Assassinato de vereadora
afronta a democracia
A execução de Marielle Franco precisa ter uma
investigação rápida e eficiente, para que seus autores sejam identificados e
punidos exemplarmente
[por respeito aos nossos dois leitores, julgamos necessário esclarecer que não temos, nem nunca tivemos, nada contra a vereadora Marielle Franco;
Ouvimos falar dela pela primeira vez anteontem, dia 14/03/2018, à noite, e lamentamos profundamente a sua morte, o seu assassinato;
da mesma forma que lamentamos a morte de crianças vitimadas por balas perdidas, policiais assassinados, mulheres grávidas vítimas de balas e milhares de inocentes que são dizimados pela violência que assola o Brasil, com destaque para o Rio de Janeiro.
Por isso, colocamos como título deste POST: "Mais um cadáver, entre milhares" tendo em conta nosso entendimento que qualquer ser humano assassinado, independentemente de sua posição social, política, merece o nosso pesar, o nosso lamento.
Tão bárbaro quanto o assassinato da vereadora, foi o empresário morto em Cachambi, na frente do filho de cinco anos - a comoção foi a mesma e a necessidade dos assassinos serem identificados e punidos é a mesma.
O mesmo entendimento vale para qualquer ser humano assassinado.]
O
assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), na noite de quarta-feira, no
Estácio, é um símbolo contundente do descontrole a que chegou a segurança no
Rio, situação de anomia que levou à intervenção federal. Fatos sucessivos
mostram que o estado virou uma espécie de terra de ninguém. Mata-se a qualquer
hora, em qualquer lugar, por qualquer motivo. Marielle e seu motorista,
Anderson Pedro Gomes, foram executados com pelo menos 13 disparos, por volta
das 21h30m, quando ela seguia de carro para casa. O crime, que chocou o país e
repercutiu internacionalmente, aconteceu numa região central da cidade, próximo
à sede da prefeitura e ao Hospital Central da Polícia Militar. Quase naquele
mesmo horário, um empresário foi morto na frente do filho de 5 anos, durante
uma tentativa de assalto no Cachambi, Zona Norte do Rio.
Mas o
assassinato de Marielle é bem mais do que um novo número na estatística de
homicídios dolosos — ano passado, foram 5.332 em todo o estado. Porque, além do
contexto da violência, representa um atentado contra as instituições e a
democracia. Inadmissível num estado democrático de direito. Marielle, de 38
anos, quinta vereadora mais votada da cidade nas eleições de 2016, com o apoio
de 46,5 mil eleitores, era uma legítima representante da sociedade na Câmara
Municipal, onde estreou em 2017, empunhando bandeiras como os direitos humanos
e das mulheres.
Era uma
crítica da violência e, numa de suas últimas mensagens postadas numa rede
social, perguntava: “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra
acabe”? Também chamava atenção para a truculência policial. Na semana passada,
denunciou uma ação de PMs do quartel de Irajá na Favela de Acari. Nesse
sentido, o que acontece hoje no Rio é fato de extrema gravidade, que obviamente
ultrapassa os limites do estado e ganha proporções nacionais. Fica evidente
que, nessa insana escalada da violência em território fluminense, criminosos
estão agindo como máfia, atacando agora agentes públicos e poderes
constituídos. Um caminho perigosíssimo, que requer um basta imediato do Estado
e de toda a sociedade. E, uma das questões incômodas, mas que precisam ser
enfrentadas, é que alguns desses grupos mafiosos estão infiltrados no Estado.
Como as milícias e o tráfico, que ditam suas leis nefastas e tentam se
legitimar ocupando cadeiras nas casas legislativas.
Muitas
dúvidas ainda pairam sobre as circunstâncias da morte de Marielle Franco e de
seu motorista. Segundo as primeiras investigações, os indícios são de execução.
Resta saber quem teria motivos para calar a vereadora. Pessoas próximas
disseram que ela não recebera qualquer ameaça de morte.Por tudo
isso, o assassinato de Marielle Franco precisa ter uma investigação rápida e
eficiente, para que seus autores sejam identificados e punidos exemplarmente.
Essa é a oportunidade para que se exerça de fato o trabalho de integração entre
as diversas forças de segurança proposto pela intervenção federal no Rio.
Elucidar esse caso é dar uma resposta à sociedade. [resposta que deve, pelo menos a principio, ser dada à Sociedade por qualquer cidadão assassinado e aos seus familiares.
É um direito de quem perde um ente querido, especialmente assassinado, saber quem foi o autor e ter a certeza de que foi, ou será, punido severamente.] E, ao mesmo tempo, reafirmar
o estado democrático de direito num momento em que ele é perigosamente ameaçado
pelo banditismo.
O Globo - Editorial