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terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Um comunista no STF. E agora?- Revista Oeste

Ana Paula Henkel

Entendo que muitos estão desanimados, mas não há outra opção a não ser seguirmos firmes pelo país que não apenas queremos — mas devemos — deixar para os nossos filhos


 Sabatina na CCJ do Senado do atual ministro da Justiça e senador licenciado, Flávio Dino, indicado para o cargo de ministro do STF | Foto: Lula Marques/Agência Brasil


E agora seguimos. Esta é a única resposta possível para a pergunta do título deste artigo que paira sobre nossos apreensivos corações e mentes desde a sabatina de Flávio Dino para uma cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal, na quarta-feira, 13 de dezembro.

Entendo que muitos estão e estarão desanimados com mais uma pedrada em nossa cabeça, com mais este descalabro contra o país, com mais um deboche do sistema contra uma nação que não aguenta mais tanto cinismo e falta de escrúpulos. Tudo isso nos desanima? Sim. 
A esperança cambaleia? Com certeza. Não fingirei que uma confiança olímpica invade meus pensamentos e, como em um filme inspirador com trilha à la Rocky Balboa, toma conta do meu ser, e eu sigo convicta sem pestanejar. Isso não é verdade. 
Mas não há outra opção a não ser seguirmos firmes pelo país que não apenas queremos — mas devemos — deixar para os nossos filhos. Simplesmente não há. Receio do que está por vir? Claro. Mas agora já é uma questão de sobrevivência. E qualquer medo precisa ser encarado. O problema não é ter medo, é não enfrentá-lo.Flávio Dino (centro), posa ao lado de foliões, no Carnaval de São Luís (MA) – 18/02/2023 | Foto: Reprodução/Instagram 
 
No rescaldo de uma batalha política desafiadora que coloca muito do nosso futuro em jogo, o primeiro passo para a recuperação envolve a introspecção. 
A resiliência é a base sobre a qual se pode reconstruir após o tumulto de uma queda brutal. 
Resiliência, palavra tão usada hoje em dia como quem troca de roupa, vai além da mera resistência; envolve o cultivo ativo de uma mentalidade que prospera diante da adversidade. 
Desenvolver resiliência requer um compromisso com o autocuidado, tanto mental quanto emocionalmente. Resiliência não consiste apenas em resistir à tempestade, mas em usar sua força para se impulsionar para a frente.

Não, não é fácil abrir os jornais apenas um dia depois da sabatina “chá das cinco” de Flávio Dino (e da pífia performance de alguns senadores de oposição, completamente despreparados para enfrentar o que estava diante de nós) e ver a aprovação de mais um peão ideológico do Foro de São Paulo, agora para a corte mais alta do país, com Lula conclamando o feito: “Vocês não sabem como eu estou feliz hoje. Pela primeira vez na história desse país, nós conseguimos colocar na Suprema Corte um ministro comunista, um companheiro da qualidade do Flávio Dino”.

Como não se abater,
já que tudo isso batia em nossa porta já havia algum tempo? Para mim, mergulhando na história e nos exemplos de quem enfrentou exatamente os mesmos tentáculos ideológicos e perversos do comunismo e suas vertentes, e que chicotearam nações com muito mais crueldade.

Sem conseguir dormir, fui ontem até João Paulo II, o papa que viu e viveu o nazismo e depois o comunismo de perto em sua querida Polônia. Em tempos estranhos para os brasileiros, que nunca tiveram que enfrentar as barbáries desses regimes totalitários, recorri à força de um homem que venceu o exército da destruição com armas que eles não tinham. 
As armas da fé. Para muitos historiadores, nenhuma das realizações do falecido papa parece maior do que seu papel no final da guerra fria e na queda do comunismo soviético. A oposição de João Paulo II ao totalitarismo surgiu de sua devoção à ideia dos direitos humanos dados por Deus. O legado de João de Deus, como era carinhosamente chamado pelos cristãos brasileiros, não foi deixado apenas para aqueles que vivem na fé católica, mas para todos aqueles que entendem o real significado da palavra liberdade e do que o comunismo traz em várias esferas.

John Lewis Gaddis, professor de História Militar na Universidade de Yale, certa vez escreveu que quando João Paulo II beijou o chão no Aeroporto de Varsóvia, em 2 de junho de 1979, em sua primeira viagem como papa à terra natal, ele iniciara o processo pelo qual o comunismo na Polônia — e finalmente em todos os lugares — chegaria ao fim. E a resiliência de milhões foi testada durante anos. Acredito que todos atrás da cruel Cortina de Ferro viviam sob uma apreensão infinitamente maior do que a nossa. Felizmente, hoje temos páginas e páginas que mostram que o mal, em algum momento, sempre sucumbe diante da fé.
O professor de Yale, que não é católico, escreve sobre sua perspectiva de que a queda do Muro de Berlim, dez anos depois, em 1989, e, posteriormente, do comunismo começou naquele dia de junho. Um milhão de poloneses se espalharam pelas ruas de Varsóvia e ao redor da Praça da Vitória, onde uma missa papal seria celebrada, e mostraram ao regime soviético, com medo, mas também coragem, que a Polônia lutaria com o que tinha.

Diante de milhões, pelas ruas, nas TVs e rádios, João Paulo II pregava a verdadeira história da Polônia — a história de um povo formado por sua fé. Enquanto o papa falava, um canto inesperado ecoava pelas ruas até a praça: “Queremos Deus! Queremos Deus!”. Era a voz da Polônia, parte do bloco comunista, onde a guerra contra a religião da doutrina marxista-leninista imperava, gritando “Queremos Deus!” para todo o mundo ver e ouvir que a fé e a esperança não sucumbiriam ao comunismo — regime fortalecido quando o ateísmo é enaltecido.

Confesso que algumas lágrimas brotam dos olhos ao escrever essa passagem da Polônia e seu povo. Criada em um lar cristão, eu tive a sorte de crescer vendo e ouvindo o papa João Paulo II. O nome do meu irmão era João Paulo por causa dele. Após a sua morte, em 2005, eu mergulhei em sua obra, sua vida e seu legado, e foi uma viagem sem volta. Hoje, as imagens desse evento fazem uma conexão em minha cabeça, de alguma maneira, com a nossa gente. 0

Papa João Paulo II em Munique, em 1980 | Foto: Wikimedia Commons

Diante de um imenso aperto no coração pelo Brasil, olho para João Paulo II como um pai espiritual. Há tantos motivos para agradecer a Deus por esse homem, e tantos motivos pelos quais busquei inspiração nele em tantas ocasiões da minha vida, como agora. Sua coragem, seu espírito de missão, sua defesa intransigente da dignidade da pessoa humana, seu amor pelos jovens, seu trabalho pela paz e sua contribuição para a queda do comunismo no Leste Europeu são um refúgio em tempos de grandes tempestades.

De muitos dos caminhos que podem ser tomados para um alento no santo pontífice, talvez o fio de ouro que pode ser profundamente útil para todos nós neste momento seja a virtude que João Paulo II impregnava em tudo o que ele representava: a esperança. O papa São João Paulo II foi e continua a ser, conforme identificado por seu principal biógrafo, George Weigel, uma “Testemunha da Esperança” (“Witness of Hope“).

Depois de um baque como o desta semana, é preciso beber na fonte da esperança real de São João Paulo II, fundamentada na convicção de que a vitória final pertence a Cristo, uma vitória que Ele já conquistou na cruz. Uma esperança, na verdade, fundada na promessa de Jesus na Última Ceia: “No mundo, tereis aflições, mas tende coragem, porque eu venci o
mundo” (João 16:33).

 

João Paulo II em 1988 | Foto: WIkimedia Commons

João Paulo II viveu a perda de toda a sua família, o horror da Segunda Guerra Mundial, a devastação do comunismo. Ele foi baleado e quase morto, teve um câncer no intestino, foi acometido pela doença de Parkinson e muitas outras provações. No entanto, ele nunca perdeu a esperança e mostrou ao mundo que se manteria de pé até o fim de seus dias.

Em uma entrevista publicada no final de sua vida, ele relembrou a crueldade dos regimes nazista e comunista que testemunhou na pele, descrevendo-os como “ideologias do mal” que surgiram por causa da rejeição de Deus como Criador e fonte determinante do respeito à vida. Mesmo nas terríveis memórias, e através de tudo isso, João Paulo olhou para trás e falou sobre os limites que Deus impôs ao mal naquela época da história europeia. De acordo com os ensinamentos do pontífice, o exemplo de que os limites ao mal já foram impostos pelo bem divino está em Cristo e Sua vida — a batalha heroica contra o pecado, contra a morte e a vinda da ressurreição vitoriosa. Para o papa, querido por muitos até fora da Igreja Católica, esse era o poder divino que havia entrado de vez na história e seria para sempre a fonte de esperança para aqueles que acreditam Nele. Com Cristo, explicou, o mal sempre seria vencido e a esperança triunfaria em todos os lugares e circunstâncias.

Essa era a fonte inabalável da esperança real de João Paulo como sacerdote, bispo, papa e um dos grandes líderes mundiais da história.


A força da oração, do pensamento baseado nessa esperança real de João Paulo II de que um mal maior que permeia o mundo vai ser vencido, começa com “pequenas” esperanças cotidianas

Hoje, precisamos de esperança. Há sinais preocupantes à nossa volta de que as pessoas estão perdendo a fé e se anestesiando com o desespero e o sentimento de inércia. Somos tentados a perder o fio da fé quando confrontados com os muitos desafios que nosso amado país enfrenta. Todo santo dia.

Em um deserto sem palavras para expressar nossa indignação, medo e desalento, qual pode ser a razão de nossa esperança? A mesma de São João Paulo II: que Cristo, escorraçado e morto na barbárie, já venceu todas as coisas e continua presente e ativo no mundo, mesmo em meio a todos os ditadores e regimes totalitários. Seu amor vencerá todo o mal, a escuridão e o desespero. Lá fora e dentro de nós. E isso é um fato.
Um exemplo dentro de nossa geração, e que precisa ser passado adiante, é exatamente o que João Paulo II testemunhou durante toda a sua vida de cristão. E é o que testemunharemos — por mais que as circunstâncias mundanas nos mostrem outra coisa, por mais que sejam reais e doloridas aos nossos olhos, elas ainda são “apenas” mundanas. A força da oração, do pensamento baseado nessa esperança real de João Paulo II de que um mal maior que permeia o mundo vai ser vencido, começa com “pequenas” esperanças cotidianas.

Tive o privilégio de conhecer um ex-assessor de Ronald Reagan que teve a honra de encontrar o papa nos anos finais de sua vida. Ele relata que quando apertou as mãos que abençoaram o mundo por quase 27 anos e que quando ouviu a voz que inspirou milhões em todo o mundo e que, principalmente, quando olhou nos olhos sorridentes de um homem que sobreviveu aos nazistas, aos comunistas, à bala de um assassino e duas doenças graves, ele só conseguia pensar: “Se ele ainda tem esperança, que desculpa encontraremos para não ter?”.

A esperança que nutrimos em nossa família e para a nossa família começa no fato de que estamos unidos pela morte e ressurreição de Cristo — em pequenos e grandiosos atos. E eles começam com apenas um dia sem perder a fé. Só hoje. Como João Paulo II nos lembraria, Deus sempre impôs limites ao mal. E não será diferente agora.

Leia também “O mundo falhou com as mulheres”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste 

 

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Na barra da toga do STF - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Ministros não podem — jamais — decidir por nós. Eles não receberam nem um voto sequer para dizer publicamente o que acham da legalização da maconha, quiçá legislar em nosso nome

 

 Área de Skid Row, na Califórnia, maior cracolândia dos Estados Unidos, em 24 de novembro de 2022 | Foto: Shutterstock

Na mesma semana em que um policial militar foi morto por um sniper do crime organizado, o Supremo Tribunal Federal deu indicações de que formará maioria para descriminalizar o porte de maconha.  
Na quinta-feira, 27 de julho, os policiais da Rota, tropa de elite da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Patrick Bastos Reis e Fabiano Oliveira Marin Alfaya foram baleados durante patrulhamento em uma comunidade no Guarujá, litoral de São Paulo. 
Socorridos, Alfaya permanece em observação, mas Patrick não resistiu aos ferimentos e faleceu, deixando a mulher e um filhinho de 3 anos. De acordo com a PM, os policiais faziam parte de reforço enviado para o litoral para combater a criminalidade na região, com foco no tráfico de drogas e roubo de cargas.

 

O soldado Patrick Bastos Reis, que foi assassinado por criminosos no Guarujá | Foto: Divulgação/PMSP

Perdoem-me a repetição, mas ela é necessária: um policial da tropa de elite do estado de São Paulo foi morto por um sniper do tráfico que, com armamento especial de longo alcance, usado por militares e forças especiais no mundo, mirou e assassinou um homem da ordem e segurança pública — um herói que, como milhares e milhares espalhados pelo Brasil, sai todos os dias de casa para fazer nossa proteção sem saber se volta para o seio familiar.publicidade

A guerra travada contra as drogas e toda a criminalidade que envolve o tráfico perde um importante aliado esta semana. 
A corte mais alta do país, que deveria zelar pela ordem social, pelo império das leis e pela exaltação de nossos policiais, demonstra de maneira trágica uma leniência perigosíssima com o mundo e o submundo dos entorpecentes, e que vai contra tudo o que democracias sólidas pelo mundo jamais toleram: a falta da aplicação das leis a quem comete ilicitudes. 
 
Morando nos Estados Unidos há 15 anos, e na Califórnia, estado com legislações não apenas lenientes e absolutamente irresponsáveis para o porte e venda de drogas, chega a ser estarrecedor assistir ao Supremo Tribunal Federal retomar o julgamento sobre o porte de maconha no Brasil. Diante da já absurda violência — quase fora de controle — perpetrada pelo tráfico no Brasil, é aterrorizante testemunhar a corte mais importante do país legislar em prol de bandidos. Sim, legislar. [na prática equivale a liberar o tráfico de drogas.] 
Vivo em um estado norte-americano em que esse tipo de caminho — sem volta — já está sendo trilhado há alguns anos e sou testemunha ocular das portas que são abertas para o inferno em muitos níveis. 
Há muitos fatos e dados que já podem ser importados para esse debate. Mas onde está o Congresso na matéria, lugar correto para essa conversa?
Onde estão nossos legisladores que deveriam estar trazendo o assunto ao ambiente propício para qualquer demanda pública?

Ministros não podem — jamais — decidir por nós. Eles não receberam nem um voto sequer para dizer publicamente o que acham desse debate, quiçá legislar em nosso nome.

O voto mais recente nessa matéria, empurrada há anos por partidos de esquerda no Brasil para a barra da toga do STF, foi do ministro, vítima, investigador, policial, defensor público, advogado de acusação e defesa, juiz, e agora deputado e senador Alexandre de Moraes, que votou a favor da descriminalização do porte de maconha e pela fixação de critérios objetivos para “diferenciar o usuário do traficante”. 
Isso seria aplicado pela quantidade de droga encontrada em posse da pessoa. 
Em tese, a posse de uma quantidade entre 25 e 60 gramas caracterizaria um usuário; mais que isso, poderia ser considerado tráfico.

A repetição de um filme ruim
Para quem mora em estados americanos que descriminalizaram o porte de maconha, como a Califórnia, isso parece a repetição de um filme ruim. Já conhecemos o desfecho, e ele não tem um final feliz. 

Aqui, a falsa bandeira da separação entre “usuário e traficante” abriu portas inimagináveis e terríveis, e que jamais serão facilmente fechadas. Há hoje uma corrosão irreversível no tecido social em partes do estado que já mudaram para sempre a paisagem física e mental em um dos estados mais bonitos da América.

Devido ao federalismo norte-americano e à autonomia e independência dos estados para passarem suas legislações, experiências sobre o tema já podem ser analisadas por números. 
Alguns estados têm legislações em que o plantio e uso são apenas medicinais, enquanto em outros o consumo da maconha para uso recreativo é permitido. E são exatamente esses “laboratórios de democracia” que podem nos mostrar — em números e estatísticas, e não discursos ideológicos glamourizados por ativistas até no Poder Judiciário — as portas que podem se abrir no Brasil. 
E, para isso, vamos atrás de quem entende do assunto.
 
O norte-americano Kevin Sabet foi três vezes conselheiro do Gabinete de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca, tendo sido a única pessoa indicada para esse cargo tanto por um republicano (administração de George W. Bush) quanto por democratas (governos Bill Clinton e Barack Obama)
Sabet, professor na Escola de Medicina da Universidade de Yale e autor do livro Smoke Screen – O Que a Indústria da Maconha Não Quer Que Você Saiba, alerta para os vários perigos da matéria que pode ser empurrada goela abaixo da sociedade brasileira pelo STF.

Kevin, com quem já tive o privilégio de conversar algumas vezes e trocar algumas pesquisas, alerta-nos de que foi exatamente assim — sob o manto da “maconha medicinal” ou “descriminalização de pequenas quantidades para pequenos usuários” — que alguns estados americanos abriram a porta para a droga, e que hoje veem seu uso legalizado para recreação, trazendo um efeito dominó de danos.

Uma das muitas pesquisas de Sabet mostra dados alarmantes onde a droga passou de uso medicinal, adquirida apenas com receita médica, para descriminalização e uso recreacional ao longo de poucos anos. Nesse estudo, o instituto mostra importantes alertas que vêm dos estados que saíram na frente na legalização do uso da cannabis sativa, como Colorado e Washington.
Taxas crescentes de uso de maconha por menores.
Aumento das taxas de prisão de menores, especialmente crianças negras e hispânicas.
Taxas mais altas de mortes no trânsito por dirigir enquanto sob efeito da substância.
Mais intoxicações relacionadas à maconha e mais hospitalizações.
Um mercado negro persistente que pode envolver agora o aumento da atividade do cartel mexicano no Colorado.

Desde que o Colorado e o estado de Washington legalizaram a maconha, o uso regular da droga entre crianças de 12 a 17 anos tem estado acima da média nacional e vem crescendo mais rápido do que a média nacional. Além disso, o Colorado agora lidera o país entre os jovens de 12 a 17 anos em:

Uso de maconha no ano passado.
Uso de maconha no último mês.
Porcentagem de pessoas que experimentam maconha pela primeira vez.

O Colorado, primeiro estado a descriminalizar e legalizar a droga para uso recreacional em 2012 (primeiramente era legalizada apenas para uso medicinal), hoje é o campeão no uso da maconha por menores. Outro problema envolvendo menores está na taxa de suicídio entre adolescentes no estado. A maconha, junto com opioides, está diretamente relacionada com essa trágica estatística.Foto: Shutterstock

Há também nesse caminho, reaberto pelo STF, a utopia e a falácia dos militantes da legalização de drogas em relação a um suposto aumento de receita tributária e redução do crime

Entre os jovens, as tendências sugerem que a legalização da maconha esteja associada a maior incidência de infrações escolares no ensino médio. 
Jovens em liberdade condicional apresentam mais testagens positivas para maconha do que nunca. 
Em apenas três anos, a taxa do uso da droga aumentou de 28% para 39% entre — pasmem! — crianças de 10 a 14 anos.
 
Impacto nas comunidades negras e latinas
Uma investigação de 2016 feita pelo jornal Denver Post, e adicionada à pesquisa do instituto de Sabet, revelou que uma parcela desproporcional do mercado da maconha agora está localizada em comunidades de baixa renda e minorias, comunidades que costumam sofrer impactos díspares do uso de drogas
Um dos bairros de baixa renda de Denver tem, por exemplo, um negócio de maconha para cada 47 residentes. 
Isso é semelhante a um estudo da Universidade Johns Hopkins que mostra que, predominantemente negros de baixa renda em bairros em Baltimore foram oito vezes mais propensos a ter lojas de bebidas alcoólicas do que os bairros brancos ou racialmente integrados.

A atividade no mercado paralelo desde a legalização
 De acordo com o estudo do Instituto SAM com as autoridades americanas, a receita gerada do imposto sobre o consumo da droga compreende uma minúscula fração do orçamento do estado do Colorado, menos de 1%. Os distritos escolares do Colorado nunca viram um único dólar dos impostos estaduais sobre a maconha. No estado de Washington, metade da receita dos impostos da maconha prometidos para políticas de prevenção e melhoria de escolas foi desviada para o fundo geral estadual.

Os policiais dizem que o mercado ilegal e sem licença ainda está prosperando e em algumas áreas até se expandiu. Thomas Allman, xerife do condado de Mendocino, é categórico: “Há muito dinheiro a ser ganho no mercado paralelo. A descriminalização e a legalização certamente não tiraram os policiais do trabalho. O mercado paralelo nunca esteve tão forte. Os traficantes jamais pagarão impostos”, disse Allman. Até o governador democrata da Califórnia, Gavin Newsom, já declarou que os cultivos ilegais no norte da Califórnia estão piorando, e que tropas da Guarda Nacional estão em constantes operações na fronteira com o México para desativar fazendas ilegais de cannabis.

Desde que a maconha medicinal foi legalizada na Califórnia há mais de duas décadas, a indústria da cannabis explodiu com supervisão mínima. Logo veio a descriminalização e legalização. Agora, muitas empresas que vendem a droga estão relutantes em passar pelo processo complicado e caro para obter as licenças que se tornaram obrigatórias. A licença até vem, assim como uma das maiores mordidas fiscais dos Estados Unidos.

Esse comércio ilícito foi fortalecido também pela crescente popularidade do vaping, balas com infusão de maconha, chocolates, bolos e outros produtos derivados
Os cartuchos para vaping são muito mais fáceis de carregar e esconder do que sacos de maconha crua. 
Os incentivos monetários do tráfico também permanecem poderosos: o preço dos produtos de maconha em lugares como Illinois, Nova York e Connecticut é normalmente muitas vezes mais alto do que na Califórnia, o que faz com que as exportações ilícitas de cannabis do estado só aumentem.

De volta ao Colorado, a legalização da maconha parece ter aberto a mesma porta para as operações do cartel mexicano. O Gabinete do Procurador-Geral do estado observou que a legalização inadvertidamente ajudou a alimentar o negócio dos cartéis, que agora trocam drogas como heroína por maconha, além do tráfico de pessoas.

Imagino que, se você for um libertário, mesmo depois de todos os estudos e estatísticas dos malefícios da droga e do perigo do manto “medicinal e pequenas quantidades para usuários, não tráfico”, aqui é o ponto onde você diz: “Mas onde está a liberdade e responsabilidade individual que vocês, conservadores e liberais, pregam?”. Bem, as estatísticas não param.

Outra consequência séria da descriminalização e legalização da maconha é o aumento da combinação “intoxicação/chamadas de emergência/pronto-socorro/uso hospitalar” relacionada à droga. 
As chamadas para o controle de intoxicação e emergência no estado de Washington aumentaram, a partir de 2012 (pré-legalização), em 68% em apenas três anos. 
No Colorado, durante o mesmo período, o número subiu para 109%. 
Ainda mais preocupante, as ligações no Colorado relacionadas a crianças de 0 a 8 anos de idade aumentaram nada mais que 200%. 
 Da mesma forma, no Colorado, hospitalizações relacionadas à maconha aumentaram mais de 70% desde a legalização.


Agora imagine um país como o nosso Brasil, onde a saúde nunca saiu da UTI, nem mesmo antes da pandemia, suportar — com dinheiro público um cenário desses? A velocidade empregada na normalização e banalização de assuntos que merecem o mínimo de discernimento e honestidade é assustadora.

Já tiraram as armas da população honesta. Durante a pandemia, as forças policiais não puderam fazer operações nas comunidades [muitos não gostam, mas comunidades é o sinônimo do maldito 'politicamente correto' para favelas.]cariocas.  
Durante as eleições presidenciais de 2022, fomos censurados, e foi proibido reproduzir as gravações da Justiça que mostravam os “diálogos cabulosos” entre o PT e o PCC
Fomos também proibidos de dizer que Lula era amigo de ditadores como Daniel Ortega e Nicolás Maduro, ditador da Venezuela acusado e indiciado por narcotráfico pelo governo dos Estados Unidos.

Em uma entrevista espetacular para o Oeste Sem Filtro nesta quinta-feira, 3 de agosto, o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, oficial da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) e quem comandou o Pelotão da Rota de 2010 a 2013 e o Pelotão de Força Tática no 49° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano em 2013, sintetizou em uma frase o que cenários de leniência com o mundo das drogas significam para cidadãos e policiais: “A mãe de todos os crimes é o tráfico de drogas”.


Leia também “A culpa é da Barbie?”

Coluna -  Ana Paula Henkel, Revista Oeste

 

 

Abigail Disney - A herdeira milionária que vive no mundo mágico da lacração - IDEIAS

Ideias - Omar Godoy

Perfil   

Quando Abigail Disney fez 21 anos, ela foi informada que acabara de receber uma fortuna de herança, fruto do império de entretenimento que leva o nome de seu tio-avô Walt Disney. 
Mas, ao contrário da reação que eu – e acredito que você também - teria, ela detestou. “Eu fiquei muito, muito aborrecida. Diria até que fiquei traumatizada com o número”, conta Abigail.  
 
O “trauma” a fez seguir um caminho diferente. Em vez de trabalhar nas empresas da família, preferiu se tornar uma justiceira social, que faz protestos contra o uso de jatinhos particulares (que ela descobriu abominar quando se viu voando sozinha em um Boeing 737). 
O editor Omar Godoy conta a história de Abigail, que guarda muitas semelhanças com outras pessoas que nasceram em berço de ouro graças ao esforço dos pais, mas parecem se ressentir disso.

Abigail Disney durante um protesto ambientalista em Nova York contra o uso de jatinhos particulares| Foto: Divulgação/Margaret Klein (Climate Emergency Fund)

“Era uma espécie de cerimônia. Quando completávamos 21 anos, nosso advogado nos levava para almoçar e informava quanto havíamos herdado. Quando chegou a minha vez, em 1981, soube que receberia US$ 10 milhões [R$ 49,2 milhões na cotação atual]. Eu fiquei muito, muito aborrecida. Diria até que fiquei traumatizada com o número.”

É assim que Abigail Disney,
herdeira de um dos maiores conglomerados de entretenimento do planeta, costuma contar como ela e seus três irmãos descobriram que seriam ricos para sempre. Sobrinha-neta de Walt, neta de Roy Oliver (cofundador da companhia) e filha de Roy Edward (responsável pelo chamado “renascimento da Disney”, no final da década de 1990, quando a empresa voltou a produzir animações de sucesso, como ‘A Pequena Sereia’ e ‘O Rei Leão’), ela seguiu os passos da família e também atua no meio audiovisual.

Seu campo de trabalho, no entanto, não é o dos desenhos, comédias ou filmes de aventura. Aos 63 anos, Abigail é uma ativista política e diretora de documentários que buscam denunciar a opressão contra os menos favorecidos.  
Uma atividade nobre em se tratando de uma mulher privilegiada, com ótima educação superior (fez cursos em Yale, Stanford e Columbia) e dona de um patrimônio atualmente estimado em cerca de US$ 500 milhões (R$ 2,46 bilhões na cotação atual).
 
Mas, para parte da opinião pública norte-americana, Abigail é uma milionária mimada e vaidosa, que encontrou na justiça social uma janela para se promover e sair da sombra de seus parentes famosos. 
Sua última “sinalização de virtude”, como se diz nos EUA, aconteceu há duas semanas, quando ela foi detida e fichada em um aeroporto de Nova York durante um protesto contra o uso de jatinhos particulares.

Liderados por entidades ambientalistas, os manifestantes invadiram a pista e formaram uma espécie de barreira humana, rapidamente desfeita pela polícia — o que não impediu a circulação global dos registros em fotos e vídeos. Dias depois, Abigail escreveu um artigo para o jornal britânico The Guardian sobre o ocorrido intitulado “Eu costumava andar de avião particular, agora prefiro ser presa protestando contra eles”.

O texto defende a ideia de que os voos privados são insustentáveis e moralmente indefensáveis em tempos de uma suposta catástrofe ecológica iminente. 
E traz uma passagem na qual a herdeira do império Disney relata como se conscientizou com relação à causa. “Meu pai tinha um Boeing 737 com uma cama queen size. Eu adorava aquele avião. 
Mas, um dia, voando sozinha da Califórnia [seu estado natal] para Nova York [onde mora], tive uma epifania. 
Meu conforto e conveniência de repente pareciam problemas ridiculamente pequenos quando confrontados com o trem de carga climático que está vindo em nossa direção.”

Em tempo: no dia seguinte da publicação, o Guardian retirou do artigo a informação de que 50% das emissões de carbono da aviação são causadas por jatos particulares. “O dado foi baseado em uma leitura incorreta das estatísticas”, explicou o jornal.

Para a ativista, a Disney perdeu sua “bússola moral”
Casada com o produtor de cinema Pierre Hauser e mãe de quatro filhos, Abigail gosta de dizer que se converteu ao progressismo na universidade de Yale, no início dos anos 1980, quando ganhou de uma amiga camisetas com a imagem de Che Guevara e o símbolo dos sandinistas da Nicarágua. “Na faculdade, entendi que Ronald Reagan não era uma boa pessoa. E meus pais adoravam o chão por onde ele pisava. Isso se tornou uma coisa muito dolorosa para mim”, afirmou, em 2019, à revista New Yorker.

Essa foi apenas uma das várias ocasiões em que a diretora expôs ou criticou publicamente a própria família e a fonte de sua fortuna. Segundo ela, o pai trocou a mãe, doente de Alzheimer, por uma mulher muito mais jovem, e o tio-avô, Walt, era racista, sexista e antissemita. Mas o ponto alto desse fogo amigo foi a produção de ‘The American Dream and Other Fairy Tales’ (‘O Sonho Americano e Outros Contos de Fadas’), um filme-denúncia sobre as péssimas condições de trabalho nos parques da Disney.

Lançado no ano passado, o documentário acompanha a rotina de quatro funcionários da Disneylândia, na Califórnia. Com sérias dificuldades para sobreviver devido aos baixos salários recebidos, alguns deles chegam a procurar comida no lixo para alimentar seus filhos. “A Walt Disney Co. seguiu o caminho de quase todas as grandes companhias deste país e também começou a se achar maior do que tudo. Era uma empresa mais humana, gentil e bondosa. Mas perdeu sua bússola moral”, disse a cineasta durante a divulgação do longa.

Em uma nota enviada à imprensa, um porta-voz do conglomerado afirmou: “O relato da ativista social e cineasta é um exagero grosseiro e injusto dos fatos”. O comunicado ainda traz informações que contestam a narrativa do filme — especialmente quanto à política de correção salarial, cobertura de saúde, assistência infantil e acesso ao ensino superior gratuito, entre outros benefícios oferecidos pela empresa.

Nos bastidores, comenta-se que o documentário é fruto de uma picuinha pessoal envolvendo Abigail e Robert Iger, CEO da companhia e sistematicamente condenado pela herdeira por conta dos altos salários e bônus anuais que define para si.
A rixa teria começado em 2003, quando seu pai pediu para deixar o conselho da Disney, em um movimento que teve como consequência a escalada de Iger (notório por dobrar a receita global da empresa em sua gestão). Desde então, nenhum membro da família participa da administração do grupo.

Diretora é considerada superficial em seus documentários
Mesmo tendo recebido um Emmy — o principal prêmio da televisão americana — pelo documentário ‘The Armor of Light’ (‘A Armadura de Luz’, de 2015, acerca da relação entre a religião e a cultura armamentista nos EUA), Abigail não é exatamente uma realizadora consagrada no meio cinematográfico. Para muitos críticos, seus trabalhos, seja como diretora ou produtora, são parciais, possuem uma linguagem arrastada e trazem abordagens superficiais, além de manipular emocionalmente os personagens para comover o público.

‘Pray the Devil Back to Hell’ (‘Reze para o Diabo Voltar ao Inferno’, 2008),
por exemplo, sobre o papel pacificador das mulheres durante a guerra civil da Libéria, recebeu avaliações negativas por não mostrar o contexto sociopolítico do país, entregando para o espectador uma visão incompleta daquela realidade.

"Forks Over Knives" (de 2011, conhecido no Brasil como “Troque as Facas pelos Garfos”) peca por promover uma dieta 100% vegetariana sem apresentar dados científicos rigorosos. E mesmo o premiado ‘The Armor of Light’ foi acusado de omitir perspectivas diferentes das defendidas pela cineasta.

Esses comentários se estendem ao ativismo da “pessoa física” Abigail, considerado vazio, marqueteiro e desconectado do mundo real
Do alto de seu castelo, construído pela empresa que tanto denuncia, ela jamais fez o mínimo esforço para resolver internamente, em nível corporativo, os problemas de ordem social apontados pelos empregados da Disney.

E por mais que alegue já ter doado US$ 70 milhões (R$ 344,4 milhões) para a caridade nos últimos 30 anos, esse valor é bem inferior ao destinado por outros filantropos da indústria do entretenimento — o próprio Robert Iger, seu “rival, e rico há menos tempo, comanda uma fundação com ativos avaliados em mais de US$ 100 milhões (R$ 492 milhões).

Por trás da lacração de seus protestos performáticos, Abigail Disney parece ainda habitar um reino de fantasia paralelo, onde ignora a complexidade da vida contemporânea e não dá sinais de que está realmente comprometida com mudanças efetivas.

Omar Godoy, editor, Gazeta do Povo - IDEIAS

 

 

 


quinta-feira, 25 de junho de 2020

A trincheira do farol - Leandro Karnal

O Estado de S.Paulo

O vendedor dos cruzamentos é um termômetro rápido que daria inveja a muitos especialistas

As grandes corporações possuem departamentos de marketing, gestores de estratégia, pensadores sofisticados que acompanham as mais recentes Ted Talks sobre tendências estudadas em Harvard e Yale. Por vezes, imagino, deveriam abrir mais o vidro do carro parado em um sinal na esquina das grandes cidades do Brasil. Nonsense? O vendedor dos cruzamentos é um termômetro rápido que causaria inveja a muitos especialistas. Ele mede com precisão o “humor” do mercado e do consumidor. O tempo nublou? Nuvens pesadas anunciam tormenta? Capas de plástico e guarda-chuvas surgem nas mãos laboriosas do ambulante. Choveu e os mosquitos se multiplicaram? Raquetes elétricas serpenteiam entre os espelhos retrovisores. Joga o Corinthians? Preto e branco se espalham entre bandeiras, camisetas e bolas customizadas. O homem talvez tenha time em casa, o vendedor da rua tem público e mercado: pode estar de verde no dia seguinte.

O dia termina e os carros voltam da sua jornada. O ágil mercador identifica veículos dirigidos por homens. Chega e oferece um buquê de rosas pronto e bonito. Sugere levar algo para a esposa. O empresário pensa na boa ideia e, por amor ou culpa, compra em rápida negociação. O tempo é curto. Não é a barganha elaborada e ritualística de um tapete no Grande Bazar de Istambul. A leitura do rosto e da intenção do comprador deve ser mais ágil do que o diligente turco com o kilim nas mãos. Tudo deve ser resolvido no prazo máximo de um minuto. Terminado o tempo, o sinal abre e o cliente foge.

Horários de fome do meio da tarde? “Larica” espalhando sua influência na metrópole? Surgem frutas em bandejas e até casquinhas crocantes acompanhadas de um sorriso. Cajus enfileirados causam impacto visual. O notável é que as comidas são oferecidas pelo mesmo ambulante que, uma hora antes, empunhava mapas. Sim, vendem-se peças cartográficas nas esquinas! Enrolados ou abertos, apelam a pessoas mais velhas que os usaram na escola. Talvez aquele senhor septuagenário compre para dar ao neto. Também provável que o adolescente presenteado agradeça com educação e pense que tem um aplicativo mais prático no seu celular para aprender Geografia.

Quando é seguro, deixo o vidro aberto nas esquinas. Escuto e aprendo. Sou chamado de “doutor”, “campeão”, “grande”, “bacana” e recebo um sorriso embebido em treino de palco urbano. Vender é esbanjar simpatia. Frases de impacto, gestos marcados e eficazes: tudo ajuda naquela luta instantânea. Um autônomo de farol poderia dar cursos muito instrutivos para uma pós-graduação em técnicas de venda.  Há espaço para a criatividade empreendedora. As pessoas comuns vendem garrafas plásticas de água. O empreendedor original se veste de garçom. Por quê? A camisa branca, a calça preta, a gravata-borboleta e a pochete com dinheiro trocado (ok, ninguém é perfeito) agregam rápida identificação com uma personagem confiável. Quem faz propaganda na televisão ou foto publicitária sabe que o consumidor necessita identificar uma enfermeira ou professora em segundos rápidos. O estereótipo é eficaz. O público precisa conhecer em um olhar quem é e o que vende. A personagem vende muito mais.

Todo trabalho honesto é digno. Eu substituí meu azedume de outrora pela tentativa de ver e aprender. Ali andam, rápidos, seres humanos lutando para sobreviver, como eu. Apenas algumas coisas me irritam muito: crianças usadas para esse fim. Sabendo que somos mais simpáticos ao vendedor mirim, constato, em pleno horário escolar, os pequenos passando entre os carros. Em geral, mais adiante, gordos progenitores descansam sob uma sombra. Nunca compro de menores e ainda reafirmo forte: “Você deveria estar na escola”. Uma única vez parei o carro e fui vociferar contra um senhor (pai?) que colocava três meninas vendendo. É perigoso fazer o que eu fiz, mas o fato me tira do cercadinho da razão.

Há mais ambiguidades no comércio que estou tratando além da exploração do mundo infantil. Há produtos sem nota fiscal, contrabando frequente, controle de qualidade inexistente, condições sanitárias claudicantes com a comida oferecida, falta de licenças ou alvarás e uma concorrência com aquele comerciante que, na sua loja, paga impostos altos para ter o direito que o da rua obteve gratuitamente. A concorrência é real e marcada pela desigualdade. A informalidade é um imperativo que deve crescer ainda mais na crise atual. Aprendi algo novo conversando com vendedores. Nem sempre, ao lado do seu carro, está um autônomo que vende seus produtos. Por vezes, há um chefe por detrás dele. Alguém que tem capital para comprar mais, organizar, trazer o vendedor e constituir um novo tipo de empresário. Assim, sem nenhum amparo trabalhista, surgem formas de ocupação que geram recursos para alguém bem distante daquele sorridente ser humano ali presente.

Por fim, com suas genialidades e ambiguidades, temos algo a aprender observando mais e conversando mais. Independentemente de tudo, um ser humano merece sempre nossa simpatia por estar ali, de pé, lutando. Para mim ou para você, muitas vezes, chama-se importunação. Para ele, sempre, intitula-se sobrevivência. Compro pouco, mas tento ver que existe alguém. Ser invisível é um castigo enorme para quem tem pressa em comer. O farol é a trincheira de uma guerra difícil e sorridente. É preciso ter esperança e um pouco de empatia em momentos bicudos como o atual.

Leandro Karnal, colunista - O Estado de S. Paulo


quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O que aconteceu com culpados depois de grandes atentados?




Todo atentado contra figuras políticas é uma falha de segurança e os serviços de proteção tiram lições importantes; culpar a vítima não é uma delas


O homem que não matou Ronald Reagan por uma distância de apenas dois centímetros entre a bala alojada no pulmão e o coração -, está livre e solto, morando no casarão da mãe.

O que explodiu uma bomba no quarto de hotel um andar acima de onde estava Margaret Thatcher, em 12 de outubro de 1984, matando cinco pessoas, saiu da cadeia com o acordo de pacificação da Irlanda do Norte e vive sem grandes preocupações.
(A primeira-ministra, claro, escapou, mandou todos os que podiam andar comprar ternos novos para prosseguir com a convenção do Partido Conservador e escreveu um bilhete pessoalmente para cancelar o cabeleireiro naquele dia, mas agradecendo pelo penteado que aguentou tão bem os infaustos acontecimentos. Não é qualquer uma que pode ser chamada de Dama de Ferro).

Yigal Amir, o assassino de Yitzhak Rabin, continua preso, mas conseguiu romper o isolamento total em que passou quinze anos. Casou-se na prisão com uma escritora russa emigrada para Israel, seguidora da corrente ortodoxa do judaísmo.
Ela largou o marido, com quem tinha quatro filhos, para ficar com o assassino que continua a ser idolatrado por uma minoria de religiosos ultrarradicais para quem Rabin estava traindo Israel. Conseguiu direito a visitas conjugais e, em 2007, teve um filho com Amir.
Todos estes atentados foram produto de “falhas colossais” de segurança, como foi determinado no caso de Reagan.

Aconteceram nos países com os melhores serviços de proteção do planeta, cada qual no seu estilo. Inevitavelmente, provocaram inquéritos rigorosos e mudanças nos métodos usados.  Sem contar a enorme frustração entre os responsáveis pelos esquemas furados – além de choro, sentimentos de culpa e pedidos de demissão.

No caso do diretor do Shin Bet, o serviço de inteligência interna que faz a segurança dos líderes israleneses, o pedido foi aceito um ano depois, para não passar recibo.  Em nenhum desses casos as vítimas foram responsabilizadas. Os diferentes destinos dos criminosos que os praticaram mostram o funcionamento do estado de direito de acordo com a tradição de cada país e as condições específicas de cada caso.

MALUCO RACIONAL
O de John Hinckley, por exemplo, continua a provocar uma discussão eterna: por que a justiça aceita a alegação de insanidade em relação a criminosos que “não rasgam dinheiro”. Ou seja, operam com racionalidade na execução de suas tramas perversas, sem sinais do comportamento claramente desequilibrado dos doentes mentais.

De boné, agasalho esportivo e um sorriso difícil de esconder, John Hinckley já superou esta fase do debate. Anda tranquilo pelas ruas arborizadas de Williamsburg, na Virginia, pertinho de Washington.
O presidente Ronald Reagan, que ele mirou com um quase ridículo revólver calibre .22 , uma arma tosca do tipo “saturday night special”, deixou o mundo depois de um longo inverno de senilidade, em 2004, e de uma presidência bem sucedida e popular.
James Brady, o secretário de Imprensa que foi o mais gravemente ferido das quatro vítimas atingidas pelas seis balas disparadas por Hinckley no dia 30 de março de 1981, morreu depois de 30 anos em cadeira de rodas, com grave comprometimento das funções cerebrais.
Sua morte foi considerada um homicídio, devido às sequelas do tiro na cabeça.
A decisão teve efeito zero sobre Hinckley, considerado inimputável por transtorno de personalidade esquizóide e depressão. Internado em hospital psiquiátrico, em 2016 finalmente conseguiu que um juiz endossasse uma avaliação psiquiátrica favorável.
Como a maioria dos americanos na sua faixa etária – 63 anos -, está acima do peso. Trabalha com venda de livros pela Amazon.

Não tem problema de dinheiro. Os pais eram ricos e se mudaram para ficar perto dele durante a internação. A mãe ainda está viva e cuida da casa grande, ao estilo americano.
Em várias tentativas anteriores de conseguir a liberação, Hinckley se deu mal. Em seu quarto sempre eram encontrados materiais referentes a Jodie Foster. A obsessão doentia pela atriz, que era uma adolescente na época, foi a causa que moveu a mão do assassino.
A tara nasceu com o filme Taxi Driver, em que Jodie é uma prostituta infantil protegida pelo motorista de táxi antologicamente interpretado por Robert De Niro, que tenta matar um senador que se candidata a presidente.
“Existe a possibilidade de que seu seja morto na minha tentativa de pegar Reagan”, escreveu ele à atriz pouco antes de sair para ficar à espreita na calçada do Hilton de Washington. “Jodie, eu abandonaria essa ideia de pegar Reagan num segundo se pudesse conquistar seu coração e viver o resto da vida com você”.
As tentativas anteriores de entrar em contato com Jodie tinham sido repassadas à direção de Yale, onde ela cursava literatura. Hinckley, obviamente, ignorava que Jodie nem gostava de homem, muito menos de um maníaco desconhecido. Enviadas às autoridades devidas, as cartas chegaram ao Serviço Secreto, que falhou miseravelmente em investigar melhor. O legendário serviço de proteção aos presidentes americanos também deixou buracos absurdos no dia do atentado.

CÍRCULOS FURADOS
O trajeto de apenas nove metros entre a limusine presidencial, afetuosamente conhecida como A Fera, e a entrada lateral do Hilton, um corredor feito para proteger presidentes, foi liberado para pessoas do público que não passaram pela checagem de segurança.
Hinckley furou dois dos três círculos concêntricos que formam o esquema clássico de proteção e praticamente atirou a queima-roupa.

Nem Reagan nem os guarda-costas usavam coletes a prova de balas, um equipamento pesado e inevitavelmente desconfortável. O dos guarda-costas nem sequer segura uma bala: é feito apenas para que não sejam traspassados por tiros que atinjam o presidente.
O corpo usado como armadura, estendido com os braços abertos para aumentar a cobertura, foi exatamente o que fez o agente Tim McCarthy, que levou um tiro no abdômen ao se colocar na frente de Reagan quando Hinckley começou a atirar – ao todo, ao longo da história, só quatro membros do Serviço Secreto americano fizeram isso.

Jerry Parr já havia empurrado Reagan para a limusine com blindagem de quase dois palmos. Calmamente, os agentes discutiram o percurso a ser seguido. Jogado sobre o presidente, Parr começou a checar seu corpo com as mãos.
Não encontrava nenhum sinal de ferimento. Quando Reagan começou a jorrar sangue pela boca, mandou o motorista mudar o trajeto e seguir para o hospital mais próximo da Casa Branca. Ainda não sabia que uma bala ricocheteada na blindagem da limusine havia entrado pela axila do presidente, chegando ao pulmão. “Espero que sejam todos republicanos aqui”, brincou Reagan com a equipe de traumatologia do hospital da Universidade George Washington. “Hoje somos todos republicanos, presidente”, respondeu o chefe da equipe, Joseph Giordano, filiado ao Partido Democrata.

Reagan estava em choque, com pressão a 60 e sofreu perda de quase 50% do volume total de sangue. A bala no pulmão, com a consequente inundação do tórax pela hemorragia, só foi localizada depois de uma extensa incisão no peito. A operação durou 105 minutos.  Outra semelhança com o caso de Jair Bolsonaro: Reagan foi salvo pela proximidade do hospital e a destreza dos médicos – e claro, os tais dois centímetros que faltaram para a bala atingir o coração.

Em 1881, quando o presidente James Garfield levou dois tiros, um no braço e outro nas costas, disparados por um advogado inconformado por não conseguir um emprego no governo, o tratamento médico que recebeu foi simplesmente pavoroso.  Indiferente ao que a medicina já sabia sobre assepsia, o médico Willard Bliss passou a escavar regularmente o buraco nas costas, com as mãos nuas, tentando localizar a bala alojada no abdômen.
Antes de morrer por infecção generalizada, Garfield ficou com o corpo inchado por pus, com o abscesso cada vez pior e a escavação cada vez mais profunda. Apodrecia, literalmente. Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, tentou localizar a bala com uma espécie de detector. A tortura durou dois meses. Quando morreu, o presidente pesava 59 quilos.
A defesa do assassino tentou, alegar insanidade pela primeira vez num caso de enorme repercussão. Charles Guiteau, o assassino, colaborou com um comportamento bizarro e declarações do tipo “os médicos mataram Garfiled, eu só dei o tiro”. Não colou. Foi enforcado em 1882, um ano depois do atentado.

‘CRIME É CRIME”
Patrick Magee, o militante do Exército Republicano Irlandês que instalou uma bomba no banheiro do quarto de hotel um andar acima de onde Margaret Thatcher estava hospedada para a convenção conservadora, cumpriu 15 anos de cadeia.
Foi beneficiado pelo acordo que encerrou o longo conflito entre a minoria católica da província da Irlanda do Norte e a maioria protestante, com intervenção do exército britânico, repressão violenta, atentados terroristas, execuções, prisões em massa e outras barbaridades cometidas pelos dois lados que ficaram conhecidas, eufemisticamente, como Trouxestes, os “problemas”.

Com o nome falso de Roy Walsh, ele se hospedou um mês antes no hotel de Brighton onde haveria a convenção. No banheiro do quarto 629, escondeu a bomba que seria detonada à distância, na madrugada de 12 de outubro de 1984, para matar o maior número possível de pessoas. Era uma vingança pela morte em greve de fome de dez presos do IRA que exigiam ser reconhecidos como presos políticos, mas foram recebidos com a resposta inflexível dela: “Crime é crime, não é política.”

E, principalmente, Margaret Thatcher. Três andares do hotel desabaram, mas ela escapou por segundos: tinha acabado de sair do banheiro que virou uma panqueca com a explosão exatamente acima dele. Fez um discurso histórico no mesmo dia.  O IRA lamentou não ter acertado a primeiro-ministra e prometeu fazer melhor da próxima vez.  O “Acordo da Sexta-Feira Santa”, em 1990, tirou Magee da cadeia, onde cumpria oito penas sucessivas de prisão perpétua.

Apesar do acordo, atualmente, ainda estão sendo investigados oficiais britânicos que participaram de atos de repressão com mortes durante a década de setenta. Todos têm idade avançada. A ideia, evidentemente abominada pelos militares, é esclarecer casos históricos.  Quando Reuven Rivlin, o presidente de Israel, foi inquirido sobre a possibilidade de indultar Yiigal Amir, o homem que acertou dois tiros em Yitzhak Rabin na saída para um estacionamento da prefeitura de Telavive, deu uma resposta contundente.
“Enquanto eu for o presidente do estado de Israel, o assassino do primeiro-ministro não será libertado.”
Hagai Amir, irmão e, segundo muitos acreditam, cúmplice, respondeu pelo Face: “Somente Deus pode decidir sobre isso. Assim como Deus decidiu pela morte de Rabin.”
Os lugares mudam, as pessoas – e as desculpas – são as mesmas.