Dilma não terá paz, pouco importa o número de manifestantes
O importante é: sejam 10.000 manifestantes ou 10.000.000, Dilma já era. Não tem salvação, é só questão de renunciar, ser derrubada ou seguir o exemplo de Getúlio antes mesmo do próximo 24 de agosto
O povo na rua e a dinâmica da crise: Dilma não terá paz, pouco importa o número de manifestantes
Quantas
pessoas vão à manifestação de protesto neste domingo? Cinquenta mil?
Cem mil? Dois milhões? Querem saber? Para a dinâmica da crise, isso só
teria importância se muitos milhões, muitos mesmo!, acima de qualquer
expectativa, tomassem as ruas. É claro que
um protesto à altura daquele do dia 15 de março já deixará o governo de
sobressalto, ainda mais desorientado e, pois, suscetível ao erro. Se, na
contabilidade geral, houver, sei lá, 100 mil pessoas nas ruas, o que é
gente pra diabo, os palacianos e seus acólitos na imprensa gritarão:
“Mico!”. Talvez os próprios promotores do evento venham a ficar um tanto
acabrunhados se assim for. E, no entanto…
E, no
entanto, que diferença o eventual mico efetivamente faria para Dilma
Rousseff? Ninguém deixará de achar o governo ruim/péssimo, migrando para
o grupo do “regular” ou do “bom/ótimo”, porque os protestos terão
reunido 100 mil pessoas em vez de 3 milhões. Não há voto de confiança ou
avaliação generosa que resista a menos dinheiro no bolso, preços em
disparada, economia acabrunhada, futuro incerto, pessimismo.
Os próprios
jornalistas, que cometem o pecado de circular demais no meio político e
de menos nas ruas, correm o risco de fazer avaliações apressadas. Um
balanço ligeiro desta semana, a se considerar só o ambiente da corte,
tenderá a concluir que Dilma já superou o pior da crise. Segundo essa
hipótese, a semana anterior teria sido o fundo do poço, e esta que
termina, o ponto de inflexão. De fato, importantes costuras foram feitas
entre palacianos e cortesãos, mas isso conta muito pouco. Dilma não tem
de se segurar no cargo até 31 de agosto de 2015, mas ate 31 de dezembro
de 2018.
Até que a
economia melhore para as pessoas, não para os indicadores que medem
tendências, ainda será preciso piorar bastante. Se o Palácio conseguiu
ou não isolar Eduardo Cunha; se o deputado está mais poderoso ou menos;
se o senador Renan Calheiros passou a ser o homem da “estabilidade” em
Brasília… Convenham: que diferença isso faz para os brasileiros que não
vivem de descrever os humores dos políticos de Brasília?
Há mais: a
cada enxadada que dá a Operação Lava Jato, surge um punhado de minhocas
reais, potencialmente reais ou virtuais, pouco importa. A engrenagem
hoje envolvida na investigação e nos vazamentos tomou gosto pela coisa.
Já se abriram duas variáveis independentes na operação, que remetem para
o Ministério do Planejamento e para o setor elétrico. A artilharia se
volta agora para os estádios da Copa do Mundo, terreno fértil para
escavar frustrações e humilhações.
Na
superfície desse terreno, está aquele sentimento que varreu o país em
2013 e 2014, que contrastava a ruindade dos serviços públicos oferecidos
pelo estado com a suntuosidade dos estádios, o que transformou o tal
“Padrão Fifa”, antes uma referência de qualidade, em reivindicação
situada entre a política e a ironia. E a ironia suprema, depois que
estourou o escândalo da Fifa, foi saber que, de algum modo e em certa
medida, sempre estivemos no Padrão Fifa — no caso, o da roubalheira.
Nas
profundezas desse terreno minado pela indignação, ainda está a
humilhação daqueles 7 a 1 para a Alemanha, a indicar que fomos roubados
para nada. A força-tarefa da Lava-Jato, qualquer observador arguto já
percebeu, tem um atilado senso de marketing. E pouco importará saber o
percentual de dinheiro público e de dinheiro privado que financiou os
elefantes brancos. Isso não acaba tão cedo.
Para
arremate dos males, os que recomendam a Dilma correção de rumo procuram
empurrá-la justamente para o modelo que se transformou na usina das
crises. Não era mágica que sustentava aquele modelo, em si
insustentável, mas o ciclo que se encerrou dos preços estratosféricos
das commodities. O resto foi só gestão porca de uma janela que o mundo
nos abriu. O PT se encarregou de transformar o que poderia ter sido o
planejamento do futuro em alguns fogões, algumas geladeiras, cocô de
curto prazo e votos.
Em entrevista à Folha neste
sábado, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) sintetiza: “Ou o governo muda,
ou o povo muda o governo”. E ele está se referindo justamente à
economia. Mas mudar precisamente o quê? Na próxima cochilada que der nas
contas públicas, o país pode ser rebaixado pelas agências de
classificação de risco — e aí haverá gente com saudade do tempo em que o
símbolo do mal era o FMI…
Querem
saber? As pessoas sensatas deveriam torcer para que, neste domingo,
houvesse nas ruas muitos e muitos milhões, um troço realmente
acachapante, a indicar para Dilma que não dá mais. Isso também poderia
evidenciar aos políticos que é chegada a hora. Creio na robustez do
movimento, sim, mas não nessa monumentalidade.
E a pior coisa [especialmente para Dilma e a corja petralha] que poderia acontecer seria o insucesso do protesto. A presidente
não teria o que fazer com ele. Seria um indicador não de otimismo, mas
de desalento e de descrença, o que costuma anteceder decisões coletivas
desastradas.
Não há como o
povo na rua, neste domingo, ser o problema. Ele só pode ser a solução. É
a continuidade do governo que nos lança no escuro, não a sua
interrupção.
Assim, meus caros, bom protesto!