Naira Trindade
Linguagem da caserna vira o novo ‘idioma’ do Planalto
[Precisa, rápida, ideal para compor com disciplina e hierarquia = missão dada é missão cumprida.]
Ao receber o texto final da reforma administrativa, o presidente Jair Bolsonaro avisou que iria “papirar” todo o conteúdo da proposta antes de decidir sobre o envio ao Congresso. A expressão, que num primeiro momento soa estranha a civis, faz parte de um vasto vocabulário militar que tem se tornado comum no Palácio do Planalto. Em pouco mais de um ano de governo, servidores já aprenderam que Bolsonaro não estuda, papira. Não dá dica, dá bizu. E, se a missão é fácil, trata-se de um “galho fraco”.
Três semanas atrás, quando Bolsonaro foi questionado por jornalistas se Onyx Lorenzoni, então ministro da Casa Civil, havia favorecido seu estado, Rio Grande do Sul, no primeiro ano de governo, respondeu: — Se estiver acontecendo, teremos problemas pela frente, mas até o momento não plotei isso aí do Onyx não, até o momento — afirmou, usando a palavra plotar para dizer que não tinha descoberto nada sobre o tema.
Durante a cerimônia que transferiu o Conselho da Amazônia para o comando do vice-presidente Antônio Hamilton Mourão, o ministro Augusto Heleno (Gabinete da Segurança Institucional) explicou como nasceu o brado “selva”. — O homem que contribuiu decisivamente para que a Amazônia aparecesse para o Brasil inteiro foi o coronel Jorge Teixeira — afirmou, explicando que o militar era avesso a burocracia e achava muito demorada a saída de viaturas do Centro de Instrução da Amazônia. — Então, Teixeira adotou o seguinte: as viaturas que eram do Centro de Instrução, quando passassem pelo corpo da guarda, não precisam anotar número da viatura, quilometragem, quantos litros de gasolina, bastava falar “selva” e passar — explicou, convidando os presentes a fazer o brado no Planalto.
Heleno gritou: “Tudo pela Amazônia!” e os presentes responderam: “Selva!”.
Em um ambiente altamente militarizado, com três ministros generais e um policial militar, aprendeu-se também o significado de “missão dada é missão cumprida”, quando não se pode rejeitar o pedido do superior. Ou até mesmo que “dar as costas” significa confiar no parceiro de guerra, como o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) diz em relação a Braga Netto, que assumiu o comando da Casa Civil.
O novo dicionário palaciano
Acochambrar: ficar de corpo mole para executar alguma função, relaxar, vagabundar
Arrego: expressão usada quando se está muito indignado
Arranchar: comer
Avançar: entrar
Bisonho: pessoa inexperiente
Bizu: uma dica, um conselho
Baixaria: ato de fazer algo feio
Caserna: nome dado ao quartel
Camuflar: se esconder
Dar as costas: sinal de confiança
Dar golpe: burlar um regulamento
Dar sopa na crista: querer aparecer e não se dar bem por isso
Embuste: gabar-se, tirar onda, contar vantagem
Escamotear: fugir de responsabilidades
Estar de baixa: estar doente
Galho fraco: tarefa fácil de se cumprir
Ir na rota: seguir destino
Jangal: vem de jungle (selva, em português) e significa situação ruim, difícil
Laranjeira: quem vive dentro do quartel, quem mora no quartel
Missão cumprida: quando a tarefa é resolvida
Moita: quem não é visto, quem fica quieto
No pau da goiaba: a coisa como ela realmente é; sem rodeios
Papirar: estudar
Paisano: civil
Piruar: se oferecer para algo; está piruando tirar serviço no próximo fim de semana
Plotar: descobrir
Raro: sujeito estranho, esquisito
Rolha: que não tem muita utilidade, sem objetivo, meio inútil
Sanhaço: situação difícil, preocupante, instável
Safo: descolado, esperto, que resolve todos os problemas, experiente
Segue o destino: ir embora
Selva: grito de guerra
Ter permissão: estar autorizado a tomar alguma medida
Torar: dormir
Última forma: esqueça o que eu disse, recuar de alguma decisão
Zaralho: bagunça
Zero: estar entre os dez primeiros da turma
Zero um: melhor colocado, número um da turma
O Globo - Brasil