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segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Isis Khorasan: o grupo islâmico ultrafundamentalista mais radical do mundo

Como se não bastassem todos os fatores de extrema instabilização do Oriente Médio, ainda tem os radicais que fizeram atentado no Irã

Irã funeral explosões

 Vítimas do duplo atentado: em ação, um grupo nascido do Estado Islâmico que trata os xiitas como hereges a serem eliminados (Mohammad Ali Mohammadian/Anadolu/Getty Images)

Só para dar uma ideia: os adeptos do Isis Khorasan acham que o Talibã é moderado demais. 
Também não mostram a menor sensibilidade pela aliança de interesses que permite que grupos fundamentalistas sunitas como o Hamas e a Jihad Islâmica Palestina sejam nutridos, armados e, inevitavelmente, instruídos pelo regime xiita do Irã.

Para eles, os xiitas são “hereges” e está acabado. Merecem ser explodidos, como no terrível duplo atentado que matou quase cem pessoas durante uma homenagem póstuma ao general iraniano Qasem Suleimani na semana passada.

O grupo foi criado por remanescentes do Isis, ou Estado Islâmico, principalmente paquistaneses. Khorasan é o nome de uma região que abrange partes do Paquistão, do Afeganistão e do Irã. Abreviadamente, o grupo é chamado de Isis-K. O Estado Islâmico original também tinha um forte componente antixiita, refletindo numa situação limite a milenar tensão entre as duas principais correntes religiosas do Islã, os minoritários xiitas e a maioria sunita.

Esta tensão se manifesta hoje na rivalidade que países sunitas como a Arábia Saudita alimentam em relação ao Irã, embora disfarcem com reconciliações públicas. 
Note-se que foram poucas as manifestações de solidariedade ao regime iraniano depois do duplo atentado, o maior da história da república islâmica instalada em 1979. 
Os universitários pró-Hamas que se espalham pelo mundo ocidental e protestam contra tudo que Israel faz em Gaza também ficaram calados.
 
CALDEIRÃO INFERNAL
O assunto talvez seja complexo demais – e desconfortável
para quem tem uma visão simplificada em que todos os muçulmanos são colocados sob uma etiqueta só, e na condição de vítimas. 
Na verdade, muçulmanos matando outros muçulmanos são uma constante nas últimas décadas, com exceções episódicas como em Gaza.
 
O maior conflito intramuçulmano recente aconteceu na Síria, onde a rebelião contra o regime foi liderada por fundamentalistas sunitas alinhados com a ideologia da Fraternidade Muçulmana.  
O regime sírio, controlado por uma minoria mais desconhecida ainda, os alauítas, foi salvo pelo “eixo da resistência”: Irã e seus filiados libaneses do Hezbollah, além da ajuda da Rússia no bombardeio indiscriminado dos focos de resistência.

No auge da guerra civil, o Hamas ficou do lado dos rebeldes, por afinidades religiosas e ideológicas. Chegou a ser expulso da Síria. Mas o Irã, de quem todo mundo depende, promoveu a reconciliação depois do fim da guerra civil. Os horrores de uma guerra que matou um número literalmente incalculável – 500 mil pessoas, segundo algumas avaliações – nunca provocaram protestos como os que acontecem agora contra Israel.

O Estado Islâmico, originado no Iraque, floresceu nesse caldeirão infernal . Chegou a ter o controle de um território grande entre a Síria e o Iraque. Para combatê-lo houve uma aliança tácita que reuniu Estados Unidos e as forças xiitas iraquianas com grande influência do Irã.  
A perda do controle territorial e o altíssimo número de baixas obviamente não significaram o fim da ideologia do Isis. 
O Isis-K não tem a mesma força, mas se beneficia do abrigo fornecido pelas regiões montanhosas literalmente inalcançáveis do Afeganistão e do Paquistão.


PROVA DE VIDA
Num sinal de que considera o Talibã moderado demais,
o Isis-K foi o responsável pelo grande atentado no aeroporto de Cabul, quando as forças americanas estavam deixando o Afeganistão, com 170 mortos entre a multidão que tentava fugir do país e treze militares americanos – um dos maiores vexames do governo de Joe Biden.

O racha entre sunitas e xiitas remonta à época da sucessão do profeta Maomé. Os xiitas acreditam que Maomé designou especificamente seu genro (e primo), Ali, para conduzir os fieis. 
Muito sangue rolou desde então, embora os fundamentos religiosos sejam os mesmos: a revelação, o Corão, a adesão literal à sharia e o controle total da aparência feminina que provocou uma barbaridade recente como as 74 chibatadas a que foi submetida a curda iraniana Rosa Heshmati por não usar o pano na cabeça.

Além de divergirem sobre o passado, sunitas e xiitas também têm visões diferentes sobre o futuro. Os xiitas iranianos são mais messiânicos e aguardam a próxima volta de um imã histórico, numa espécie de juízo final.

Como minoria em todos os grandes países muçulmanos, com exceção do Irã, os xiitas sofreram perseguições históricas. 
No Afeganistão e no Paquistão, são frequentemente alvos de atentados pavorosos praticados pelo Isis-K em mesquitas e outros locais religiosos. De novo, com zero de protestos nas sensíveis universidades da elite ocidental.

É claro que o Irã tentou empurrar a culpa pelo duplo atentado para Israel, dizendo, ridiculamente, que a linguagem do documento em que o Isis-K assumia a responsabilidade era suspeita. Imagina-se que os serviços de inteligência de Israel saberiam imitar direitinho a linguagem do Isis-K, mas todo mundo entende que é uma encenação. A letal prova de vida do grupo mais radical de um universo em que o fundamentalismo extremo predomina acrescenta um elemento de desestabilização num cenário em que não faltam perigos de que tudo o que já está muito ruim fique pior ainda.

 Vilma Gryzinski, Mundialista - Revista VEJA

 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Um cheque em branco para a censura - Revista Oeste

Tom Slater, da Spiked

Se você quiser silenciar alguém, é só insistir que suas palavras machucam, que essa pessoa ameaça a sua “segurança emocional” 

“A liberdade está nos corações de homens e mulheres; quando ela morre ali, nenhuma Constituição, nenhuma lei, nenhuma Corte podem fazer muita coisa para ajudar.” Isso foi dito por Learned Hand, jurista e filósofo jurídico norte-americano, em 1944. Se esse é o caso, as coisas parecem bem desoladoras na Inglaterra no fim de 2021.

Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Para encerrar outro ano de censura desenfreada, atacando uma instituição após a outra, agora temos uma pesquisa da YouGov, empresa líder internacional de pesquisa de mercado baseada na internet, com sede no Reino Unido, mostrando que o público também não está tão feliz com a liberdade de expressão. Aqueles que acreditam que deveríamos priorizar “o fim do discurso ofensivo e de ódio” aparentemente ganham daqueles que preferem “proteger a liberdade de expressão”, 43% a 38%, respectivamente.

A liberdade de expressão claramente não está vivendo nas mentes e nos corações dos ingleses e das inglesas tanto quanto gostaríamos. Ainda que, a julgar pelo detalhamento da pesquisa, são as mulheres que estão deixando a bola cair, junto com os eleitores do Partido Trabalhista Britânico e a faixa etária de 18 a 24 anos.

Até que ponto as sociedades livres como a do Reino Unido de fato estiveram à altura de seus valores liberais é algo discutível. Mas, pelo menos, até recentemente, a liberdade era a aspiração, a história que contávamos uns para os outros. Cada vez menos parece ser o caso, como muitos momentos sinistros em 2021 deixaram extremamente claro.

Basta lembrar o caso da escola Batley Grammar. É quase perdoável esquecer que, em março de 2021, em Yorkshire, na Inglaterra do século 21, um professor foi afastado por blasfêmia e forçado a se esconder depois de ser ameaçado por muçulmanos e manifestantes nos portões da escola. Tudo porque ele mostrou quadrinhos do profeta Maomé em uma aula de ensino religioso.

Fanáticos religiosos fecharam a escola por dias e aterrorizaram um professor muito querido. E todos os envolvidos basicamente cederam à vontade deles. O membro local do Parlamento, membro do Partido Trabalhista Britânico, considerou a aula “inadequada”. O diretor publicou um pedido de desculpas bajulador. Os sindicatos de professores baixaram a cabeça enquanto um dos seus temia pela própria vida.

A luta pela liberdade de expressão foi construída com base na zombaria de deuses e profetas. Que a punição à blasfêmia tenha voltado ao Reino Unido neste ano mostra a profundidade com que perdemos a fé na liberdade de expressão. Mas havia algo de muito moderno, bem como de antiquado, nesse escândalo específico.

Os manifestantes em Batley, disfarçados de representantes dos muçulmanos britânicos, usaram uma ideia de vitimização e fragilidade emocional que está na moda. O professor e seus defensores estavam “usando a liberdade de expressão como uma desculpa” para “magoar e ofender alguém”, como um suposto líder comunitário discursou para uma multidão de manifestantes.

“Eu me ofendo, portanto, eu censuro” se tornou o lema da nossa era

“Nós, da comunidade islâmica, nos opomos e condenamos o uso de todo e qualquer material religioso ofensivo nas escolas”, disse outro, afirmando falar em nome de todos os muçulmanos, enquanto lia uma declaração preparada com antecedência. A aula blasfema, ele afirmou, deixou as crianças “preocupadas com sua segurança e seu bem-estar”, e a polícia deveria ser envolvida.

Quadrinhos muçulmanos não são mais apenas blasfêmias contra o profeta, são ataques emocionais às pessoas de fé. A parlamentar inglesa Naz Shah, do Partido Trabalhista, afirmou algo parecido em julho, quando pediu a criminalização daqueles que “difamarem, caluniarem ou ofenderem o nosso profeta”. “O dano emocional causado em nossos corações é insuportável”, disse ela.

Aqui vemos a tolerância religiosa entendendo como o jogo é jogado hoje em dia. Se você quiser silenciar alguém, é só insistir que suas palavras machucam, que essa pessoa ameaça a sua “segurança emocional”. “Eu me ofendo, portanto, eu censuro” se tornou o lema da nossa era, e ele perpassa muitas das disparatadas batalhas relacionadas à liberdade de expressão vistas nos últimos 12 meses.

Quando Kathleen Stock foi expulsa da Universidade de Sussex neste ano, uma acusação semelhante foi feita. “Kathleen Stock coloca a segurança de estudantes trans em risco”, dizia um dos cartazes mais educados pendurado no trajeto que ela fazia pelo campus. “Se eu tivesse aulas com ela, não me sentiria seguro academicamente”, um membro da sociedade LGBTQ+ de Sussex afirmou ao Financial Times.

“Sentir” é a palavra-chave. Stock nunca endossou nem incitou à violência contra pessoas trans. Ela nunca fez nenhuma afirmação remotamente transfóbica. Ela apenas acredita que o sexo é imutável e que certas coisas decorrem disso. Mas, por se recusar a seguir a ideologia de gênero, ela foi apresentada como uma ameaça à segurança dos estudantes.

Do outro lado do oceano, pelo crime de contar piadas sobre a transgridem em seu mais recente especial para a Netflix, o incancelável Dave Chappelle foi praticamente acusado de assassinato alguns meses atrás. “Estamos aqui hoje porque não aceitamos uma piada”, disse Ashlee Marie Preston, organizadora de um protesto contra Chappelle do lado de fora dos escritórios da Netflix em outubro. “Estamos aqui hoje porque piadas tiram vidas.”

Falando em defesa de Chappelle, Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, insistiu que a comédia não contribuía com nenhum “risco do mundo real”. É disso que a liberdade de expressão trata essencialmente: a distinção entre palavras e violência, e o princípio de que, se alguém comete alguma atrocidade, a responsabilidade é dele — a culpa não pode ser colocada nos livros, na música, nos video games nem nas comédias de que essa pessoa gosta.

Mas isso é uma abominação para os pretensos censores de hoje em dia, que consideram praticamente tudo incitação à violência e cuja ideia do que constitui dano é cada vez mais nebulosa. Como Lourdes Ashley Hunter, do coletivo Trans Women of Color, afirmou ao Washington Post durante o escândalo de Dave Chappelle: “O dano nem sempre é físico… Ele é psicológico, é emocional”.

Uma sociedade que troca liberdade de expressão por segurança emocional logo vai descobrir que não tem nenhuma das duas

A liberdade de expressão simplesmente não consegue sobreviver a essa ideia. A convicção de que palavras podem ferir e matar como balas ou um cassetete é um cheque em branco para a censura; quem tem permissão para falar é determinado por quaisquer grupos que tenham peso suficiente, ou inspirem terror suficiente, entre a classe dominante em qualquer situação específica.

Mesmo os censores do Estado de hoje em dia seguem esse roteiro terapêutico. Vejamos o projeto de lei “Online Safety”, que tem como objetivo contar discursos “legais, porém danosos”, ou a coleção das forças policiais inglesas de supostos “incidentes de ódio não criminosos” — uma prática orwelliana que, ainda bem, foi derrotada pelo ex-policial Harry Miller no tribunal —, mas que a polícia ainda considera necessária para “proteger pessoas e comunidades vulneráveis”.

O paradoxo nisso tudo é que a fetichização do dano emocional parece estar alimentando um tanto de dano físico, pelo menos, de ameaça física. Neste ano, da escola Batley Grammar para a Universidade de Sussex, passando pelas menções a J.K. Rowling, muitas pessoas que afirmam ter sido “feridas” por palavras ou imagens tiveram pouco remorso em ameaçar, causar dano de fato a outros. Também parecemos ter esquecido Hatun Tash, ex-muçulmano convertido em pastor cristão que foi atacado com uma faca no Speaker’s Corner. Esse conflito é alimentado pelos limites borrados entre discurso e violência. Porque, se palavras são violência, então a violência é uma reação legítima às palavras.

É possível que não exista um fim para isso. E uma sociedade que troca liberdade de expressão por segurança emocional logo vai descobrir que não tem nenhuma das duas. Essa autovitimização só pode gerar mais autovitimização. Quanto mais você insiste que as pessoas são vulneráveis às palavras, mais você as encoraja a destruir ideias que as incomodam, e mais instáveis e histéricas elas se tornam.

Em 2021, vislumbramos o que uma tirania de mágoas pode se tornar. Em 2022, precisamos garantir que a liberdade esteja nos corações e nas mentes das pessoas de novo.

Leia também O paradoxo da linguagem “inclusiva”

Tom Slater é editor da Spiked - Revista Oeste


terça-feira, 9 de julho de 2019

“Vivemos sob constante tensão”, diz cardeal sobre cristãos no Paquistão



Joseph Coutts é arcebispo de Karachi e cardeal do Paquistão, quinto país do mundo em perseguição aos seguidores do cristianismo

A cristã Asia Bibi teve de deixar o Paquistão e se refugiar no Canadá após ser condenada pela lei da blasfêmia e passar oito anos no corredor da morte. A mãe de cinco filhos é apenas uma das muitas vítimas da controversa legislação paquistanesa e da perseguição cada vez mais violenta contra os seguidores do cristianismo no país.  Segundo a organização de monitoramento e trabalho humanitário Portas Abertas, com sede na Holanda, o Paquistão é o quinto país do mundo onde os cristãos sofrem mais oposição à prática de sua fé. A nação só perde para Coreia do Norte, Afeganistão, Somália e Sudão.

Atualmente, os seguidores do cristianismo representam 1,59% da população do país, onde 96,28% de seus habitantes se declaram muçulmanos. Os cristãos compõem um grupo maior apenas que os hindus, budistas, qadianis e outros seguidores de variações do islamismo, estes também vítimas de organizações extremistas islâmicas.
O cardeal Joseph Coutts, arcebispo de Karachi, explica que a tensão contra os cristãos no país se tornou maior nas últimos 25 anos, com a ascensão da ideologia islâmica extremista em todo o Oriente Médio e em outras regiões do mundo.
“Vimos o crescimento gradual de um novo tipo de Islã, muito mais militante e pronto para usar da violência”, afirma o religioso, que visitou o Brasil e participou da Assembleia Geral da CNBB em maio. “Agora vivemos em constante tensão, sempre nos perguntando quando será o próximo ataque”.

Os atentados contra igrejas destacam a situação precária dos cristãos do Paquistão. Em setembro de 2013, um ataque suicida reivindicado pelos talibãs paquistaneses contra a Igreja de Todos os Santos, em Peshawar, matou 81 pessoas. Dois anos depois, explosões atingiram dois templos próximos em Lahore, matando 15. Em 2016, terroristas de um grupo filiado ao Talibã atacaram o parque Gulshan-e-Iqbal, também em Lahore, onde cristãos celebravam a Páscoa. No ano seguinte, jihadistas armados e homens-bomba atacaram a Igreja Metodista do Memorial Bethel na cidade de Quetta, no oeste do país, matando mais nove pessoas.

A violência não se restringe a atos terroristas contra templos. Uma média de 700 mulheres e crianças cristãs são raptadas, violentadas e convertidas ao islamismo todos os anos, segundo a Portas Abertas. Os seguidores dessa fé e outras minorias religiosas também sofrem discriminação no dia a dia e são frequentemente preteridos nas seleções para postos de trabalho e em vagas para escolas e universidades de maioria muçulmana.  Para o arcebispo da maior cidade do país, a violência se intensificou com o apoio aos terroristas do Talibã pelo governo paquistanês durante a investida soviética no Afeganistão, entre 1979 e 1989. Mais recentemente, aumentou com a invasão dos Estados Unidos ao país após os atentados de 11 de setembro de 2001. “Nunca precisamos de proteção antes, mas agora em toda missa ou encontro nas igrejas católicas do país há policiais fazendo a segurança e controlando a entrada de pessoas”, conta o cardeal Coutts. Joseph Coutts foi nomeado cardeal pelo papa Francisco durante o consistório de 28 de junho de 2018. Antes de servir como arcebispo de Karachi, o religioso foi bispo auxiliar da diocese de Hyderabad e bispo de Faisalabad. Também foi presidente da Conferência Episcopal do Paquistão e presidente do Caritas Paquistão.

Lei da Blasfêmia
O caso de Asia é só mais um lembrete da violência contra os cristãos e outras minorias religiosas do Paquistão. A mulher de 48 anos foi denunciada em 2009 por supostamente ter insultado o profeta Maomé durante uma discussão com duas mulheres em Punjab, na fronteira com a Índia.  A acusação tomou como base a lei da blasfêmia, que agrupa várias outras regras contidas no Código Penal e inspirada diretamente na Sharia, a norma religiosa muçulmana, para punir qualquer ofensa contra Alá, Maomé ou ao Corão.

A rígida legislação foi estabelecida na época em que o Paquistão era uma colônia britânica e voltou a valer no país nos anos 1980, implantada pelo ditador Mohammad Zia-ul-Haq sem aprovação parlamentar. Desde então, foram registradas mais de 1.000 acusações por blasfêmia, um crime que pode ser punido com a pena de morte, embora nenhum condenado tenha sido executado pela Justiça do país até hoje.  Ainda que a norma tenha a intenção de proteger a honra do Profeta Maomé e do Livro Sagrado, ela pode ser facilmente usada de maneira imprópria. É muito fácil para um muçulmano acusar alguém de blasfêmia, mesmo sem provas consistentes.

Nunca se soube exatamente o que aconteceu com Asia naquela discussão com as duas mulheres e muito menos se a paquistanesa, de fato, blasfemou o profeta. Após a denúncia, contudo, ela e sua família passaram a ser vítimas de forte opressão e violência. Até Salmaan Taseer, governador de Punjab, a província mais poderosa do Paquistão, foi morto como consequência da lei da blasfêmia e de sua intolerância. Ele visitou Asia na prisão e prometeu ajudá-la em seu caso. Apesar de seguir o islamismo, Taseer foi assassinado na capital paquistanesa, Islamabad, pelo seu próprio guarda-costas, incentivado por muçulmanos fanáticos.

Muitos dos envolvidos no julgamento da cristã também foram vítimas de ameaças e acabaram sendo influenciados, segundo Coutts. A decisão de libertá-la e absolvê-la da pena de morte só veio oito anos depois, quando o caso ganhou repercussão internacional e foi revisto pela Suprema Corte do país. Na última instância, constatou-se que os depoimentos das principais testemunhas ouvidas eram inconsistentes.  O caso de Asia não é o único entre a comunidade cristã e até mesmo entre muçulmanos moderados. Legisladores e membros do governo já tentaram fazer modificações na lei, mas o governo controlado por muçulmanos sunitas e as ameaças sofridas pelos grupos radicais impedem qualquer mudança.

Em 2010, a deputada Sherry Rehman, do Partido Popular do Paquistão (PPP), apresentou um projeto de lei para incluir uma emenda na lei. Seu objetivo era fazer com que todos os casos passassem obrigatoriamente pela Suprema Corte. O projeto passou por uma primeira comissão parlamentar, mas foi abandonado em 2011, após pressão de grupos religiosos. Rehman passou a receber ameaças constantes e, para protegê-la, o governo a nomeou embaixadora nos Estados Unidos. No mesmo ano, o então ministro de Minorias e único cristão no gabinete do governo, Clement Shahbaz Bhatti, foi assassinado por membros do Talibã paquistanês após protestar contra a norma. O Vaticano recebeu o pedido de sua beatificação em 2016.

