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segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Faca manchada de sangue - Crise em Manaus, caso para investigação e processos criminais - Nas Entrelinhas

O colapso do sistema de saúde pública em Manaus, por falta de oxigênio, indignou a sociedade, além de traumatizar os profissionais de saúde do país inteiro, porque o episódio provocou a morte de pacientes que estavam estabilizados por asfixia e chegou a obrigar a transferência de crianças recém-nascidas para outros estados, ou seja, pacientes que não tinham nada a ver com a pandemia de COVID-19. Dois dias antes do colapso, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, esteve em Manaus, com o propósito de convencer as autoridades locais a prescreverem em massa o “tratamento precoce” da COVID-19, que vem sendo a opção preferencial dos militares à frente da pasta para combater a pandemia.

Trata-se de um coquetel utilizado em larga escala por médicos clínicos, como tratamento alternativo: hidroxicloroquina, azitromicina, zinco e vitamina D, além da ivermectina, já usada preventivamente, a cada 15 dias, de forma generalizada, por parte da população de baixa renda, como santo remédio contra o novo coronavírus. Rejeitada pelos infectologistas, por falta de comprovação científica, na surdina, essa fórmula virou o eixo da política sanitária do Ministério da Saúde. Na cabeça do presidente Jair Bolsonaro, o coquetel é mais eficiente e mais barato do que as vacinas, além de dispensar as políticas de distanciamento social, ao supostamente transformar a COVID-19 numa “gripezinha”. [Os exemplos do êxito da medicação acima é do conhecimento de qualquer pessoa que queira saber - uma simples conversa com um farmacista é suficiente para comprovar o aumento na venda de tais medicamentos.
O único que tem a compra mais complicada é a 'azitromicina' - se trata de um antibiótico e muitas farmácias exigem receita médica. Apesar de várias aceitarem digitalizar a receita apresentada, devolvendo o original ao comprador.]
Apesar de criticado por infectologistas e sanitaristas, o  “tratamento precoce” é uma prerrogativa da clínica médica, ao qual muitos recorreram e acham que, por isso, foram salvos da morte. Entretanto, a essência da política de saúde pública é preventiva. Por essa razão, o descaso em relação à necessidade de distanciamento social, para desacelerar a propagação da pandemia, e o atraso na vacinação em massa, para imunizar a população, mais cedo ou mais tarde, resultarão em investigações e processos criminais na Justiça. [muito justo que seja tudo investigado - inclusive que seja divulgado número de mortes decorrentes do tratamento precoce = óbvio, caso tenham ocorridos óbitos.
Aliás, devem ter ocorrido visitas informais de autoridades as farmácias,  ocasião em que constataram as vendas - o que parece dificil de ser constatado, talvez pela inexistência, são óbitos decorrentes da medicação.
Esperamos que agora as vacinas sejam eficazes, mais opções de marcas apareçam e a covid-19 passe a ser coisa do passado.]

Vacinas
O general Pazuello está no cargo por ter fama de especialista em logística e para levar adiante “tratamento precoce”. Mas esse é clamoroso erro de conceito, tanto assim que os dois ministros que o antecederam se recusaram a cumprir essa orientação do presidente Bolsonaro. Erros de conceitos, geralmente, provocam fracassos estratégicos, e transformam eventuais qualidades de seus executantes em grandes defeitos. O sujeito vira o “burro operante”. É o caso, por exemplo, do secretário-executivo do Ministério da Saúde, o coronel do Exército reformado Antônio Elcio Franco Filho, cuja experiência como secretário de Saúde de Roraima o guindou ao cargo operacional mais importante de todo o Sistema Único de Saúde (SUS). Nas entrevistas, exibe na lapela um uma faca ensangüentada, broche de ex-integrante de equipe de operações especiais, cujo lema é
“O ideal como motivação/
 A abnegação como rotina/ 
O perigo como irmão e/ 
A morte como companheira”. 
 
[Qual crime pode cometer quem usa - merecidamente, não é para quem quer e sim para quem fez por merecer -  um símbolo que junta idealismo, abnegação, intimidade com o perigo e a morte. Quem brada, escuta ou ler, em qualquer situação,  fez por merecer é invadido por intensa emoção.]
Sem dúvida, o Brasil precisa de soldados treinados para “causar o máximo de confusão, morte e destruição na retaguarda do inimigo”, mas o lugar deles não é o Ministério da Saúde.

Na quarta-feira, em entrevista coletiva, o “faca manchada de sangue” se jactava da operação que estava sendo montada para buscar 2 milhões de doses da vacina de Oxford produzidas na Índia. O governo federal pretendia realizar uma grande jogada de marketing, iniciando a campanha nacional de imunização com a vacina que também será produzida pela Fiocruz,  antes de autorizar o uso da vacina do Instituto Butantan, cuja eficácia o presidente Bolsonaro não perde uma oportunidade de colocar em dúvida. O avião da Azul adesivado para transportar as vacinas não pode decolar, porque as autoridades da Índia não haviam liberado as vacinas.

O Brasil, porém, é um grande país, mas não é para principiantes. Começamos a produzir 8 milhões de doses/mês da vacina russa Sputnik V, em Santa Maria, no Distrito Federal, e em Valparaíso de Goiás, no Entorno de Brasília. Os russos contrataram a União Química, que possui mais 7 fábricas no Brasil,  para produzir a vacina desenvolvida pelo Instituto Gamaleya de Pesquisa em Epidemiologia e Microbiologia e financiada pelo Fundo de Investimentos Diretos da Rússia. [Fundo Soberano.] Todas as doses da vacina russa produzidas no Brasil serão exportadas para países da América Latina que já registraram o imunizante, como Argentina e Bolívia, enquanto aguarda autorização da Anvisa para realização de testes clínicos no Brasil. Ou seja, em breve teremos 3 vacinas produzidas no Brasil: a CoronaVac, do Instituto Butantan; a Oxford, da Fiocruz; e a Sputnik V, da União Química (privada), um “business” russo. Apesar de tanta incompetência, a esperança não morreu.
 
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense  e Estado de Minas
 

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Lá se vão os peões - Nas entrelinhas

A política de terra arrasada na montagem da equipe do  governo Bolsonaro promoveu muita gente inexperiente a posições estratégicas, apenas por serem capazes de agradar o chefe


O governo começa a perder seus peões, a tropa de choque escalada pelo presidente Jair Bolsonaro para fustigar os adversários ou servir como linha de defesa do governo. No jogo de xadrez, os peões são oito de cada lado. Funcionam como soldados nas batalhas, ou seja, se sacrificam para salvar as peças mais valiosas, atrair o inimigo para uma armadilha ou possibilitar um ataque de surpresa. Podem ser importantes para fazer pressão e até protagonizar situações de xeque-mate no rei adversário.
 
O peão não tem direito de recuar, só pode andar para a frente, sendo duas casas se for o primeiro lance, ou na diagonal, se for capturar uma peça adversária. Quando na quinta fileira, pode capturar en passant o peão adversário na coluna adjacente que avançar duas casas em seu primeiro movimento. E ao atingir a oitava linha, transforma-se em qualquer outra peça, excluindo o rei, movimento chamado de coroação ou promoção. Nesse caso, é trocado imediatamente por outra peça: cavalo, bispo, torre ou a poderosa rainha.
 
Depois da demissão de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura, um peão que jogava avançado, ontem foram mais dois os dispensados. Pela manhã, o secretário executivo da Casa Civil, Vicente Santini, que gastou R$ 700 mil do orçamento da FAB ao usar um jatinho para ir de Davos, na Suíça, a Nova Delhi, a capital da Índia, substituindo o ministro Onyx Lorenzoni, que está de férias. Quando soube do ocorrido, Bolsonaro demitiu-o sem falar com o titular da pasta, que já anda desprestigiado, mas não pode pedir para sair por esse motivo. Santini chega hoje pela manhã a Brasília, com Martha Seillier, secretária do PPI, e Bertha Gadelha, assessora internacional do PPI, no mesmo jatinho da FAB.
 
O outro demitido foi o presidente do INSS, Renato Vieira, pelo secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Leonardo Rolim é o substituto. Finalmente, caiu a ficha de que era melhor colocar alguém mais experiente para lidar com o problema das enormes filas no INSS, nas quais 2,6 milhões de pessoas aguardam o recebimento de aposentadorias e benefícios .
 
Burro operante
Bolsonaro começa a se dar conta de que existe uma burocracia competente no governo federal e que caberia a ela tocar a máquina do governo, não aos correligionários. A política de terra arrasada na montagem de sua equipe promoveu muita gente inexperiente a posições estratégicas, apenas por serem capazes de agradar o chefe com uma narrativa ideológica que soa como música aos seus ouvidos. O problema é que a gestão pública lida com problemas objetivos, não lida apenas com ideias fora do lugar. Num país com dimensões continentais, quando o administrador erra no conceito, vira o “burro operante”, isto é, quanto maior a audácia, combatividade, criatividade, disciplina, firmeza, atributos que enchem os olhos do presidente da República, maior o desastre.
 
A tese do “burro operante” faz parte do anedotário do executivo Antonio Maciel Neto, que reestruturou empresas como Cecrisa, Grupo Itamarati, Ford, Suzano Papel e Celulose e Caoa Hyundai, destacando-se por sua capacidade de montar e desenvolver equipes de alta performance, habilidade nas negociações e bons resultados no cumprimento de metas. Não faltam, nos segundo e terceiro escalões do governo, os candidatos a “burro operante”, não somente entre os bagrinhos. Peças mais nobres do tabuleiro — bispos, torres, cavalos —, estão tropeçando nas próprias pernas, ou se enroscando com a língua. No jargão militar, tropa de assalto não é treinada para ocupação.
 
Ontem, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, liberou a divulgação dos resultados do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e os próximos passos do processo seletivo com base no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019, que estavam suspensos por causa dos erros na correção das provas. Com a decisão de Noronha, o governo poderá divulgar o resultado do Sisu e definir novas datas para o ProUni. A disputa judicial começou depois que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, e o presidente do Inep, Alexandre Lopes, admitiram que houve “inconsistência” na correção dos gabaritos das provas aplicadas em 3 e 10 de novembro do ano passado.
 
Segundo o Inep, o erro ocorreu na gráfica onde foi impresso o caderno de questões do candidato, que é identificado com um código de barras do aluno. Depois, imprime-se o cartão de respostas (gabarito), que também tem um código. Outra máquina une esses dois documentos. O erro ocorreu na geração do código de barras. O resultado foi que candidatos que fizeram a prova de uma cor tiveram o gabarito corrigido como se fosse de outra cor. Com a associação de respostas erradas, houve candidato que perdeu até 454 pontos. Uma trapalhada tremenda.
 
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense