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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Suplementos de colágeno realmente impactam pele, cabelo, unhas e articulações?

O Globo

Alice Callahan, do New York Times

Benefícios da suplementação parecem ser limitados, explicam especialistas, que não a indicam para pacientes com problemas de osteoartrite

Suplemento de colágeno está longe de ser uma unanimidade Foto: Reprodução
Suplemento de colágeno está longe de ser uma unanimidade Foto: Reprodução

"Consuma mais colágeno animal na forma desses suplementos, e você terá pele, cabelo e unhas mais saudáveis, além de acalmar as articulações e apoiar a função digestiva", prometem os rótulos.

Tais suplementos são feitos de tecidos animais ricos em colágeno que poderiam ser descartados pelos processadores de carne, como pele e ossos de bovinos e suínos, bem como escamas e pele de peixe. As proteínas são primeiro desnaturadas para formar gelatina e depois quebradas em fragmentos menores antes de serem incorporadas em produtos como pós, gomas, cápsulas e barras de proteína.

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Suplementos comercializados como "colágeno à base de plantas" não contêm realmente colágeno; eles afirmam apoiar a produção de colágeno com uma mistura de aminoácidos, vitaminas e minerais.

Pesquisas inconclusivas
Qualquer benefício possível de um suplemento como o colágeno depende de como ele é digerido e absorvido no trato gastrointestinal e se os produtos da digestão podem chegar aos tecidos-alvo e ter um efeito terapêutico. Algumas pesquisas analisaram partes dessa sequência e indicaram alguns possíveis benefícios, mas a história está longe de estar completa.

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Veja a pele, por exemplo. O colágeno é uma das principais proteínas da derme, contribuindo para sua firmeza e elasticidade, explica Diane S. Berson, professora associada de dermatologia no Weill Cornell Medical College, em Nova York. A partir dos 20 anos, começamos a perder colágeno da pele, e ele pode ser ainda mais danificado pela exposição a fatores ambientais, como luz solar, fumaça de cigarro e poluição. Tudo isso leva a flacidez, enrugamento e secura, disse Berson.

Mas ela não está convencida de que comer colágeno pode atenuar esses efeitos. Alguns estudos mostram que tomar suplementos de colágeno por vários meses pode melhorar a elasticidade, a umidade e a densidade do colágeno da pele, mas Berson observa que são estudos pequenos e patrocinados pelas fabricantes dos produtos, aumentando a chance de vieses na pesquisa. — Não acho que esteja em posição de ridicularizá-los e dizer que isso definitivamente não funciona. Mas, como médica, gostaria de ver mais ciência baseada em evidências — disse ela.

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Em vez disso, Berson enfatiza a importância de usar proteção solar, manter uma dieta saudável, beber muita água, evitar a fumaça do cigarro e dormir o suficiente — todas formas de "cuidar do colágeno que você já tem, em vez de tentar reabastecê-lo com suplementos", concluiu.

Existem poucas pesquisas sobre os efeitos do consumo de colágeno no cabelo e nas unhas. Um pequeno estudo descobriu que diminuiu a quebra da unha, mas faltou um grupo de controle para comparação. Outro produto que inclui colágeno como um dos muitos ingredientes parece melhorar o crescimento do cabelo, mas é impossível dizer que papel ele pode desempenhar nessa mistura.

Sem indicação para osteoartrite
Letícia Deveza, bolsista de reumatologia da Sydney Medical School, na Austrália, não recomenda de forma rotineira suplementos de colágeno para pacientes com osteoartrite. — A melhor evidência disponível sugere que eles têm apenas pequenos efeitos sobre a dor nas articulações, que provavelmente não são significativos para os pacientes — disse ela, acrescentando: — Minha preocupação é as pessoas confiarem demais em suplementos que não têm benefícios claramente demonstrados e negligenciar outros componentes importantes do tratamento da osteoartrite, como exercícios e controle de peso.

Suplementos de colágeno também são comercializados para atletas, mas "não há evidências que mostrem que tomar proteína de colágeno melhore sua capacidade de reconstruir ou curar", disse Stuart Phillips, professor de cinesiologia da Universidade McMaster em Ontário, Canadá, e autor de um recente estudo internacional sobre suplementos dietéticos. As alegações são “em grande parte lixo”, disse ele, acrescentando que a indústria de suplementos não é bem regulamentada.

O Globo - Saúde/Bem-estar


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

A quem interessava a morte do miliciano que guardava segredos - VEJA - Blog do Noblat




Troca de tiros. Ou execução pura e simples 
Por Ricardo Noblat

Troca de tiros. Ou execução pura e simples

Deixa ver se entendi. Setenta policiais do BOPE baiano, tropa de elite bem treinada, cercaram o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega num espaço de vaquejadas no município de Esplanada. Uma semana antes, ele escapara ao primeiro cerco na Costa do Sauípe. Ao escapar também do segundo, refugiou-se numa casa acanhada de um vereador do PSL a 8 quilômetros de distância. 

A casa, abandonada, ficava numa área isolada. Sem vizinhos. Só com o descampado à vista. Um conhecido de Nóbrega deu o serviço à polícia e ela cercou o miliciano pela terceira vez. Ele estava sozinho, mas, segundo a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, portava um fuzil e uma pistola, além de 13 celulares. Teria reagido à prisão disparando contra os policiais. Acabou morto.

A acreditar-se na versão oficial, Nóbrega chegou a ser levado ainda vivo para o hospital de Esplanada e, ali, morreu. Uma fonte da direção do hospital informou que ele chegou por lá já morto. Ao removê-lo do local onde teria se dado o tiroteio, a cena (ainda não chamemos “do crime”) foi alterada. Dela, além de mancha de sangue, deve ter ficado buracos de bala nas paredes.

[causa estranheza que em várias fotos publicadas na imprensa, são mostrado vários objetos, inclusive fotos da cama com sangue nos lençóis, também são mostradas  armas, que estavam com o ex-capitão; 
mas, não são mostradas cápsulas das balas, disparadas por Adriano - item comum em cenas de tiroteios envolvendo pistolas.
Sendo um 'expert', atirador treinado, ele certamente portava mais de um carregador, ensejando maior número de disparos, que, estranhamente, não produziram nenhuma cápsula.
Existem meios que impedem que as cápsulas se espalhem após ejetadas e, se usadas, deixariam outras pistas, que também não foram encontradas - ou foram sumidas.]

Não se sabe ainda. Como não se sabe, três dias depois, se foram recolhidas capsulas das balas disparadas pelos policiais e por Nóbrega no ato de reagir à prisão. Seria melhor dizer: à execução. Porque se fosse para prendê-lo, um homem solitário em uma casa completamente isolada, os policiais poderiam ter agido de outra maneira. Poderiam tê-lo avisado sobre o cerco e esperar.

O que restaria a Nóbrega, cercado, apenas com um fuzil e uma pistola, a não ser se entregar? Salvo se preferisse morrer. Digamos que ele estivesse disposto a resistir e a disparar toda a munição que dispunha. Muito bem: depois da última bala, seria forçado a render-se. Mas, não. Os policiais invadiram a casa e o mataram. Nóbrega era caçado como alguém que tinha muito que contar.

Com ele, morreram os preciosos segredos que guardava. [caso os guardasse.] Segredos que lhe seriam úteis na hora de negociar uma delação em troca do prêmio de uma sentença menos dura. Quem ganhou com a sua morte? A quem interessava, de fato, que Nóbrega fosse morto? Só a polícia do Rio e o Ministério Público poderão responder. É de duvidar que respondam tão logo. Ou mesmo um dia.

Blog do Noblat - Ricardo Noblat,  jornalista - VEJA


 

sábado, 6 de abril de 2019

Quanto vale a vida

Sem preparo técnico, juízes decidem quem tem direito ao que há de mais moderno na medicina


O total de ações judiciais pedindo remédios e tratamentos ao Estado e às operadoras de saúde aumenta mais de 100% em nove anos. Sem preparo técnico, os juízes tornam-se os responsáveis por decidir quem tem direito ao que há de mais moderno na medicina. Os dados esquentam a discussão sobre o polêmico processo de judicialização da saúde que toma conta do País

O título desta reportagem é uma pergunta sem resposta. No campo moral, a vida é o maior valor da humanidade e, por isso, não tem preço. No entanto, descendo da escala ética para a crueza de uma realidade em que o dinheiro é escasso, ela pode ser precificada e algumas acabam valendo mais do que outras. É o que acontece quando um cidadão entra com uma ação na Justiça para que tenha direito a um remédio ou a um tratamento importante para sua saúde ou evitar sua morte.

Em geral, as decisões dos juízes são favoráveis aos pacientes, o que é ótimo para eles. No âmbito da saúde coletiva, porém, é um desastre. Afinal, a pessoa que obteve na Justiça uma vitória individual de alguma forma conseguiu fazer com que a sua vida valha mais do que a de alguém nas mesmas condições de saúde, mas que não consegue pagar um advogado ou sequer tem a informação de que isto pode ser feito.  

O paciente vitorioso tem culpa de sê-lo? Não. Segundo a Constituição, todos têm direito à saúde e o que ele fez foi acionar a Justiça para se assegurar deste direito. Não há culpa nestas situações, há sim uma desigualdade no tratamento que pode ser condenável, se analisada do ponto de vista coletivo, ou aceita se considerada pelo aspecto individual e legal. Este é o principal dilema trazido pela crescente judicialização da saúde, um fenômeno mundial que, no Brasil, alcança patamares impressionantes.

Segundo pesquisa recente solicitada pelo Conselho Nacional de Justiça ao Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), entre 2008 e 2017 houve um aumento de 130% no número anual de processos judiciais envolvendo questões de saúde na primeira instância. No mesmo período, o número de processos em geral cresceu 50%. Ou seja, menos do que a metade do que as demandas por saúde. “Em 75% dos casos os juízes dão ganho de causa aos pacientes, independentemente de as ações serem contra o Estado ou contra seguradoras privadas de saúde”, explica Paulo Furquim, do Centro de Regulação e Democracia, do Insper, e responsável pelo estudo. Estes números dão a exata dimensão do que está acontecendo hoje na gestão da saúde no Brasil: os magistrados, e não os médicos, arbitram quem deve receber um tratamento. Aqui, novamente, não há culpa dos juízes. Eles trabalham para julgar e decidir. No entanto, falta a eles preparo técnico para tomar decisões sobre problemas específicos e por diversas vezes polêmicos até entre a comunidade médica. Se acertam em milhares de casos, concedendo o que é demandado porque realmente precisa ser ofertado, eles também erram, e muito. “Eles não tornam explícitas as informações técnicas nas quais baseiam suas sentenças”, afirma Furquim. “É preciso facilitar o treinamento dos juízes.” O órgão técnico existente com essa finalidade é o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário. No entanto, por causa da enorme demanda, é cada vez mais difícil dar conta de tantos processos.

Um caso emblemático de decisão equivocada foi a determinação, pela Justiça, do fornecimento pela Universidade de São Paulo (USP) de cápsulas de fosfoetanolamina. Trata-se de um produto sem eficácia comprovada contra o câncer que havia sido pesquisado na instituição e que despertou em muitos a esperança de cura. Cerca de 13 mil processos judiciais foram abertos contra a USP em 2015 pedindo as tais cápsulas. Como muitos ganharam liminares favoráveis, a USP teve produzir e dar a substância, apesar de não haver prova científica de benefício.

Em compensação, há centenas de doentes, em especial portadores de doenças raras, que não têm outra saída a não ser a judicialização. Há no Brasil 13 milhões de portadores de enfermidades do gênero. “Essas doenças são tratadas com drogas órfãs, únicas para cada tipo de patologia”, explica Antoine Daher, presidente da Casa Hunter, entidade de apoio a pacientes com enfermidades raras. Apenas 3% delas têm tratamento, normalmente com medicações de alto custo. Alto mesmo. Tome-se o exemplo da Atrofia Muscular Espinhal (AME), doença neuromuscular caracterizada por perda dos neurônios motores da medula espinhal e do tronco cerebral, o que leva à fraqueza muscular progressiva e atrofia. Recentemente, surgiu a primeira e única medicação para a enfermidade, o Spinraza. Porém, cada dose custa R$ 365 mil. O paciente tem que usar seis doses no primeiro ano e três nos anos seguintes.

Como uma família pode bancar isso sozinha? Praticamente impossível. Por isso, elas recorrem à Justiça. E há alguém capaz de dizer que se trata de uma medicação cara demais e que, portanto, aquele doente não possui direito à única chance de vida que tem? Impossível também. A vida de Gian Lucca Trevellin, seis anos, acometido pela AME, não vale o preço? Vale, claro. E a Justiça entendeu isso, concedendo à família o direito ao tratamento. Mesmo assim, isso não quis dizer que tudo correria sem pedras no caminho. “Em fevereiro de 2017 conseguimos decisão judicial favorável para que meu filho tomasse o Spinraza. Mas só recebemos o medicamento em março de 2018. Nesse período, 70 crianças morreram em decorrência da doença”, contou Renato Trevellin, pai de Gian Lucca e presidente da Associação Unidos pela Cura da AME. Hoje há cem pessoas recebendo a droga no País.

Outro exemplo de que a judicialização se mostra o único caminho é o fornecimento do remédio Soliris, indicado para a enfermidade rara chamada Hemoglobinúria Paroxística Noturna, que afeta o sistema sanguíneo. O tratamento custa quase R$ 2 milhões por ano. Mais de 300 pessoas conseguiram o remédio, gerando um custo para o Estado de R$ 700 milhões por ano. “É um caso legítimo porque se trata da vida de pessoas. Mas esse dinheiro sai de outros programas públicos, como vacinação e saúde da família, relevantes para uma quantidade maior de pessoas”, afirma o economista Furquim, do Insper. Só em 2017, o Ministério da Saúde destinou R$ 1,02 bilhão para compra de remédios e tratamentos exigidos por demandas judiciais.

Sem dúvida, é muito dinheiro em um país onde o cobertor para ações sociais é historicamente pequeno para o tanto de gente que deve cobrir. O ex-secretário de saúde de São Paulo, David Uip, por exemplo, quando no exercício do cargo viu-se rotineiramente diante de sentenças judiciais justas que não tinha como cumprir na prática por falta de recursos. Mas também deparou-se com pedidos absurdos cedidos pela Justiça, como o fornecimento pelo Estado de sabonetes a remédio para cachorro, além de esquemas de fraude. Mas, nos casos de necessidade real, como gestor que era, lutava diariamente para resolver o dilema ético que povoa principalmente a mente de quem determina para onde vai o dinheiro: afinal, quanto vale a vida? Quem morre para que outros sobrevivam?

Matéria completa em IstoÉ