Democracia, repressão e burocracia
Quem prende deve pensar em soltar aqueles que não constituem uma ameaça imediata à sociedade
Apesar da superposição, os dois grupos são distintos. Quem estava no acampamento pedindo um golpe de Estado não pode ser suspeito de ter praticado ato de vandalismo nas sedes dos três Poderes da República. São dois comportamentos reprováveis, porém distintos.
O arrastão de Brasília foi o maior da história nacional. Superou dois outros: o do Congresso Clandestino da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna (1968); e o da PUC de São Paulo (1977), onde jovens comemoravam a refundação da UNE.
Quem prende deve pensar em soltar aqueles que não constituem uma ameaça imediata à sociedade. Os arrastões de 1968 e 1977 deram-se durante a ditadura. Em Ibiúna, foram presos cerca de 1.240 jovens. Na PUC, cerca de mil.
Aqueles que invadiram prédios cometeram um crime específico e sofrem a pena da lentidão burocrática. Os do acampamento, a maioria entre os detidos, poderiam ter sido libertados há dias, logo depois da devida identificação e tomada de depoimento.
A burocracia das prisões explica a demora pelo cumprimento dos trâmites que incluem a tomada de depoimentos e a realização de audiências de custódia. Tudo bem. Mas em outubro de 1968 (antes do AI-5) e em 1977 (às vésperas da demissão do ministro do Exército Sílvio Frota), a ditadura soltava os presos de seus arrastões com maior celeridade.
Se quem prendeu não dispunha dos meios para soltar, o problema é de quem prendeu.
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Luana e Goretti
Em maio de 2021, Jair Bolsonaro mandou demitir a infectologista Luana Araújo do cargo de secretária-executiva de enfrentamento à Covid-19.
Motivo: nas redes sociais a doutora condenava a propaganda da cloroquina como remédio eficaz na pandemia.
Em janeiro de 2023, a pediatra Ana Goretti Kalume Maranhão teve sua nomeação barrada pela Casa Civil da Presidência para a chefia do novo Departamento de Imunizações do Ministério da Saúde.
Motivo: “Restrição partidária.”
Ganha um fim de semana em Pyongyang quem souber o que isso significa.
Ela é acusada de ter escrito mensagens louvando a Operação Lava-Jato.
Com todas as encrencas que estão no tabuleiro, pareceu despicienda a descoberta de uma “inconsistência” de R$ 20 bilhões no balanço das Lojas Americanas, grande e tradicional rede de comércio varejista de Pindorama. Coisa de mais de US$ 4 bilhões. Ervanário para ninguém botar defeito. As inconsistências parecem vir de longe.
A revelação deveu-se ao CEO da empresa, Sérgio Rial. Ele tinha nove dias no cargo e explicou: “Tive uma escolha de Sofia, eu falo ou não?”
Falou, e fez muito bem.
Folha de S. Paulo e Jornal O Globo - Elio Gaspari - MATÉRIA C0MPLETA