PEC dos Precatórios
A decisão liminar da ministra Rosa Weber,
do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender as chamadas emendas do
relator liberadas pela presidência da Câmara nos momentos que
antecederam a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que
parcela o pagamento dos precatórios indica que o processo vicioso [aprovado pela Mesa da Câmara dos Deputados] que
levou à sua aprovação pode ser interrompido em uma segunda etapa da
batalha jurídica, desta vez para suspender a votação do segundo turno
marcada para terça-feira.
A partir do momento em
que a maneira imperial com que o deputado Artur Lira conduz os trabalhos
na Câmara afronta a Constituição, é a hora de o Supremo intervir. Dois
problemas estão sendo questionados no mandado de segurança do
ex-presidente da Câmara: para ganhar os votos de deputados da oposição, o
presidente da Câmara, deputado Artur Lira fez uma barganha, tirando do
bolso do colete uma emenda aglutinativa na PEC, contemplando o pagamento
dos precatórios relativos ao Fundef, em três anos. Só que essa norma
nunca existiu na PEC.
O procedimento da PEC, para ser
inaugurado, precisa do chamado “apoiamento” de 1/3 dos deputados, o que
não significa que necessariamente votarão a favor da emenda, mas que
consideram que ela deve ser debatida no plenário. [se 312 votaram a favor da emenda, fica claro que é mais que suficiente para suprir a necessidade do chamado apoiamento prévio = cujo valor é mínimo, visto que o parlamentar pode apoiar o apoiamento e votar contra. ] Como essa matéria
surgiu do nada, não houve esse “apoiamento”, o devido processo
legislativo constitucional foi desrespeitado, uma violação à
Constituição. Essa emenda aglutinativa foi colocada em cima da hora e
mudou o sentido da PEC original.
Outra
questão é que o presidente da Câmara já havia acabado o sistema de
votação remota, instituído durante a pandemia, mas deixou que deputados
licenciados para participação na COP26, votassem à distância.
A
falta de transparência na distribuição das emendas, detectada pela
ministra Rosa Weber, impossibilita que o Congresso exerça o mandamento
constitucional que exige “o acompanhamento fidedigno da execução da
programação orçamentária e financeira dos órgãos setoriais do Poder
Executivo”.
O “orçamento impositivo” estabeleceu na Constituição
o “princípio da execução equitativa”, que definiu que a execução do
orçamento deve atender “de forma igualitária e impessoal às emendas
apresentadas, independentemente da autoria”. Na análise de técnicos do
Tribunal de Contas da União (TCU), a execução orçamentária não pode ser
convertida em uma ferramenta de gestão de coalizão, e quem decidiu assim
foi o próprio Congresso.
A utilização das emendas de relator
como uma forma travestida de ressuscitar o caráter discricionário e
politicamente orientado das emendas individuais viola de maneira frontal
essa regra constitucional aprovada de maneira quase unânime na Câmara,
ressaltam os técnicos. Além do mais, num quadro de rigidez orçamentária,
a utilização política das emendas do relator tende a desorganizar os
programas estruturais de políticas públicas, atendendo a pleitos
individuais sem levar em conta projetos nacionais estruturados.
Como
os competidores pelas verbas das emendas do relator são, normalmente,
os próprios companheiros de partido, outro efeito colateral desse abuso,
dizem os técnicos do TCU, é enfraquecer ainda mais as lideranças e
fragmentar ainda mais os partidos, sendo exemplar o caso recente do PDT e
de outros partidos nessa última votação da PEC dos Precatórios.
Merval Pereira, colunista - O Globo