a maioria dos proprietários moderados tanto incentiva a autossuficiência, a responsabilidade e a estabilidade social, que faltam aos pobres, quanto restringe a capacidade dos poderosos e grupos de interesses especiais de exercerem influência excessiva no Estado.
Hanson traz dados preocupantes do empobrecimento da classe média americana, com crescente nível de dívida para custear universidades e consumo, além da casa hipotecada cada vez menos acessível. A dependência de benesses estatais é cada vez maior, enquanto o endividamento de quase US$ 30 trilhões do governo, associado a uma política monetária frouxa do Federal Reserve, aniquilou qualquer rendimento sobre a poupança. [economia não é o nosso forte, mas bom lembrar que o Brasil passa por um processo de aniquilação do rendimento da poupança - anterior ao 'espirro' inflacionário de agora e consequência direta do maldito governo petista, no caso o da Dilma com sua política amanteigada de derrubar juros via decreto: desde o governo da "escarrada" que usar um dia do cheque especial - ainda que de banco que apregoa cheque especial com dez dias sem juros - gera um IOF SUPERIOR a todo o rendimento mensal da poupança.]
A classe média acaba espremida entre uma massa tribal e a elite cosmopolita. A independência econômica é prerrogativa da cidadania. A maioria da população não pode exercer nem proteger seus direitos de expressão e comportamento irrestritos sem a segurança material que apenas a autossuficiência econômica e a autonomia da classe média garantem.
Em vez de ocidentalizar o planeta, a globalização talvez acabe internacionalizando a América
Para o autor, estamos chegando a um ponto semelhante ao surgimento de um exterminador robótico fictício que destrói seus criadores humanos, já que a elite burocrática acredita que pode e deve se antecipar a qualquer autoridade eleita que a considere perigosa. Se o cidadão não puder eleger funcionários para auditar, controlar ou remover os não eleitos, ele perdeu seu poder soberano.
A globalização permitiu acesso a produtos mais baratos e mercados amplos, mas trouxe um custo elevado para a classe média, que precisa competir com chineses em condições de trabalho quase escravo e imigrantes ilegais em seu quintal. [afinal, brasileiros desempregados continuarem sem emprego, visto que políticas humanitárias pró emigrantes faz com que a contratação da mão de obra ilegal tenha prioridade sobre a dos brasileiros é algo que se torna normal; criticar tal política, que prioriza o estrangeiro sobre o cidadão brasileiro, pode resultar no crítico ser acusado de ato antidemocrático, ato contra a Constituição, ato contra o 'estado democrático de direito'.] Em vez de ocidentalizar o planeta, a globalização talvez acabe internacionalizando a América. A realidade atual é que milhões de americanos, por meio de dívidas, desemprego e salários em declínio, estão agora se tornando nossas próprias versões urbanas e suburbanas atualizadas do campesinato rural europeu do passado.
Diante desse cenário, populistas da esquerda e da direita que prometem atacar o “sistema” ganham força eleitoral, como Bernie Sanders e Donald Trump. Alguns americanos, rejeitando o tribalismo, preferem ser rebatizados como “cidadãos do mundo”, como se tal abstração fosse algo moderno. Estranhamente, essa ideia remonta ao utopismo socrático e nunca ofereceu nenhum projeto crível de um Estado transnacional viável.
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Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste