Retirado
do pedestal pela Lava Jato, Lula vem sendo submetido a um processo compulsório
de autoconhecimento. Mas ainda não enxerga um culpado no espelho. Nesta
terça-feira, numa entrevista radiofônica, Lula sentiu-se à vontade para cutucar
Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa de Curitiba. Adepto do
bolsa-sítio, Lula ironizou o
bolsa-teto de R$ 4.377 que engorda o contracheque dos seus algozes:
''Agora
aprendi uma nova: o povo brasileiro que não tem aumento de salário, por favor,
façam como juiz Moro e requeiram auxílio-moradia”, disse Lula. “Ou façam como
os procuradores, porque isso que está na imprensa.''
De
repente, Lula encontrou na “imprensa golpista” alguma serventia. Em meio às
“mentiras” contadas pelos jornalistas sobre ele, o noticiário revelou-se útil
ao expor verdades sobre privilégios usufruídos por seus rivais. São, de fato,
vantagens reprováveis. E Lula
ficou empolgado. Tão empolgado que esqueceu de olhar para o entulho que se
acumula na sua retaguarda. Lula
acaba de ser condenado a 12 anos e 1 mês de cadeia por receber como jabaculê da
OAS um tríplex no Guarujá. E está na bica de amargar novo castigo judicial por
conta do bolsa-sítio de Atibaia. Tudo isso sem mencionar o bolsa-palestra, que
rendeu à empresa do orador petista algo como R$ 27 milhões.
Deve-se
ao companheiro Luiz Marinho, candidato do PT ao governo de São Paulo, a melhor
tentativa de explicação sobre os confortos do amigo. Numa entrevista concedida
em julho de 2016 ao repórter Sérgio Roxo, Marinho disse o seguinte sobre a
mamata de Atibaia: “Do que
eu conheço, tem duas pessoas que compraram o sítio [sócios de Fábio Luiz, o
Lulinha, filho de Lula] e disponibilizaram para ele usar, com comprovação de
fontes pagadoras. Portanto, não tem absolutamente nenhum problema.
Rigorosamente, hoje, o sítio não é dele. O sítio é de amigos.”
Marinho
soou didático: “Vamos imaginar que eu tenho uma casa na praia e disponibilize
para você usar todo final de semana, alguém tem alguma coisa ver com isso? É o
caso do sítio.” O repórter quis saber de Marinho se “disponibilizar” o sítio
significa dar a chave da propriedade para Lula.
Ao
responder, Marinho esticou a mão, como se entregasse uma chave: “Toma. Pode
mobiliar, é tua. Se um dia você resolver comprar, eu te vendo. Se não, um dia
meu filho vai exercer o poder de herança.”
Nessa
versão, Lula abancou-se no sítio e, sem pagar um níquel, obteve licença para
usá-lo como bem entendesse, trocando inclusive a mobília. Se um dia lhe der na
telha, pode manifestar o desejo de comprar o sítio que ocupa de graça. Do
contrário, os donos se comprometem a jamais importuná-lo enquanto viverem. O
sítio foi reformado pela Odebrecht. Ganhou da OAS uma cozinha de luxo, idêntica
à que havia sido instalada no tríplex da praia.
Com sua
explicação, agora reproduzida no processo pela defesa de Lula, Luiz Marinho
dividiu os brasileiros em dois grupos: os cínicos e os azarados, que ainda não
encontraram amigos tão generosos. Uns foram capazes de ceder, por empréstimo
perpétuo, um sítio paradisíaco do tamanho de 24 campos de futebol. Outros
reformaram e equiparam a propriedade graciosamente. Tantos
favores e gentilezas grudaram na testa de Lula um código de barras. Que a Lava
Jato vai transformando aos pouquinhos em sentenças criminais. Inelegível, o
condenado já roça a cadeia. Mas acha que dispõe de autoridade para criticar os
desvios alheios. Intimado pela conjuntura a olhar para o espelho, Lula parece
decidido a não ficar íntimo de si mesmo.
Lula
talvez receba, ele próprio, um auxílio-moradia. Se o STF permitir, o Estado
custeará integralmente sua hospedagem no complexo-médio penal de Pinhal, o
presídio que aloja os condenados da Lava Jato. Na entrevista, assegurou que não
planeja fugir.
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