Entramos numa nova fase do terrorismo, em que a divulgação nas redes sociais potencializa o medo e estimula uma epidemia de atentados
Nas últimas cinco horas de sua vida, enquanto cometia o maior massacre a tiros da história recente dos Estados Unidos,
que deixou 49 mortos e 53 feridos na boate gay Pulse, em Orlando, o
americano Omar Mateen sacou várias vezes o celular e buscou, no
Facebook, as expressões “shooting” (tiroteio) e “Pulse Orlando”. Mateen
queria medir a repercussão de seu espetáculo sangrento,
ainda em curso, nas redes sociais e na internet. Enquanto mantinha
vítimas em cativeiro, ele também telefonou para uma emissora de
televisão e chamou a polícia. Mais do que uma consequência, a
transformação do massacre em um show de horror, que alcançasse
imediatamente o maior número de pessoas possíveis, foi deliberadamente
perseguida pelo terrorista.
Horas antes de começar o tiroteio dentro da Pulse, Mateen telefonou à polícia para jurar lealdade ao grupo terrorista Estado Islâmico (EI). Um rapaz de 29 anos, nascido numa família de afegãos que imigrara para os Estados Unidos, Mateen era muçulmano e frequentava uma mesquita na cidade onde morava, na Flórida. Mas não era devoto disciplinado e, quando ia à mesquita, não trocava meia palavra com os demais. Rezava e logo ia embora. O que ressaltava na personalidade de Mateen era sua instabilidade.
Na infância, ele fora um garoto agressivo, disperso. Na adolescência, colecionara advertências escolares por brigar com colegas e desrespeitar regras. Na vida adulta, direcionou a agressividade para o emprego como segurança de um centro de detenção de jovens. Alardeava ter ligações com o Hezbollah, a milícia xiita do Líbano considerada terrorista pelos Estados Unidos. Por isso, entrara numa lista de investigados do FBI. Ao mesmo tempo, expunha seus preconceitos sem muito pudor: racismo, machismo, antissemitismo e, exageradamente, homofobia. Tivera um rápido casamento com uma jovem muçulmana, conhecida pela internet, que logo quis se separar dele por causa de seu comportamento violento.
Mateen visitou a boate Pulse, frequentada especialmente por gays e simpatizantes, pelo menos uma dúzia de vezes antes do ataque. Chegou a fazer um perfil em um aplicativo de relacionamento gay e a conversar com um usuário que descreveu seu comportamento como “esquisito”. Após a morte de Mateen, abatido a tiros pela polícia, o limite entre a espreita de suas vítimas e o pertencimento à comunidade gay ficou impreciso. Apesar de o Estado Islâmico logo ter declarado Mateen um soldado de sua guerra fundamentalista contra o Ocidente, a investigação não encontrou ligações dele com a organização terrorista. Assim também ficou impreciso se o ato de Mateen era um gesto de extremismo solitário ou um assassinato em massa levado a cabo por um indivíduo com aversão à homossexualidade, talvez a própria. Na dúvida, Mateen acabou enquadrado na categoria dos “lobos solitários”, os terroristas que se radicalizam depois de acessar pela internet a maciça propaganda virtual disseminada pelo Estado Islâmico e outras organizações, e perpetram atentados, sem nenhum planejamento sofisticado e apoio logístico dos grupos terroristas.
Desde o massacre de Orlando, em 12 de junho, uma série de atentados terroristas, assassinatos em massa, chacinas aconteceram em países do Ocidente e no Japão numa sequência ao mesmo tempo impressionante e apavorante. Alguns ataques têm um caráter ideológico, outros não e outros caem numa zona cinzenta. Boa parte deles foi reivindicada por aparentes “lobos solitários” como Mateen, que proclamaram estar agindo em nome do Estado Islâmico. Foi o caso de Mohamed Lahouaiej Bouhlel, um tunisiano morador de Nice, na Riviera Francesa, que matou 84 pessoas e feriu centenas de outras ao dirigir em alta velocidade um caminhão de 19 toneladas contra uma multidão que assistia à beira-mar à queima de fogos do Dia da Bastilha, a data nacional francesa.
Fonte: Revista Época