Atentado
contra jornalistas em Paris mostra que desafio é prevenir ações terroristas sem prescindir das liberdades que
caracterizam o regime democrático ocidental
De um
lado, a democracia ocidental, com os direitos e
garantias individuais, o Estado laico, a liberdade de expressão e de
imprensa capazes de produzir textos e charges críticas, irônicas, satíricas,
bem-humoradas ou não.
E quem se
sentir atingido tem respaldo legal para obter reparação na Justiça, se for o
caso. De outro, o fundamentalismo islâmico, que se alimenta das trevas, do
ódio, da barbárie, da intolerância. Quem se opuser pode ser morto
impiedosamente.
Foi o que
fizeram ontem atacantes encapuzados ao disparar rifles Kalashnikov numa
reunião de pauta do jornal satírico “Charlie Hebdo”, em Paris, matando
12 pessoas, entre elas dez funcionários da publicação — quatro delas chargistas
de renome nacional e até mundial, como Georges Wolinski, de 80 anos, e Stéphane
Charbonnier, “Charb”, o editor. Pelos antecedentes — o jornal já publicou
várias charges sobre o profeta Maomé, e por este motivo sua sede anterior foi
destruída por uma bomba em 2011 — conclui-se que os terroristas são ligados
ao fundamentalismo islâmico.
É um
atentado cheio de simbolismos. Executado em Paris, coração da França, pátria das
liberdades e dos direitos humanos. Contra um ícone da liberdade de imprensa, o “Charlie
Hebdo”, que ousa desafiar, com a sátira e o bom humor, o fanatismo
homicida do fundamentalismo islâmico. Confirma também que, a partir do
Oriente Médio, o longo braço do terror pode atingir qualquer ponto do globo.
Não se
trata apenas de uma questão de segurança, embora ela seja cada vez mais
importante. A grande questão é como as sociedades ocidentais vão se resguardar
dessa ameaça sem perder as características democráticas. O risco é irem
se fechando e acabarem também intolerantes e xenófobas. Esta será, se
ocorrer, uma vitória do terrorismo. É necessário gerar instrumentos que
permitam combater o extremismo, sem prejuízo das liberdades. Há algo errado quando 3 mil europeus, descendentes de
muçulmanos, aderem ao Estado Islâmico (EI), maior expressão do
fundamentalismo sunita, que prega o retorno à era de ouro do califado e a
destruição dos valores ocidentais. Cerca de mil são franceses e muitos já
voltaram ao país.
É
evidente a incapacidade de a Europa Ocidental, sobretudo da França, integrar os imigrantes e
descendentes à sociedade. Eles em boa parte vivem segregados, nos banlieus
(subúrbios) parisienses. E constituem alvos fáceis para cooptação pelo EI e
outros grupos extremistas. É preciso, portanto, que os governos convençam
esses imigrantes das vantagens dos valores ocidentais sobre o fundamentalismo.
Será necessário também persuadir as populações nacionais a substituir o
preconceito por tolerância e acolhimento. Será mais fácil lidar com os radicais
se eles estiverem isolados.
Fonte:
Editorial – O Globo