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domingo, 21 de julho de 2019

Nas entrelinhas - Política, sexo e religião - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

“Não há força no mundo capaz de mudar a realidade das famílias policêntricas e multiétnicas, nem a complexidade das identidades de gênero no estilo de vida contemporâneo”


Clássico da sociologia brasileira, Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, é uma obra polêmica desde sua primeira edição, em 1933, pois desnudou aspectos da formação da sociedade que a elite da época se recusava a considerar. Teve mais ou menos o mesmo impacto de Os Sertões, de Euclides da Cunha, lançado em 1902, a maior e mais importante reportagem já escrita no Brasil. Seu autor descreveu com riqueza de detalhes as características do sertão nordestino e de seus habitantes, além de narrar, como testemunha ocular, a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, uma tragédia nacional.

Nas palavras de Antônio Cândido, o lançamento de Casa-Grande & Senzala “foi um verdadeiro terremoto”. À época, houve mais críticas à direita do que à esquerda; com o passar do tempo, porém, Freyre passou a ser atacado por seu conservadorismo. Essa é uma interpretação errônea da obra, por desconsiderar o papel radical que desempenhou para desmistificar preconceitos e ultrapassar valores desconectados da nossa realidade: “É uma obra surpreendente e esclarecedora sobre a formação do povo brasileiro — com todas as qualidades e seus vícios”, avalia Cândido. Consagrou “a importância do indígena — e principalmente do negro — no desenvolvimento racial e cultural do Brasil, que é um dos mais complexos do mundo.”

O presidente Jair Bolsonaro talvez tenha lido Os Sertões, de Euclides da Cunha, porque a Guerra de Canudos faz parte dos currículos das academias militares. Esse foi o livro de cabeceira dos jovens oficiais que protagonizaram o movimento tenentista, servindo de referência para toda a movimentação tática da Coluna Prestes (1924-1927), que percorreu 25 mil quilômetros pelo interior do país. Certamente, porém, não leu Gilberto Freyre, obra seminal sobre a formação da cultura brasileira, traduzida em diversos países. Se o fizesse, talvez conhecesse melhor e respeitasse mais os “paraíbas”, como são chamados os nordestinos por aquela parcela dos cariocas que se acha melhor do que os outros. Ser paraibano é naturalidade, não é pejorativo.

Mas voltemos ao leito antropológico do sociólogo pernambucano. A ideia de que o livro defende a existência de uma “democracia racial” no Brasil, disseminada pelos críticos de Freyre, é reducionista. Casa-Grande & Senzala exalta a formação de nosso povo, mas não esconde as mazelas de uma sociedade patriarcal, ignorante e violenta. A origem dessa crítica é o fato de que o autor destaca a especificidade de nossa escravidão, menos segregacionista do que a espanhola e a inglesa. O colonizador português não era um fanático religioso católico como o espanhol nem um racista puritano como os protestantes ingleses.

Família unicelular
Tanto que Casa-Grande & Senzala escandalizou o país por causa dos capítulos sobre a sexualidade do brasileiro. Entretanto, não foram os indígenas nem os negros africanos que criaram a fama de promíscuo sexual do brasileiro. Foi o sistema escravocrata e patriarcal da colonização portuguesa, que serviu para criar um ambiente de precocidade e permissividade sexuais. Tanto os índios quanto os negros eram povos que viam o sexo com naturalidade, sem a malícia sensual dos europeus.
Freyre lutou como um gigante contra o racismo “científico”, que atribuía aos indígenas e ao africano as origens de nossas mazelas sociais. Há muito mais o que dizer sobre a sua obra, mas o que a torna mais atual é a agenda de costumes do presidente Jair Bolsonaro, que reproduz, em muitos aspectos, características atrasadas e perversas do patriarcado brasileiro, que estão na raiz da violência, da ignorância e do preconceito contra os índios, os negros e as mulheres.

Bolsonaro estabeleceu com eixo de sua atuação a defesa da fé, da ordem e da família. Há um forte ingrediente eleitoral nessa estratégia, mas não é somente isso. Há convicções de natureza “terrivelmente” religiosas e ideológicas, que não têm correspondência com o modo de vida e o imaginário da maioria da sociedade brasileira, com os nossos costumes e tradições, pautados pelo sincretismo e pela miscigenação. No Brasil, tudo é mitigado e misturado, não existe pureza absoluta. Além disso, não se pode fazer a roda da História andar para trás. A família unicelular patriarcal, por exemplo, é minoritária, nem o clã presidencial manteve esse padrão; não há força no mundo capaz de mudar a realidade das famílias policêntricas e multiétnicas, nem a complexidade das identidades de gênero no estilo de vida contemporâneo.

Um dos equívocos de Bolsonaro é acreditar que pode aprisionar a cultura nacional no âmbito dos seus dogmas. Quando investe contra o cinema nacional, a pretexto de que obras como Bruna Sufistinha, um blockbuster da nossa indústria cinematográfica, são mera pornografia e não um retrato da prostituição no Brasil, sua motivação é mais política do que religiosa. Na verdade, deve estar mais incomodado com filmes como Marighella e Democracia em vertigem, que glamoriza a luta armada e enaltece o ex-presidente Luiz Inácio Lula das Silva, respectivamente. [dois lixos: um enaltece um terrorista, um assassino frio, sanguinário e covarde; o outro enaltece um ex-presidente ladrão e atualmente presidiário cumprindo uma sentença e outra na espera para ter iniciado o seu cumprimento.

Felizmente, as duas imundícies terão o mesmo destino de uma outra, elogiando o ladrão = 'Lula, o filho do Brasil', qye foi um sucesso desde que seja como critério o elevado nível de fracasso que alcançou.]  Uma coisa é a crítica à obra cinematográfica, outra é o dirigismo oficial à produção cinematográfica, numa ótica que lembra o cinema produzido durante a II Guerra Mundial.

Pura perda de tempo. Com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, o Cinema Novo emergiu como resposta à falta de recursos técnicos e financeiros. O que temos hoje no cinema brasileiro resulta da centralidade dada por Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e outros cineastas à discussão dos problemas e questões ligadas à “realidade nacional” e a uma linguagem inspirada na nossa própria cultura. “Domesticar” a cultura popular é uma tarefa tão inglória como foi a censura à música popular no regime militar, tanto quanto obrigar os jovens a manter a virgindade até o 
casamento e mandar os gays de volta para dentro dos armários.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB 


sábado, 21 de maio de 2016

PT confirma aparelhar em nome do ‘projeto’

Documento do diretório nacional do partido lamenta não ter intervido nas cúpulas da PM, do Ministério Público e mudado os currículos das academias militares

O documento “Resolução sobre conjuntura", aprovado pelo diretório do PT no início da semana, é prova cabal da validade do provérbio “o papel aceita tudo”. Escrito numa linguagem de militância revolucionária das décadas de 60 e 70, o texto trata de um país imaginário chamado Brasil, em que houve um “golpe”, desfechado pelo imperialismo internacional com apoio da burguesia doméstica, “as classes dominantes", e pelos “monopólios da informação”, diante do qual é preciso resistir.

Assim como a literatura de cordel tem uma linguagem própria guardadas as diferenças, a favor do cordel —, com este tipo de texto de panfleto de doutrina acontece o mesmo. Mas chama a atenção que, no documento, o PT assuma de forma escancarada o aparelhamento do Estado, para colocá-lo a serviço de um projeto de poder nada democrático e republicano.

Ao fazer autocrítica, o PT se penitencia por haver priorizado o “pacto pluriclassista” na eleição de Lula ele deseja um governo uniclassista, só dos trabalhadores; impossível, se for pelo voto. E lamenta, por outras palavras, ter sido ineficiente na infiltração nos organismos de Estado.

Considera-se descuidado com as estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, assim como por não ter modificado “os currículos das academias militares”, nem promovido “oficiais com compromisso democrático e nacionalista”. Tampouco fortalecido “a ala mais avançada do Itamaraty”, e por não ter redimensionado‘sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da comunicação”. (Desconhecem que é ínfima a parcela desta publicidade na receita que financia o jornalismo profissional).

Não que tenha caído a máscara do partido; afinal a verdadeira face do projeto lulopetista nunca esteve completamente oculta. Mas chega a ser um registro histórico um documento em que o diretório nacional do partido assume sua faceta esta sim — golpista. Várias iniciativas, desde o primeiro governo Lula, expuseram o real sentido do projeto lulopetista. Um exemplo é a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), esculpida no MinC de Gilberto Gil e Juca Ferreira com a intenção de controlar o conteúdo do setor.


Diante da previsível grita, houve recuo. O mesmo aconteceu no projeto do Conselho Federal dos Jornalistas, também com intenções intervencionistas: patrulhar profissionais nas redações e puni-los com base em algum “código de ética”. 

Houve mais casos. Importa é entender, de uma vez por todas, que este é um projeto que pretende instalar no Brasil um regime bolivariano. Não conseguiu, nem conseguirá, diante da demonstração de solidez das instituições republicanas. [o documento expelido pelo PT deixa claro que aquela ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, COMUNISTA, GOLPISTA, ainda oferece perigo e deve ser declarada ilegal e combatida com rigor até sua extirpação total da política no Brasil.]

O PT deveria aproveitar que escancarou o projeto em documento, para passar a defendê-lo abertamente e colocá-lo sob o teste das urnas. Só assim terá alguma chance de se defender da acusação de ser o verdadeiro golpista.

Fonte: Editorial - O Globo