“A política de terra arrasada na montagem da equipe do governo Bolsonaro promoveu muita gente inexperiente a posições estratégicas, apenas por serem capazes de agradar o chefe”
O governo começa a perder seus peões, a tropa de choque escalada
pelo presidente Jair Bolsonaro para fustigar os adversários ou servir
como linha de defesa do governo. No jogo de xadrez, os peões são oito de
cada lado. Funcionam como soldados nas batalhas, ou seja, se sacrificam
para salvar as peças mais valiosas, atrair o inimigo para uma armadilha
ou possibilitar um ataque de surpresa. Podem ser importantes para fazer
pressão e até protagonizar situações de xeque-mate no rei adversário.
O peão não tem direito de recuar, só pode andar para a frente,
sendo duas casas se for o primeiro lance, ou na diagonal, se for
capturar uma peça adversária. Quando na quinta fileira, pode capturar en
passant o peão adversário na coluna adjacente que avançar duas casas em
seu primeiro movimento. E ao atingir a oitava linha, transforma-se em
qualquer outra peça, excluindo o rei, movimento chamado de coroação ou
promoção. Nesse caso, é trocado imediatamente por outra peça: cavalo,
bispo, torre ou a poderosa rainha.
Depois da demissão de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura, um
peão que jogava avançado, ontem foram mais dois os dispensados. Pela
manhã, o secretário executivo da Casa Civil, Vicente Santini, que gastou
R$ 700 mil do orçamento da FAB ao usar um jatinho para ir de Davos, na
Suíça, a Nova Delhi, a capital da Índia, substituindo o ministro Onyx
Lorenzoni, que está de férias. Quando soube do ocorrido, Bolsonaro
demitiu-o sem falar com o titular da pasta, que já anda desprestigiado,
mas não pode pedir para sair por esse motivo. Santini chega hoje pela
manhã a Brasília, com Martha Seillier, secretária do PPI, e Bertha
Gadelha, assessora internacional do PPI, no mesmo jatinho da FAB.
O outro demitido foi o presidente do INSS, Renato Vieira, pelo
secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Leonardo
Rolim é o substituto. Finalmente, caiu a ficha de que era melhor
colocar alguém mais experiente para lidar com o problema das enormes
filas no INSS, nas quais 2,6 milhões de pessoas aguardam o recebimento
de aposentadorias e benefícios .
Burro operante
Bolsonaro começa a se dar conta de que existe uma burocracia
competente no governo federal e que caberia a ela tocar a máquina do
governo, não aos correligionários. A política de terra arrasada na
montagem de sua equipe promoveu muita gente inexperiente a posições
estratégicas, apenas por serem capazes de agradar o chefe com uma
narrativa ideológica que soa como música aos seus ouvidos. O problema é
que a gestão pública lida com problemas objetivos, não lida apenas com
ideias fora do lugar. Num país com dimensões continentais, quando o
administrador erra no conceito, vira o “burro operante”, isto é, quanto
maior a audácia, combatividade, criatividade, disciplina, firmeza,
atributos que enchem os olhos do presidente da República, maior o
desastre.
A tese do “burro operante” faz parte do anedotário do executivo
Antonio Maciel Neto, que reestruturou empresas como Cecrisa, Grupo
Itamarati, Ford, Suzano Papel e Celulose e Caoa Hyundai, destacando-se
por sua capacidade de montar e desenvolver equipes de alta performance,
habilidade nas negociações e bons resultados no cumprimento de metas.
Não faltam, nos segundo e terceiro escalões do governo, os candidatos a
“burro operante”, não somente entre os bagrinhos. Peças mais nobres do
tabuleiro — bispos, torres, cavalos —, estão tropeçando nas próprias
pernas, ou se enroscando com a língua. No jargão militar, tropa de
assalto não é treinada para ocupação.
Ontem, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro
João Otávio de Noronha, liberou a divulgação dos resultados do Sistema
de Seleção Unificada (Sisu) e os próximos passos do processo seletivo
com base no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019, que estavam
suspensos por causa dos erros na correção das provas. Com a decisão de
Noronha, o governo poderá divulgar o resultado do Sisu e definir novas
datas para o ProUni. A disputa judicial começou depois que o ministro da
Educação, Abraham Weintraub, e o presidente do Inep, Alexandre Lopes,
admitiram que houve “inconsistência” na correção dos gabaritos das
provas aplicadas em 3 e 10 de novembro do ano passado.
Segundo o Inep, o erro ocorreu na gráfica onde foi impresso o
caderno de questões do candidato, que é identificado com um código de
barras do aluno. Depois, imprime-se o cartão de respostas (gabarito),
que também tem um código. Outra máquina une esses dois documentos. O
erro ocorreu na geração do código de barras. O resultado foi que
candidatos que fizeram a prova de uma cor tiveram o gabarito corrigido
como se fosse de outra cor. Com a associação de respostas erradas, houve
candidato que perdeu até 454 pontos. Uma trapalhada tremenda.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense