A asfixia financeira foi um incisivo golpe no regime chavista porque a renda do comércio de petróleo é usada por Maduro para comprar o apoio dos militares
A asfixia financeira foi um incisivo golpe no regime chavista porque a renda do comércio de petróleo é usada por Maduro para comprar, entre outras coisas, o apoio dos militares. São estes que controlam a PDVSA e a cúpula das Forças Armadas venezuelanas é um dos sustentáculos armados do regime, junto com a Guarda Nacional Bolivariana e a rede de milícias espalhadas pelo país. A queda de Nicolás Maduro passa, necessariamente, pela mudança dos humores de seus apoiadores armados. E sem o dinheiro farto que os comprou até agora ficará mais difícil manter o bom humor.
Ainda no plano internacional, na quinta-feira passada o Parlamento Europeu reconheceu o líder opositor Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional (AN), como “presidente legítimo interino” da Venezuela. A decisão foi tomada após o fim do prazo de oito dias dado pela União Europeia (UE) para que Nicolás Maduro convocasse novas eleições. Em entrevista à agência russa RIA Novosti, Maduro disse estar aberto a negociar somente a antecipação de eleições para o Legislativo, previstas para 2020, não para a Presidência.
No início de janeiro, Juan Guaidó já havia sido reconhecido como presidente de fato da Venezuela por 11 dos 14 países que compõem o Grupo de Lima, incluindo o Brasil. Além destes, também o fizeram os Estados Unidos, o Reino Unido, Israel e Austrália. A UE declarara Maduro “ilegítimo” após ele tomar posse para um segundo mandato no dia 10 de janeiro. O subsequente reconhecimento de Guaidó como presidente interino pelo Parlamento Europeu só amplia o isolamento do chavista.
É verdade que Maduro tem o apoio nada desprezível de duas potências econômicas e militares, a China e a Rússia. Não se trata de um apoio desinteressado: os dois países são os maiores credores da Venezuela e, previsivelmente, condenaram as sanções americanas sobre os ativos da PDVSA, classificadas como “ilegais”, pelos russos, e “muito prejudiciais ao povo”, pelos chineses.
Nada pode ser mais prejudicial ao povo da Venezuela do que a manutenção de um regime que foi capaz de destruir o país que detém as maiores reservas de petróleo do mundo, levando partes expressivas da população à miséria, à morte ou ao exílio.
China e Rússia, no entanto, são nações pragmáticas e leem os movimentos políticos à luz de seus interesses. A China tem sido mais comedida do que já foi em suas manifestações de apoio ao governo de Maduro. Já a Rússia, por razões que ainda não estão claras, mandou para Caracas um Boeing 777 da Nordwind Airlines, empresa russa que realiza voos charter. Suspeita-se que a aeronave possa servir para transportar Maduro e sua família para o exílio, levar um carregamento de 20 toneladas de ouro ─ 20% dos ativos venezuelanos neste metal ─ para local incerto ou, quem sabe, as duas coisas.
À parte teorias conspirativas, resta a realidade: o drama de um povo exaurido por um governo há muito esgotado. Novas manifestações populares foram realizadas na quarta-feira passada e outras serão convocadas pela oposição liderada por Juan Guaidó, que teve suas contas bancárias bloqueadas e está proibido de deixar o país por ordem do procurador-geral de Justiça da Venezuela, Tarek Saab, um títere de Maduro. A agonia do regime chavista na Venezuela poderá ser longa, mas certamente o povo sofrido daquele país voltará a sentir o bálsamo da liberdade.
Editorial - O Estado de S. Paulo