O
ministro Dias Toffoli disse que todos os órgãos de controle estão submetidos ao
Judiciário. Isso é verdade, mas é mais amplo: todos estamos, inclusive o próprio
ministro, porque a instituição é maior do que os seus integrantes. Ele pautou
para discussão em plenário o delicado tema dos limites do compartilhamento de
informações bancárias e fiscais, depois tirou de pauta e no recesso decidiu
sozinho. A medida que favoreceu o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) teve o
efeito de um gás paralisante sobre inúmeros inquéritos e investigações. O
ministro diz que fez isso em favor do cidadão.
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Um estado democrático toma extremo cuidado com os limites institucionais
mesmo quando combate o crime. Mas muitas operações foram perdidas, no passado,
por preciosismos habilmente explorados pelas defesas. Cabe ao Poder Judiciário
saber o que é artifício e o que é defesa de princípio fundamental. Dias Toffoli
pode estar certo, mas o fez da forma e na hora erradas. Se adiou o exame do
tema pelo colegiado, não era urgente. Se decidiu sozinho o que antes adiara,
tomou decisão intempestiva. E os efeitos colaterais foram imensos, porque está suspendendo
combates a crimes como os da milícia e do tráfico de drogas.
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Nesta
quadra da nossa História, o Brasil está diante das muitas complexidades do
combate ao velho crime da corrupção. Nada é simples, nada tem apenas dois
polos. O governo Bolsonaro fez a apropriação indébita da bandeira
anticorrupção. Essa luta só será efetiva se for do país. Não pertence a um
grupo político. A ida do ex-juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça
pareceu ser a certidão de propriedade da bandeira anticorrupção. Mas é um
equívoco, e o caso do senador Flávio Bolsonaro revoga qualquer pretensão de
posse.
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Nem todos
os diálogos divulgados pelo site The Intercept entre o procurador Deltan
Dallagnol e o ex-juiz Sergio Moro têm a mesma relevância para o que se quer
mostrar. [NENHUM DIÁLOGO tem relevância, valor
ou algo parecido - se trata de material
produto de crime, portanto, imprestável (segundo a Constituição) como prova,
sequer pode ser juntado ao processo, também imprestável por falta de
autenticidade.
Com o devido pedido de vênia à ilustre colunista e ao articulista, o desenho acima mostra o valor do material.]
O governo
que quis se apropriar politicamente da operação anticorrupção também tem casos
suspeitos. Um deles do ministro do Turismo, que permanece firme no cargo
cercado do seu laranjal. O outro caso é mais nevrálgico, porque é centrado no
que teria ocorrido no gabinete do então deputado, hoje senador, Flávio
Bolsonaro, comandado pelo seu ex-assessor Fabricio Queiroz. Essa investigação é
que foi paralisada por decisão do ministro Dias Toffoli e gerou a reação em
cadeia em outras investigações em curso. O senador não pode ser prejudicado por
ser filho do presidente, e não pode ser beneficiado por isso. Um dos princípios
da República é a igualdade perante a lei. [não
tem nenhum sentido vincular os filhos do presidente Bolsonaro ao ministro Sérgio
Moro.]
Ninguém,
nem órgão algum, pode usar de forma discricionária o poder que tem, mas se há o
risco de um Estado policial no país, se há o desrespeito aos direitos
fundamentais do cidadão, se os órgãos de controle têm sede de poder a ponto de
quebrarem regras institucionais, o STF não pode conviver com a ameaça e só
reagir, monocraticamente, durante o recesso.
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O Coaf foi criado exatamente para avaliar as movimentações bancárias e
diante de situações atípicas
[que por si só não configuram ilegalidade] fazer relatórios e enviá-los
para os órgãos de controle. Ele não fica lá olhando só por olhar. É para
comunicar às autoridades quando há indícios de crime. E é o que tem feito. O
ministro Dias Toffoli está dizendo que há informações que só podem ser compartilhadas
com autorização da Justiça. No caso de Flávio Bolsonaro, o sigilo de diversos
envolvidos foi quebrado pela Justiça. É preciso uma definição clara sobre qual
é o limite do Coaf para, ao mesmo tempo, proteger a cidadania e não paralisar o
órgão. . [o cerne da questão está exatamente no
fato de muitos ministros do STF esquecerem que a Corte é que é Suprema e eles
são ministros da Corte Suprema e não supremos ministros;
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É necessário o aperfeiçoamento do sistema de forma a que as decisões do
Supremo, aprovadas em Plenário, não sejam contrariadas por decisões monocráticas
de ministros da própria Corte.
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Enquanto
o Supremo possuir todos os poderes inerentes a uma Suprema Corte e parte dos
seus ministros se consideraram SUPREMOS MINISTROS, quando na realidade são ministros do
Supremo Tribunal Federal, teremos decisões contraditórias e total insegurança
jurídica.
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Talvez se
faça necessário a instituição de um PODER MODERADOR - que, por óbvio, não pode ser 'criado' pela Corte Suprema e sim instituído pelo Poder Legislativo, Poder que tem a competência constitucional de legislar - por se tratar da criação de mais um PODER não existe o óbice da proteção de se tratar de cláusula pétrea.]
A democracia é exigente. Para protegê-la, todos os poderes precisam atuar de forma precisa, obedecendo
aos seus limites e suas prerrogativas. Se o plenário do Supremo
Tribunal Federal considerar que está havendo extrapolação de limites do Coaf,
ou de qualquer órgão que seja, que isso se esclareça. Mas o Brasil não pode
perder a capacidade de combater o crime