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domingo, 15 de janeiro de 2023

Quem sabe prender precisa saber soltar - Elio Gaspari

Desde domingo passado foram presas pelo menos 1.800 pessoas em Brasília. Delas, umas 1.300 estavam no acampamento golpista diante do Quartel-General do Exército. 
Cerca de 500 foram detidas na cena das invasões do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. 
Muitos dos que foram presos no acampamento haviam participado dos atos e retornaram à noite.

Apesar da superposição, os dois grupos são distintos. Quem estava no acampamento pedindo um golpe de Estado não pode ser suspeito de ter praticado ato de vandalismo nas sedes dos três Poderes da República. São dois comportamentos reprováveis, porém distintos.

O arrastão de Brasília foi o maior da história nacional. Superou dois outros: o do Congresso Clandestino da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna (1968); e o da PUC de São Paulo (1977), onde jovens comemoravam a refundação da UNE.

Quem prende deve pensar em soltar aqueles que não constituem uma ameaça imediata à sociedade. Os arrastões de 1968 e 1977 deram-se durante a ditadura. Em Ibiúna, foram presos cerca de 1.240 jovens. Na PUC, cerca de mil.

Seis dias depois do arrastão de Ibiúna, quase todos os detidos haviam sido identificados e soltos. Continuaram presos menos de 20 jovens, contra os quais havia mandados de prisão preventiva. 
Na PUC de São Paulo, depois de três dias todos os presos estavam soltos, depois de terem sido identificados. Dezenas responderam a processos. 
 
Em 1968, antes do arrastão, grupos terroristas de direita haviam praticado seis sequestros e mais de 30 atentados com bombas, sem vítimas. Nesse mesmo período, o surto terrorista de esquerda contabilizava uma dezena de assaltos e seis mortos, entre os quais um major do exército alemão confundido com um capitão boliviano
Em 1977, não existia mais terrorismo de esquerda. 
 
No arrastão de 2023, aconteceram episódios inquietantes. Num regime democrático ameaçado por golpistas, manifestantes de Brasília, irresponsavelmente, levaram crianças para o acampamento. Segundo o Conselho Tutelar do Distrito Federal, às 15h de segunda-feira, foram atendidas 20 famílias detidas com 23 crianças ou adolescentes menores de idade. 
Isso significa que eles ficaram detidos por cerca de 24 horas. Precisava?  
Quem sabe prender precisa saber soltar. Os menores poderiam ter sido entregues a familiares em questão de horas. 
 
Na tarde de sexta-feira, centenas de pessoas continuavam detidas em Brasília
Não se sabe quantas foram apanhadas no acampamento e quantas estavam nas depredações na Praça dos Três Poderes. 
Nos arrastões de 1968 e de 1977, seis noites depois, continuavam presas menos de dez.

Aqueles que invadiram prédios cometeram um crime específico e sofrem a pena da lentidão burocrática. Os do acampamento, a maioria entre os detidos, poderiam ter sido libertados há dias, logo depois da devida identificação e tomada de depoimento.

A burocracia das prisões explica a demora pelo cumprimento dos trâmites que incluem a tomada de depoimentos e a realização de audiências de custódia. Tudo bem. Mas em outubro de 1968 (antes do AI-5) e em 1977 (às vésperas da demissão do ministro do Exército Sílvio Frota), a ditadura soltava os presos de seus arrastões com maior celeridade.

Se quem prendeu não dispunha dos meios para soltar, o problema é de quem prendeu. 

(...)


Luana e Goretti
Em maio de 2021, Jair Bolsonaro mandou demitir a infectologista Luana Araújo do cargo de secretária-executiva de enfrentamento à Covid-19.

Motivo: nas redes sociais a doutora condenava a propaganda da cloroquina como remédio eficaz na pandemia.

Em janeiro de 2023, a pediatra Ana Goretti Kalume Maranhão teve sua nomeação barrada pela Casa Civil da Presidência para a chefia do novo Departamento de Imunizações do Ministério da Saúde.

Motivo: “Restrição partidária.”

Ganha um fim de semana em Pyongyang quem souber o que isso significa.

Ela é acusada de ter escrito mensagens louvando a Operação Lava-Jato.

Tempestade perfeita
Com todas as encrencas que estão no tabuleiro, pareceu despicienda a descoberta de uma inconsistência” de R$ 20 bilhões no balanço das Lojas Americanas, grande e tradicional rede de comércio varejista de Pindorama. Coisa de mais de US$ 4 bilhões. Ervanário para ninguém botar defeito. As inconsistências parecem vir de longe.

A revelação deveu-se ao CEO da empresa, Sérgio Rial. Ele tinha nove dias no cargo e explicou: “Tive uma escolha de Sofia, eu falo ou não?”

Falou, e fez muito bem.

Folha de S. Paulo  e Jornal O Globo - Elio Gaspari - MATÉRIA C0MPLETA

 

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Já nas primeiras notícias se percebe uma indisfarçável tendência de acusar os policiais militares




Vídeo mostra PMs correndo atrás de carro de turista baleada na Rocinha

[a apresentação da matéria, destacando que um vídeo mostra PMs correndo atrás do carro da turista, busca considerar estranho que os policiais militares estejam correndo atrás do veículo que acabou de "furar" uma blitz.

Qualquer pessoa que pare para pensar antes de acusar os policiais, vai concluir que os PMs realizavam uma blitz em área perigosa um veículo desobedeceu a ordem de parada e os policiais militares no estrito cumprimento do DEVER LEGAL efetuaram disparos contra o veículo, levando-o a parar.

E até a parada total do veículo, desembarque e rendição de todos os seus ocupantes, é absolutamente normal e necessário que os policiais empunhem suas armas.

Percebam que os policiais agiram rigorosamente em consonância com o protocolo específico para aquela missão, não tendo sentido qualquer apresentação da matéria de forma a insinuar, ainda que sutilmente, que os policiais agiram de forma incorreta.]





Imagens de uma câmera de segurança mostram o momento em que o carro que estava com a turista espanhola morta por um tiro de um policial passou pela Rua José Paulino da Silva, na Rocinha, na Zona Sul. Logo após o veículo, aparecem três policiais militares correndo. Segundo comerciantes, foram ouvidos cinco tiros vindos do Largo do Boiadeiro, bem próximo dali, e, segundos depois, outros quatro disparos.

De acordo com a polícia, o motorista não obedeceu à ordem de parar o veículo em um bloqueio e seguiu. Um tenente da PM disparou. O oficial foi preso em flagrante pela Corregedoria da corporação. Um soldado que fez um disparo a esmo também foi autuado em flagrante. [a prisão em flagrante seguida de autuação é normal, faz parte do processo de investigação dos fatos.] Maria Esperanza Jimenez Ruiz, de 67 anos, estava na parte de trás do carro, que levava ainda em um Fiat Freemont com um guia, um italiano, e mais dois espanhóis. Os vidros do carro tinham uma película escura de proteção. 

Maria Esperanza estava de férias na cidade junto com o irmão e a cunhada, de acordo com informações do jornal "El País". Ela natural de Puerto de Santa María, Cádiz, na Andaluzia, no sul do país. Ela chegou a ser socorrida e levada para o Hospital Miguel Couto, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. Em nota, a PM afirma que está apurando o caso.

Mais cedo, um policial militar foi atingido na cabeça e o outro, no peito na comunidade, que vivencia, desde 17 de setembro, uma disputa pelas bocas de fumo travada pelas quadrilhas de Rogério Avelino dos Santos, o Rogério 157, e de Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, preso em Rondônia. Os dois PMs foram levados para o Hospital Miguel Couto. Em nota, a PM diz que um suspeito também ficou ferido no confronto.

Os disparos na favela foram ouvidos em vários locais da Zona Sul. Na Pontifícia Universidade Católica (PUC), na Gávea, alunos e professores se assustaram com os barulhos dos disparos. No Alto Leblon, moradores relataram ter ouvido rajadas vindas na região de mata.

  Espanhola morta: imagens mostram PMs correndo atrás de carro na Rocinha

Segundo Polícia Militar, agente atirou no veículo que desobedeceu a ordem de parada


[é lamentável a fatalidade, mas, medidas devem ser adotadas no sentido de orientar aos motoristas - tanto os de carro conduzindo turistas quanto os que conduzem seu próprio veículo - que uma ordem de parada emitida por policiais realizando uma BLITZ deve ser obedecida.
Houve uma total imprudência, absurda irresponsabilidade, do motorista do veículo. Desobedeceu uma ordem de parada, dada por policiais militares fardados e que realizavam uma blitz.
Além do mais o veículo dispunha de uma película de proteção o que dificulta a ação da autoridade policial.
O mínimo que se espera de um motorista que é abordado em uma blitz é que pare o veículo, desligue o motor, baixe os vidros e coloque as mãos sobre o volante.
Se a noite, deve apagar os faróis, acender luz interna.
Os policiais apesar de treinados e armados estão tenso - nunca sabem o que os espera quando se aproxima do veículo.
Se existe um responsável por essa morte é o motorista do veículo que conduzia a turista.]


sábado, 19 de novembro de 2016

Cabral já foi, falta a Corte

Não é que Temer seja bonzinho, nem que o PMDB dele seja flor que se cheire: é só um presidente fazendo a coisa certa

Garotinho preso na véspera zombando da prisão de Cabral é um momento insuperável da política brasileira. Mais impressionante que isso, só o Brasil zombando dos fatos. A narrativa espalhada pelo pessoal que vive de espalhar narrativas é que a prisão de Cabral detona o PMDB e, consequentemente, o governo golpista que derrubou a mulher honesta. Como escreveria Nelson Motta: rsrs.

Ainda penando para sair do buraco, o país está louco para ser roubado de novo. Vamos contrariá-lo. Falta um dado essencial na investigação que levou à captura de Sérgio Cabral: a conexão Delta-Dilma. A empreiteira de estimação do ex-governador preso tornou-se subitamente a campeã das obras do PACo — do qual, como se sabe, Dilma é a mãe. E foi sob essa generosa proteção maternal que a Delta se associou a Carlinhos Cachoeira para plantar o laranjal em torno do Dnit — no escândalo dos superfaturamentos de estradas que o Brasil, claro, já esqueceu.

O PMDB de Cabral, portanto, é antes de tudo sócio histórico do PT de Dilma e Lula. Interessante observar que Fernando Cavendish, o ex-poderoso mandachuva da Delta, dedurou à polícia uma boiada inteira para ferrar seu ex-amigo, e aparentemente não tocou nos anjos da guarda de Brasília. Você está impressionado com os R$ 222 milhões desviados em quatro obras do Rio? Bem, isso é brincadeira de criança perto das fraudes detectadas nas obras viárias do - PACo  - que não levaram ninguém em cana porque o Brasil estava aclamando mamãe como a faxineira da nação.

A negociata do Maracanã aconteceu sob o mesmo guarda-chuva da Copa das Copas a fantástica conexão entre os picaretas da Fifa e os do PT que rendeu os estádios mais caros da história da competição. O Maracanã de Cabral é primo do Itaquerão de Lula, já devidamente incluído na Lava-Jato, capítulo Odebrecht. A podridão do PMDB do Rio na última década, exposta agora pela Justiça e pela Polícia Federal, não pode ser alienada do reinado Lula-Dilma. Isso é roubo.

O que está acontecendo hoje em Brasília é um pouco diferente. Ao menos nos postos-chave do governo, Michel Temer fez a dedetização: ouviu a banda boa do Brasil (é incrível, mas ela ainda existe) e colocou no Banco Central, na Fazenda, no Tesouro, no BNDES e na Petrobras comandantes respeitados (todos eles) no mundo inteiro. Não é que Temer seja bonzinho, nem que o PMDB dele seja flor que se cheire: é apenas um presidente fazendo a coisa certa, talvez por instinto de sobrevivência, como fez Itamar Franco no Plano Real. Quem lembra que a estabilidade monetária foi conquistada num governo do PMDB? Ninguém, porque o plano foi feito apesar do PMDB.

Apesar de Renan Calheiros e grande elenco obscuro, o governo Temer abriu espaço para gente séria tomar conta do dinheiro. E todos os indicadores macroeconômicos estão começando a melhorar por causa disso — incluindo milagres como a recuperação da Petrobras, depenada pelos companheiros nacionalistas e guardiões do que é nosso (deles). Isso é uma tragédia para os profissionais da narrativa miserável. No que a vida do povo melhora, o palanque da salvação bolivariana fica às moscas. 

Mas o conto de fadas da revolução progressista não pode morrer, porque administração séria é um tédio. Alguém acha que a MPB vai compor um hino para o equilíbrio das contas públicas? Que poeta emprestaria seu charme marginal para o saneamento do Tesouro? Era preciso pensar numa reação rápida contra o atentado de monotonia, perpetrado pelos homens brancos, velhos, recatados e do lar — e daí surgiu a ideia genial: demonizar a arrumação da casa. Assim nasceu o famoso slogan “A PEC do fim do mundo”.

Enfim, um sopro de poesia na aridez cruel dos números — quando todo mundo sabe que esse negócio de fazer conta é coisa de reacionário, especialmente se a conta fecha. A iniciativa do governo de propor um teto para os gastos públicos é uma ação neoliberal, praticamente nazista, porque certamente impediria o surgimento de novos heróis humanitários como Delúbio, Vaccari, Valério e Dirceu. 

Qualquer coxinha de esquerda metido em ocupação de escola sabe que, sem cheque especial ilimitado, a revolução engasga.

É comovente ver instituições de ensino invadidas e ocupadas por todo o território nacional contra a PEC do fim do mundo. Existe algo mais poético do que um país inteiro transformado num jardim de infância? Os invasores revolucionários acreditam ou fazem de conta, o que no universo infantil dá no mesmo que a PEC é para desviar dinheiro da Educação para o Conde Drácula do PMDB. Fora Temer! 

Esses caçadores de Pokémon do pós-impeachment montaram uma cena épica na PUC. A universidade carioca foi “ocupada” contra a vitória de Donald Trump. Como se vê, o videogame ideológico da garotada tem um alcance formidável. Curiosamente, o jogo parece não ter caçada a Lula e Dilma, os bichinhos mais vorazes da fauna local.
Tudo bem. Deixem estes para os profissionais. Se o Brasil descobriu Cabral, haverá de chegar à Corte.

Fonte: Revista Época - Guilherme Fiuza,  jornalista