Ameaças e proteção constante
O próprio cardeal Joseph Coutts já foi vítima de ameaças e recebe proteção policial 24 horas ao dia por ordem do governo paquistanês. Sua casa, localizada em um complexo da Igreja Católica, é sempre guardada por uma van e quatro agentes.
“Eles sabem que se algo acontecer comigo será um incidente internacional”, afirma Coutts. “E o Paquistão já tem uma imagem ruim no exterior.”  O arcebispo recebeu ameaças pela primeira vez quando ainda era responsável pela diocese de Faisalabad. Na época, desenvolveu laços com clérigos muçulmanos e chegou a participar de uma festa de Natal com um imã muçulmano da cidade em sua Madrasa, escola ou casa de estudos islâmicos.

Ao final do evento, em que os dois grupos religiosos falaram em esforços para consolidar a paz entre as comunidades, Coutts recebeu uma série de telefonemas intimidadores. “Recebi também uma carta assinada por ‘Tigres Islâmicos’, que ameaçaram me matar e arrancar minha língua”, conta. “Nunca descobrimos a qual grupo radical os autores pertenciam”.
 
O cardeal hoje lidera uma batalha para tentar tornar o Paquistão uma nação igualitária para todas as vertentes religiosas. Graças aos esforços de sua comunidade, os livros escolares de Karachi passaram a incluir citações do fundador do país, Muhammad Ali Jinnah, sobre a convivência pacífica dos povos. A convite da entidade ACN (Ajuda à Igreja que Sofre), Joseph Coutts esteve no Brasil entre os dias 5 e 12 de maio e participou da 57ª Assembleia Geral da CNBB em Aparecida do Norte, onde também falou sobre os desafios dos cristãos no Paquistão.
 
https://veja.abril.com.br/mundo/vivemos-sob-constante-tensao-diz-cardeal-sobre-cristaos-no-paquistao/

Revista Veja
 



domingo, 26 de maio de 2019

Os enviados de Deus

Governantes que precisam apelar


Muitos governantes invocam o nome de Deus como escudo, registra a história. Em seu reinado, o ditador Franco, “caudillo da Espanha pela Graça de Deus” referia-se sempre à Providência Divina: “Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos”. A fascista Falange Espanhola o declarou “responsável perante Deus e a história”.  Monarcas justificam tudo pelo direito divino, independentemente da vontade dos súditos. Hassan II, no Marrocos, se declarava descendente do profeta Maomé: “Não é a Hassan II que se venera, mas ao herdeiro de uma linhagem dos descendentes do profeta Maomé”.

Hirohito, imperador do Japão de 1926 a 1989, era visto como divindade. Criou uma aura, distante da população que viveu guerras e mortes. Vestia-se como um “imperador divino e perfeito”, descendente da deusa do sol, Amaterasu.  O ditador Idi Amin Dada, de Uganda, garantia ao povo que conversava com Deus em sonhos, espécie de aval aos seus atos. Um dia perguntaram: “o senhor conversa com frequência com Deus”? Ele: 

Hirohito, imperador do Japão de 1926 a 1989, era visto como divindade. Criou uma aura, distante da população que viveu guerras e mortes. Vestia-se como um “imperador divino e perfeito”, descendente da deusa do sol, Amaterasu.
O ditador Idi Amin Dada, de Uganda, garantia ao povo que conversava com Deus em sonhos, espécie de aval aos seus atos. Um dia perguntaram: “o senhor conversa com frequência com Deus”? Ele: “Sempre que necessário”. Já em Gana, os eleitores cantavam assim a figura de Nkrumah: “o infalível, o nosso chefe, o nosso Messias, o imortal”. 
Aqui se eleva aos céus a figura de Jair Bolsonaro. A quem um pastor evangélico do Congo, Steve Kunda, assim se refere: Na história da bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus. Um exemplo, o imperador da Pérsia, Ciro. Antes do seu nascimento, Deus fala através de Isaías: ‘Eu escolho meu sérvio Ciro’. E o senhor Bolsonaro é o Ciro do Brasil”.
O nosso Messias jogou o vídeo nas redes sociais. E entoou: “Brasil acima de tudo; Deus acima de todos”.

Para reforçar, o bispo Edir Macedo pede que Deus ‘remova’ quem se opõe a Bolsonaro, acusando políticos de tentarem “impedir o presidente de fazer um excelente governo”. O fato é que os governantes em países atrasados culturalmente e até desenvolvidos organizam seu próprio culto. Querem a imprensa cultivando sua imagem de herói, Salvador da Pátria, Super-Homem, Pai dos Pobres, Enviado dos Céus. Nietsche já alertava contra tal esperteza: “o super-homem destrói os ídolos, ornando-se com seus atributos. A apoteose da aventura humana é a glorificação do homem-Deus”.
Essa mania do parentesco com Deus ressurge na onda direitista e populista que se espraia pelo planeta, incluindo Hungria, Polônia, Áustria, Itália, Suíça, Noruega, Dinamarca, Filipinas, Turquia e, claro, os Estados Unidos de Donald Trump.

Esses governantes assumem comportamento autoritário, criam estruturas próprias de comunicação, formam alas sociais amigas e inimigas, fustigam a imprensa. Tentam impedir a mídia tradicional de cumprir sua missão de apurar os fatos, vigiar e cobrar dos poderes públicos.
Cortam investimentos publicitários, extinguem empregos e investem no “achismo” das redes sociais. Os efeitos brotam: perda de credibilidade na informação; formação de exércitos na guerra da contrainformação; apartheid social.
No meio do turbilhão, Jair ataca a imprensa e os políticos e, quem sabe, pensa subir ao trono das divindades. Já tem até identidade: afinal, Messias é seu sobrenome.

 

segunda-feira, 25 de março de 2019

Imitação do mal: copia, cola, mata

A internet é o princípio, o meio e o fim dos assassinos em massa


Dogolachan, 4chan, 8chan. Não faz ideia do que é? Dylan Klebold e Eric Harris, Adam Lanza, Dylann Roof, Robert Bowers. Anders Breivik, Brenton Tarrant. Ainda está difícil? Vamos ficar mais próximos. Wellington, Guilherme, Luiz Henrique. Sim, são todos autores de massacres infames. Em escolas na maioria, mas também em uma igreja metodista de fiéis negros, uma sinagoga, um acampamento do partido de centro-esquerda da Noruega e, no caso mais recente, em duas mesquitas na Nova Zelândia. Todos frequentadores dos “buracos negros” da internet mencionados logo no começo, autodoutrinados em teorias conspiratórias.

Certos de que se tornaram heróis malditos, celebridades do mundo das sombras da internet, seja na morte, na maioria dos casos, seja na vida numa cela. Numa competição do mal, saúdam os antecessores e tentam superá-­los. Por enquanto, o australiano Brenton Tarrant está no topo: transmitiu ao vivo pelo Facebook os dezessete horripilantes minutos em que massacrou frequentadores das mesquitas — “invasores”, por serem muçulmanos.

Tarrant matou cinquenta pessoas e riu da nossa cara. Na live do terror e no manifesto que deixou para a infâmia, plantou pistas falsas e trolagens, destinadas justamente a causar confusão e desinformação. Um exemplo: disse que Candace Owens foi a pessoa que mais o conduziu ao caminho da radicalização, “embora os atos extremos que ela defende sejam excessivos até para o meu gosto”. É uma espécie de piada cheia de ironia. Candace, também cria da era digital, é jovem, bonita, negra e agressivamente conservadora. O falso elogio a ela, da mesma forma que o dirigido a Donald Trump, faz parte do declarado propósito de Tarrant de apressar uma guerra civil nos EUA.

Como seu maior inspirador, Anders Breivik (77 mortos na Noruega, um recorde difícil de quebrar), Tarrant tem um conceito narcisista da própria importância. Naturalmente, acha que vai mudar o mundo. Embora ambos tenham agido de forma isolada, o uso intensivo das redes sociais, o culto à ultraviolência e as “justificativas” para matar civis inocentes são impressionantemente idênticos aos dos propagandistas do Estado Islâmico. Como os ultrafundamentalistas muçulmanos, Tarrant procurou no passado a explicação para barbaridades no presente.

Suas armas foram pintadas com o nome de comandantes da Batalha de Lepanto, como Marcantonio Colonna e Sebastiano Venier, do governador de Veneza na época da histórica vitória na cidade sitiada e de heróis sérvios da resistência à expansão muçulmana. Usar fatos que aconteceram há 400 ou 500 anos como paradigma do presente equivale a invocar as batalhas do profeta Maomé como exemplo de comportamento para os muçulmanos nos dias atuais.

O fator cópia e o elemento contagioso desses massacres fazem com que aumentem os apelos para que o nome dos desgraçados não seja reproduzido pela imprensa, os “chans” em que se infectam mutuamente sejam policiados e as plataformas abertas que usam para se promover apertem a censura. Todas, infelizmente, soluções falsas para um problema verdadeiro.

Publicado em VEJA de 27 de março de 2019, edição nº 2627

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Falta de comando do presidente Temer, contamina administração pública

PF em clima de rebelião interna
Diretor-geral enfrenta desconfiança dos subordinados por ter dado declarações sobre inquérito que investiga Temer

O diretor-geral da Polícia Federal Fernando Segovia nem completou três meses no cargo e já tem pela frente o maior desafio de sua gestão. Conter o que já parece ser uma rebelião interna de delegados que não aceitam interferência indevida em suas investigaçõesO tom da mais recente reação dos policiais que comandam os inquéritos contra ministros e parlamentares é tão duro que pode colocar a autoridade de Segovia sob ameaça. Um ofício elaborado pelo Grupo de Inquéritos Especiais junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) dá o recado direto: "Em face dos recentes acontecimentos amplamente divulgados pela imprensa, os delegados integrantes deste Grupo de Inquéritos junto ao STF vêm a Vossa Excelência dar conhecimento de que, no exercício das atividades de Polícia Judiciária naquela Suprema Corte, não admitirão, nos autos do inquérito 4621 ou em outro procedimento em trâmite nesta unidade, qualquer ato que atente contra a autonomia técnica e funcional de seus integrantes, assim como atos que descaracterizam a neutralidade político-partidária de nossas atuações", diz o ofício-manifesto. 

[dois acontecimentos que só ocorrem no Brasil atual - o primeiro deles consequência direta da falta de decisão de Temer:
-1º - essa 'rebelião' da PF jamais aconteceria nos governos militares - até, incluindo o do general Ernesto Geisel; 
no governo Geisel o ministro do Exército, General-de-Exército Sylvio Couto Coelho da Frota, tentou se impor, perdeu o cargo.

2º - Esta outra envolve o Governo pelo excesso de liberalidade, que permite o abuso de pseudos artistas - na realidade difusores de pornografia e outras aberrações: - estilo trupe do 'queer museu' e assemelhados, que vivem vilipendiando valores cristãos, deveriam provar que são realmente corajosos, ou corajosas (dizem as más línguas que algumas mulheres de tal grupo são mais macho do que os machos de lá) poderiam incrementar  a difusão de seus valores, virarem notícia em âmbito mundial, e debocharem do Profeta Maomé - com a mesma disposição com que ofendem Jesus Cristo, não por coragem, e sim por covardia, já que sabem que  os católicos pertencem a uma religião do perdão, da tolerância e tudo suportam.
Façam pouco caso de Maomé - garanto que terão muita divulgação.] 
 
O ofício foi enviado ao chefe do grupo, o diretor de Combate à Corrupção; e 4621 é o número do inquérito que está no STF e tem Temer como investigado.
Não bastasse a declaração de vontade dos delegados, eles explicitam no tal documento disposição de bater à porta do Supremo, e pedir medidas cautelares contra quem ousar atrapalhar as investigações. As tais medidas cautelares costumam ser aplicadas contra os investigados. E chega-se portanto à situação inusitada de policiais falarem em adotar as mesmas medidas contra eventual ato do comandante superior de todos eles, o diretor-geral.

A manifestação improvável numa corporação que costuma respeitar a hierarquia deixa Segovia numa encruzilhada: desfazer o nó criado pela declaração que ele mesmo deu e ainda tentar manter a autoridade sobre seus comandados; ou permanecer no posto ilhado com os subordinados escondendo do próprio chefe o que investigam e o que concluem.

A situação toda é inédita na PF. Mas não no mundo dos investigadores. No Ministério Público Federal, no final da década de 90, quando o governo Fernando Henrique Cardoso nomeou Geraldo Brindeiro para o cargo de procurador-geral da República conseguiu manter no posto um nome que não causava desconforto ao Executivo. Mas que também não conseguia controlar ou minimamente influenciar os procuradores de primeira instância, justamente quem cuidava de investigações e ações contra ministros de Estado. Os procuradores na esfera civil e em ações de improbidade, já que a área penal era exclusividade do chefe do MPF. Ainda não se tem notícia de que Segovia já tenha feito algum gesto interno para indicar que caminho vai seguir. O tempo corre contra ele mesmo. A encruzilhada pode virar um beco sem saída.

O Globo