O Estado de S.Paulo
A grande dúvida é aonde Bolsonaro quer chegar e para onde isso vai nos levar
Quanto mais atordoado, mais o presidente Jair Bolsonaro dá asas ao que
há de pior na sua personalidade e mais amplia suas frentes de batalha,
internas e externas. O ambiente é de perplexidade com o presente e de
dúvidas quanto ao futuro, enquanto vai ficando gritante o fosso entre um
presidente que só cria problemas e um Congresso afinado com a área
econômica para resolver problemas. Depois de França, Alemanha, China, mundo árabe, Argentina, Cuba,
Noruega, Dinamarca e mais uns tantos, Bolsonaro desvia sua metralhadora
giratória para o Chile, onde uniu governo e oposição, direita e
esquerda, contra ele. A imagem brasileira no exterior se deteriora na
mesma proporção da popularidade do presidente.
Bachelet é presidente eleita e reeleita no Chile, [Lula também foi eleito e reeleito e está preso por roubo aos cofres públicos e Dilma, também eleita e reeleita, foi impichada, escarrada e qualquer hora será presa - prova que eleição e reeleição não são garantias de competência e honestidade.] tem biografia
admirável, é filha de um militar respeitável e atual alta-comissária
para Direito Humanos da ONU. Engana-se Bolsonaro ao dizer que se trata
de um carguinho para quem não tem o que fazer. Ao contrário, tem
prestígio e não é para qualquer um – ou uma.
O ataque a Bachelet, inoportuno em si, carrega agravantes. O pior é o
conteúdo. Assim como remexeu a profunda dor do presidente da OAB, Felipe
Santa Cruz, cujo pai foi torturado até a morte e é listado como
“desaparecido”, Bolsonaro comemora o fato de o pai de Bachelet, de alta
patente, ter sido torturado e morto pela ditadura chilena, que depois
torturou também sua filha. Os “crimes” do general Bachelet – “comunista”, segundo Bolsonaro – foram
patriotismo, legalismo, respeito à democracia e coragem pessoal para
reagir a um golpe de Estado que se transformou no circo dos horrores,
como se viu. Bem, os ídolos do presidente brasileiro são Brilhante
Ustra, Pinochet e Stroessner. (Sem falar em Trump, caso bem diferente.)
Outro agravante é que, ao atingir Bachelet, Bolsonaro mexeu com os brios
e as cicatrizes do Chile e empurrou o presidente Sebastián Piñera para o
campo de batalha. Em pronunciamento formal, com a bandeira do país, ele
declarou que não concorda, em absoluto, com o tratamento dispensado a
sua antecessora (e, diga-se, adversária). E quem é Piñera? Inimigo?
Esquerdista? [Piñera, fez uma manifestação política.] Não, simplesmente um presidente de centro-direita que vinha
tentando mediar o conflito Bolsonaro-Macron. Logo, Bolsonaro acaba de
perder uma peça importante na sua mesa de operações de guerra.
Por fim, Bachelet é alta-comissária da ONU e o presidente disse que vai
abrir a assembleia-geral da organização no dia 24, mesmo após a cirurgia
deste fim de semana. Ele, portanto, se encarregou de desmatar as
boas-vindas e de queimar o clima para seu discurso. Autossabotagem. Já
imaginaram se houver boicote? Os diplomatas brasileiros nem conseguem
imaginar. [a imprensa anseia por um boicote que não ocorrerá, pela simples razão que qualquer boicote ao presidente Bolsonaro, em uma assembleia-geral da ONU, será o endosso por aquela organização de que as relações internacionais aceitam ofensas pessoais.]
No front interno, o alvo é Sérgio Moro. O presidente parece sentir um
prazer mórbido em manipular publicamente seu ministro, que continua
sendo a estrela do governo, mas perde em imagem e ganha a desconfiança
de seus velhos aliados de Lava Jato, ao assistir passivamente à fritura
grosseira do delegado Mauricio Valeixo, diretor-geral da PF. Valeixo é servidor público, com uma cultura e uma lógica muito
diferentes do economista Joaquim Levy. Atacado por Bolsonaro, Levy jogou
a toalha de cara. Atacado uma, duas, três vezes, Valeixo reage com a
altivez que sua instituição requer de seu diretor e joga a bola para
Moro, seu chefe direto, que só tem duas alternativas: ou demite o
companheiro e se demite da Lava Jato, ou sai junto com ele de onde,
segundo muitos, jamais deveria ter entrado. [Moro e o presidente Bolsonaro apararam todas as arestas e os 36 vetos dados por Bolsonaro ao projeto da lei de abuso de autoridade, muitos foram atendendo sugestões de Moro.]
Uma boa pergunta é o que Bolsonaro e o Brasil ganham com tantas guerras
ao mesmo tempo, mas essa tem resposta na ponta da língua. A grande,
enorme, dificílima questão é aonde tudo isso vai parar. Ou melhor: para
onde vai nos levar.
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo