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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Remakes da Disney ensinam como arruinar um conto de fadas

Madeleine Kearns

National Review

Diferentemente da obra original, em que a princesa é salva do envenenamento de uma maçã pelo beijo do príncipe encantado, na nova Branca de Neve da Disney, protagonista está em busca de ser uma líder empoderada - Foto: Pixabay
 
A 'Branca de Neve' é baseada no conto de fadas escrito pelos Irmãos Grimm em 1812. 
A obra conta a história de uma rainha invejosa que arranja o assassinato de uma mulher mais jovem e bonita, a Branca de Neve. 
A rainha pede que seu coração seja extraído como prova da morte. 
Mas o assassino poupa Branca de Neve, apresentando um coração de porco em seu lugar e instruindo-a a fugir para a floresta do reino, onde ela faz amizade com criaturas da floresta e sete anões.
 
Através de um espelho mágico, a rainha descobre o bem-estar e o paradeiro de Branca de Neve. 
 Disfarçando-se de uma velha bruxa, a rainha a envenena com uma maçã, induzindo um coma semelhante à morte que só pode ser revertido pelo beijo do verdadeiro amor. Felizmente, um belo príncipe passa por lá, dá um beijo na inconsciente Branca de Neve e ela volta à vida e vive feliz para sempre.

Assim como todos os contos de fadas, a história de Branca de Neve comunica certas mensagens morais atemporais: a destrutividade da vaidade; a maldade da inveja; as virtudes da bondade, gentileza e trabalho duro; o triunfo do bem sobre o mal, do amor sobre o ódio. O que ela não comunica são nossas prioridades e sensibilidades mais modernas, como derrotar o patriarcado e ser sensível aos grupos minoritários.

Essas omissões parecem ser o que os cineastas buscam corrigir no novo remake live-action de Branca de Neve, que será lançado nos cinemas no próximo ano. Rachel Zegler, que interpreta Branca de Neve, disse em uma entrevista de 2022 (que ressurgiu recentemente) que Branca de Neve "não será salva pelo príncipe e não sonhará com o verdadeiro amor". Em vez disso, ela estará "sonhando em se tornar a líder que sabe que pode ser e a líder que seu falecido pai lhe disse que ela poderia ser se fosse destemida, justa, corajosa e verdadeira".

A tentativa de mudar as coisas também é evidente no elenco. Branca de Neve é chamada assim por causa de sua "pele branca como a neve". Zegler, por sua vez, é morena. 
Isso é como ter Chapeuzinho Vermelho usando um boné de beisebol azul ou ter uma morena interpretando Cachinhos Dourados.  
E a serviço de qual ponto, exatamente?

Os sete anões, por sua vez, foram reimaginados como "criaturas mágicas". A Disney explicou que consultou membros da comunidade de nanismo e queria "evitar reforçar estereótipos do filme animado original". Esta é uma daquelas situações em que você não pode vencer. Escalar pessoas com nanismo como os sete anões é estereotipar. Escalar pessoas de altura normal (e então fazê-las parecer mais baixas através de CGI [sigla em inglês para designar imagens feitas por computação gráfica], como foi feito em "Branca de Neve e o Caçador" em 2012) é insultar aqueles com a condição através de apropriação. Alternativamente, retirar o foco do nanismo completamente - como neste caso - é apagar completamente a deficiência. Nesse caso, é melhor ficar com os sete anões e escolher os melhores atores para os papéis.

A versão original animada da Disney de Branca de Neve foi lançada em 1937 e foi assistida por gerações de crianças desde então. O que faz os filmes da Disney perdurarem é sua qualidade atemporal. 
Eles são imaginativos, encantadores e falam a todas as idades. 
Além das melhorias na tecnologia e qualidade de animação e produção, as histórias não se prestam a ser "modernizadas". 
Especialmente se o que se entende por modernização é encaixar uma narrativa progressista onde ela não cabe.
 
Além disso, em vez de tentar encaixar um quadrado em um buraco redondo, por que não escrever um roteiro original? Veja 'Encantada' (2007). Ele conta a história original de uma princesa de uma animação de conto de fadas em 2D que acaba em Nova York na vida real. 
A justaposição de seus valores e expectativas com as das pessoas que ela encontra em Manhattan é fonte de muita hilaridade. 
Da mesma forma, a série 'Shrek' do início dos anos 2000 também usa histórias de contos de fadas - incluindo Branca de Neve e o espelho mágico - como personagens secundários na trama principal original.

Satirizar a moral dos contos de fadas ou subvertê-la para seus próprios propósitos, como em 'Caminhos da Floresta' de Stephen Sondheim, pode ser inteligente e engraçado. Mas esses novos remakes são insuportavelmente monótonos, trazendo apenas os temas políticos mais previsíveis.

Como Armond White, da National Review, escreveu sobre o remake de 'A Pequena Sereia', atualmente nos cinemas: "as novas músicas sem melodia de Lin-Manuel Miranda não disfarçam a chatice do projeto, politicamente correto e provocador de Hamilton". Coisas semelhantes podem ser ditas sobre o remake de 'A Bela e a Fera' de 2017, estrelado por Emma Watson (que não sabe cantar e mal sabe atuar), que retirou da animação original toda a sua intensidade e charme. Há mais exemplos - 'Peter Pan', que, ao ser refeito, se tornou 'Peter Pan & Wendy', e tudo sobre empoderamento feminino.

Parece que a Disney está em uma sequência de remakes terríveis. A única coisa positiva que pode ser dita sobre eles é que eles provavelmente inspirarão ainda mais interesse nas versões animadas originais.


Transcrito de Gazeta do Povo - IDEIAS

Madeleine Kearns

National Review

 

quinta-feira, 4 de março de 2021

Ensaio do caos: a contradição dos Estados no combate à covid-19 - O Estado de S. Paulo

 J.R Guzzo

Última realização da entidade que reúne secretários de Saúde é um manifesto em que propõe medidas extremas para reprimir liberdades públicas e individuais

Antes da chegada da pandemia ao Brasil, há cerca de um ano, pouca gente sabia que existe na galáxia nacional dos corpos oficiais algo chamado “Conass” – que não se perca pelo nome, mas é assim mesmo que a coisa chama oficialmente a si própria. 

Esse “Conass” é um “conselho” que reúne os secretários de Saúde estaduais; é presidido, acredite se quiser, por um advogado do Maranhão chamado Carlos Lula, e não por um médico ou aquilo que a mídia descreve hoje como “cientista”
Agora, enquanto durar o coronavírus, está tendo os seus quinze minutos de fama. A última realização dos membros dessa entidade é um manifesto em que propõem medidas extremas para reprimir liberdades públicas e individuais. O objetivo, no seu entendimento, é combater a covid.

De uma vez só, e entre outras coisas, os secretários querem a proibição das missas, o fechamento das salas de aulas recentemente abertas, [algumas, entre elas as escolas públics do DF, nem abriram] o fechamento dos bares, o fechamento das praias, mais barreiras sanitárias e um inédito “toque de recolher nacional”, do Oiapoque ao Chuí. Também querem, é claro, tornar legal o “estado de emergência” – que, como se sabe, tem o extraordinário atrativo (para quem manda nos governos) de permitir compras sem licitação – respiradores artificiais, por exemplo, e você sabe o que mais.

A maior surpresa do pacote todo é essa nova reivindicação de uma “política nacional unificada” de combate à covid – especificamente, estão querendo o tal toque de recolher “nacional”. Como assim, “nacional”? É o exato contrário do que eles mesmos exigiam um ano atrás autonomia completa, sem interferência de cima, para gerir o tratamento da epidemia. Foram atendidos, nisso, pelo Supremo Tribunal Federal, que na prática deu aos governadores e aos prefeitos a responsabilidade exclusiva na área - ao proibir expressamente o governo federal de interferir em decisões sanitárias das autoridades locais. [o que está pegando é que de tanto falar em genocídio, desde que os genocidas sejam o presidente Bolsonaro  e seus ministros, a ideia começa a ser cogitada, com possibilidade de TODOS os envolvidos no assunto - menos o presidente Bolsonaro e seus ministros, que mandam menos no Brasil, especificamente quando o tema é covid-19, que a rainha da Inglaterra governo  lá pelo King United - serem intimados a prestar explicações convincentes e comprovadas de que são inocentes.]
 

Hoje, mais de 250.000 mortos depois e com uma quantidade desconhecida de bilhões em dinheiro público gastos para controlar a epidemia, constata-se, pelo que dizem os próprios secretários de saúde, que o sistema entregue à sua gerência está à beira do colapsoapós um ano inteiro de autonomia, não conseguiram sequer instalar leitos suficientes nas UTIs. Se isso não é a comprovação objetiva do fracasso das autoridades estaduais e municipais, então o que seria? 

A situação não melhora em nada, obviamente, quando se constata que nem eles estão de acordo entre si. No exato momento em que os secretários da Saúde exigem o fechamento das escolas, os secretários da Educação exigem que as salas de aula continuem parcialmente abertas. 
Ambos, da Saúde e da Educação, obedecem aos mesmos governos de Estado – quem está com a razão? 
Os dois não podem estar certos ao mesmo tempo. 
É um ensaio de caos, mas os governadores dizem que está tudo bem com o seu pedaço; a culpa, garantem todos, não é deles.

JR Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo
 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Disputa política - A guerra das vacinas não provou nada. Nem qual será seu peso para a eleição de 2022

J.R. Guzzo

Ainda é muito cedo para dizer se a guerra pela vacina terá reflexos sobre a eleição de 2022

A eleição presidencial de 2022 ainda está longe, e tentativas de adivinhar hoje o que vai acontecer daqui a dois anos são ótimas candidatas a quebrarem a cara. Apesar dessas evidências, o noticiário político está carregado de previsões sobre quem está ganhando e quem está perdendo. Tudo bem: eleição é assim mesmo, com muita fumaça e pouco fogo até a hora em que as coisas começam a ficar sérias de verdade. Não adianta brigar com isso.

Imagina-se, no momento, que as vacinas contra a Covid – a “vacina do Doria” de um lado do ringue, e a “vacina do Bolsonaro” no canto oposto – vão ser a chave de tudo. Ganha a eleição quem der ao eleitorado a impressão de que vacinou mais que o outro, ou que a sua vacina “pegou mais” que a do inimigo, e outros despropósitos da mesma ordem.

É um retrato da qualidade miserável em que afundou o debate político no Brasil nos dias de hoje. Não há a mais remota possibilidade de se debater com seriedade as questões reais que a sociedade brasileira tem pela frente. É o bom encaminhamento que se der a elas, para começo de conversa, que vai determinar a eficácia da vacinação e de qualquer outra decisão do poder público.

Mas o que se tem no momento é uma operação de marketing para um lado fazer melhor figura que o outro junto aos eleitores – e uma briga de foice entre dois políticos que estavam juntos dois anos atrás, e são agora inimigos de morte por razões que não têm absolutamente nada a ver com nenhum princípio.

Nenhum país bem sucedido do mundo, em termos de vacinação, está fazendo nada remotamente parecido com o que se faz hoje no Brasil. Alguém já imaginou na Inglaterra, por exemplo, faixas, discurseira de político e propaganda grosseira sobre a vacina? Tipo: “A Rainha, o Duque de Edimburgo e você só estão tomando esta vacina porque o Governo resolveu tudo, e a oposição não fez nada”. Não dá mesmo para imaginar.

Além da palhaçada, da vigarice e da perversidade de se transformar um desastroso problema de saúde pública em briga política pessoal, a guerra das vacinas ainda não provou nada nem qual o seu exato efeito sobre a evolução da epidemia e, muito menos, qual o peso que a vacinação de hoje terá em 2022. Quais as lembranças que ainda estarão de pé, daqui a dois anos? É isso o que vai realmente contar, no fim de todas as contas.

J.R. Guzzo, jornalista - Gazeta do Povo - VOZES 

 

domingo, 10 de janeiro de 2021

Muitas tensões à vista - Nas entrelinhas

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso foram amortecedores dos conflitos gerados pela mentalidade castrense e centralizadora que predomina no Palácio do Planalto

O ano de 2021 começa com sinais fortes de que será marcado por muitas tensões políticas e poucas entregas do governo Jair Bolsonaro. Dois episódios apontam nessa direção: 
um é a guerra das vacinas, na qual o governo federal, por meio de medida provisória, tentou requisitar vacinas, seringas e agulhas já adquiridas pelos estados para viabilizar a campanha nacional de vacinação; 
o outro, o jogo bruto do Palácio do Planalto para eleger os presidentes da Câmara e do Senado, com apoio ostensivo, a base de liberação de verbas e loteamento de cargos, ao deputado Arthur Lira (PP-AL), e  ao senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente. 
Vamos por partes:
A medida provisória que pongava vacinas, seringas e agulhas dos estados foi uma saída do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para resolver um problema criado por sua própria equipe: 
a não-aquisição dos insumos básicos para a campanha nacional da vacinação em tempo hábil e a aposta numa única vacina, a de Oxford, que será produzida pela Fiocruz. [erro grosseiro foi o do Joãozinho Doria, que apostou tudo em uma vacina genérica chinesa, que está encalhada ainda na fase de apresentação de resultados = no pedido de registro que apresentou à Anvisa,  faltam quase 50% das informações necessárias.
Óbvio que a maior parte da grande mídia vai atribuir a falta de documentos não juntados pela Sinovac ao pedido de registro da Coronavac, a manobra da Anvisa para sabotar o governador paulista.
E, o assunto será judicializado cabendo ao  MD Lewandowski, especialista do STF em CIÊNCIAS da SAÚDE, a palavra final - não é necessário ser cartomante para se deduzir qual será tal decisão.]
São tarefas que as equipes do Ministério da Saúde, em todos os governos, e todos os ministros que o antecederam, tiravam de letra, porque havia expertise de gestão no setor para vacinar até 10 milhões de pessoas por dia. Essas equipes foram desmanteladas e substituídas por militares arrogantes e inexperientes, a começar pelo secretário-executivo da pasta, aquele que anda com uma faca ensangüentada na lapela, o broche de ex-integrante de unidade de operações especiais do Exército. [qualquer integrante, ou ex-integrante, da unidade do 'gorro preto', um comando, usa com orgulho a 'faca na caveira' um maiores símbolos  de uma das unidades de operações especiais mais bem treinadas e que significa a vitória da vida sobre a morte = 'muitos tentam mas poucos conseguem'.]

O papel de Robin Hood ensaiado pelo general Pazuello — tirar dos estados com vacinas para dar aos sem vacinas [as vacinas serão distribuídas de forma equitativa e proporcional, entre todos os estados.

Os recursos são públicos, do Governo Federal, e a decisão privilegiando um estado, em prejuízo do restante do Brasil (especialmente os profissionais da Saúde que deverão ter prioridade sobre todos) será revista.]  foi frustrado por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que proibiu a requisição das vacinas, seringas e agulhas já adquiridas por alguns governos estaduais e prefeituras, entre os quais o de São Paulo. Por ironia, a vacina produzida pelo Instituto Butantan, em parceria com os chineses, a CoronaVac, que o presidente Jair Bolsonaro tentou desacreditar [tentativa desnecessária,  já que a própria farmacêutica chinesa se auto desacreditou e está enrolada com a Anvisa devido o elevado número de documentos que não juntou ao seu pedido de uso emergencial.]  e  acabou sendo comprada pelo Ministério da Saúde. São 100 milhões de doses que salvarão o governo federal do vexame de não ter como começar a vacinar imediatamente a população.

O episódio promete ter um final feliz, mas merece uma reflexão mais profunda sobre a natureza do governo Bolsonaro e a relação que pretende manter com os demais entes federados, a imprensa e a sociedade. Primeiro, adota os métodos da caserna em atividades civis, o que não tem chance de dar certo. Segundo, não compreende a natureza democrática do Estado brasileiro, regido pela Constituição de 1988, que é federativo e ampliado, ou seja, garante a independência dos demais poderes, a autonomia de estados e municípios, os direitos dos cidadãos e presta contas aos órgãos de controle e à sociedade. O Ministério da Saúde, muito mais do que o vértice, é o centro do Sistema Único de Saúde (SUS), que tem uma gestão compartilhada horizontalmente com os demais entes federados e outros órgãos e autarquias, e não uma cadeia de comando vertical e militarizada, ou seja, trabalha na base da coordenação e cooperação. O ministro da Saúde precisa fazer a sua parte e liderar; se achar que manda em tudo, vira rainha da Inglaterra.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense 

 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Uma vacina contra a estupidez - Fernando Gabeira

In Blog
Com a vacina no horizonte, a dois meses de completar 80 anos, a Covid-19 me visitou. Se a ideia era me matar na praia, o vírus perdeu. Tornou-se apenas uma memória no meu sangue, na forma de IgG reagente. Um retrato na parede, como dizia Drummond. Pouca febre, muita dor de cabeça: é bom vencer uma batalha, mesmo sabendo que, no final, perde-se a guerra. [os quase 80 anos e o passado agitado do articulista, não deixam dúvidas ser ele 'duro na queda'. No agitado passado perdeu batalhas, agora venceu a peste chinesa.  
A seu favor teve, e tem, um fato reconhecido pelo nosso presidente: devemos combater e nos prevenir contra o coronavírus, mas a covid-19 é na maior parte das vezes uma "gripezinha". Graças a DEUS,  seu índice de contágio é inferior ao da influenza e sua letalidade a torna menos mortífera do que muitas outras doenças tradicionais que continuam, e infelizmente continuarão matando milhares e milhares de brasileiros.]

Ainda assim, estarei na fila da vacina. Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas a Covid-19 tem negado essa crença popular. Bolsonaro está tirando o bumbum da seringa. E o faz em situações diferentes. Em primeiro lugar, quer que as pessoas assumam um termo de responsabilidade ao tomar a vacina. Ele não leu a Constituição no trecho que afirma que a saúde como direito de todos é dever do Estado.

Em segundo lugar, afirma que não vai se deixar vacinar e ponto final. Em muitos lugares do mundo, os estadistas se vacinam em público para estimular as pessoas. Obama, Clinton e Bush se dispuseram a isso. O vice-presidente dos EUA o fez. A rainha da Inglaterra espera na fila de vacinação. Depois de muito resistir à CoronaVac, que chama de vacina chinesa, Bolsonaro decidiu autorizar o general Pazuello a comprá-la, no Instituto Butantan. [essa vacina tem um problema: não aparece, não existe pedidos de registro, encalhou na FASE 3 de TESTE e em todo o mundo conta apenas com aprovação da China e do 'bolsodoria'.]

Aqui, o movimento de tirar o bumbum da seringa é mais sutil. Ele percebeu que não será fácil conseguir vacinas rapidamente, além da CoronaVac. E o exame cotidiano das pesquisas mostra que a incapacidade de oferecer vacinas derrubará seus índices de popularidade. A ideia de sabotar a CoronaVac não era boa. Na década de 1980, no auge da epidemia de aids, o governo francês sabotou uma técnica de exame de sangue, formulada pelo Abbott. Havia uma iniciativa semelhante, porém mais atrasada, no Instituto Pasteur.

Quando se descobriu que o governo empurrou com a barriga a licença de uma técnica que salvaria muitas vidas, foi um deus-nos-acuda. Famílias de hemofílicos entraram na Justiça, houve até uma tentativa de explodir uma bomba. Para simplificar a história: dois diretores do Centro Nacional de Transfusão de Sangue foram condenados a quatro e dois anos de cadeia. São eles Michel Garreta e Jean-Pierre Allain.

Em síntese: atrasar por razões políticas uma vacina que possa salvar vidas dá cadeia. É importante que os militares da Anvisa saibam disso. O próprio general Pazuello também deveria entender. Se for difícil para ele, sempre haverá alma caridosa para explicar com desenhos e animação. Outro dia, vi nas redes um vídeo em que o general Pazuello, numa festa, cantava “Esperando na janela”. O ministro da Saúde cantando numa festinha, em plena pandemia, é sempre estranho. Pazuello já teve Covid. Foi tratado com todos os recursos disponíveis, não lhe faltou leito.

Ao dizer em discurso que não entende a ansiedade de todos nós, ele se esquece de milhões de pessoas que têm medo de não encontrar vaga em hospital, medo da falta de ar, medo de ser intubadas, medo da morte. A frase de Pazuello é a versão edulcorada do “país de maricas” que Bolsonaro enunciou num dos seus discursos no Planalto. No fundo, são pessoas que não entendem o medo em nossa economia psíquica, muito menos as qualidades do feminino. Associam ideias estupidamente.

Percebo agora como subestimei o perigo que Bolsonaro representava em 2018. Calculava apenas a ameaça à democracia e contava com os clássicos contrapesos institucionais: STF e Congresso, imprensa. Não imaginei que um presidente poderia enfrentar uma tragédia como o coronavírus ou precipitar dramaticamente a tragédia anunciada pelo aquecimento global.

Os Estados Unidos passaram por um flagelo semelhante e o superaram, apesar das marcas. A versão tropical é mais devastadora, não só pela profundidade da ignorância de Bolsonaro, mas também pelas circunstâncias. Trump deixa os Estados Unidos com pelo menos uma vacina produzida nos EUA e quantidade de doses contratada suficiente para imunizar o país. No seu lugar, entra Biden: consciência ambiental e sintonia absoluta com a ciência no combate ao coronavírus. [ser recorrente torna-se necessário: quanto estiver disponível para compra a vacina chinesa, ou outra, devidamente registrada na Anvisa ou no FDA, e o governo Bolsonaro se recusar a comprar, pode, e até deve, ser denunciado.

Por conquanto, cabe preocupação aos muitos que desde o inicio da pandemia adotam medidas estapafúrdias, conflitantes, inúteis, quase sempre cerceiam ações governamentais, . Estes certamente terão que prestar contas.]

Não tenho dúvidas de que também vamos acordar do pesadelo. Mas uma importante tarefa, assim como aconteceu com uma geração de intelectuais alemães no pós-guerra, será estudar as causas disso tudo: as raízes no imaginário nacional que nos tornam tão vulneráveis à barbárie, tão seduzidos pelo discurso da estupidez.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira,  jornalista

Artigo publicado no jornal O Globo em 21/12/2020

 

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Lá se vão os peões - Nas entrelinhas

A política de terra arrasada na montagem da equipe do  governo Bolsonaro promoveu muita gente inexperiente a posições estratégicas, apenas por serem capazes de agradar o chefe


O governo começa a perder seus peões, a tropa de choque escalada pelo presidente Jair Bolsonaro para fustigar os adversários ou servir como linha de defesa do governo. No jogo de xadrez, os peões são oito de cada lado. Funcionam como soldados nas batalhas, ou seja, se sacrificam para salvar as peças mais valiosas, atrair o inimigo para uma armadilha ou possibilitar um ataque de surpresa. Podem ser importantes para fazer pressão e até protagonizar situações de xeque-mate no rei adversário.
 
O peão não tem direito de recuar, só pode andar para a frente, sendo duas casas se for o primeiro lance, ou na diagonal, se for capturar uma peça adversária. Quando na quinta fileira, pode capturar en passant o peão adversário na coluna adjacente que avançar duas casas em seu primeiro movimento. E ao atingir a oitava linha, transforma-se em qualquer outra peça, excluindo o rei, movimento chamado de coroação ou promoção. Nesse caso, é trocado imediatamente por outra peça: cavalo, bispo, torre ou a poderosa rainha.
 
Depois da demissão de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura, um peão que jogava avançado, ontem foram mais dois os dispensados. Pela manhã, o secretário executivo da Casa Civil, Vicente Santini, que gastou R$ 700 mil do orçamento da FAB ao usar um jatinho para ir de Davos, na Suíça, a Nova Delhi, a capital da Índia, substituindo o ministro Onyx Lorenzoni, que está de férias. Quando soube do ocorrido, Bolsonaro demitiu-o sem falar com o titular da pasta, que já anda desprestigiado, mas não pode pedir para sair por esse motivo. Santini chega hoje pela manhã a Brasília, com Martha Seillier, secretária do PPI, e Bertha Gadelha, assessora internacional do PPI, no mesmo jatinho da FAB.
 
O outro demitido foi o presidente do INSS, Renato Vieira, pelo secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Leonardo Rolim é o substituto. Finalmente, caiu a ficha de que era melhor colocar alguém mais experiente para lidar com o problema das enormes filas no INSS, nas quais 2,6 milhões de pessoas aguardam o recebimento de aposentadorias e benefícios .
 
Burro operante
Bolsonaro começa a se dar conta de que existe uma burocracia competente no governo federal e que caberia a ela tocar a máquina do governo, não aos correligionários. A política de terra arrasada na montagem de sua equipe promoveu muita gente inexperiente a posições estratégicas, apenas por serem capazes de agradar o chefe com uma narrativa ideológica que soa como música aos seus ouvidos. O problema é que a gestão pública lida com problemas objetivos, não lida apenas com ideias fora do lugar. Num país com dimensões continentais, quando o administrador erra no conceito, vira o “burro operante”, isto é, quanto maior a audácia, combatividade, criatividade, disciplina, firmeza, atributos que enchem os olhos do presidente da República, maior o desastre.
 
A tese do “burro operante” faz parte do anedotário do executivo Antonio Maciel Neto, que reestruturou empresas como Cecrisa, Grupo Itamarati, Ford, Suzano Papel e Celulose e Caoa Hyundai, destacando-se por sua capacidade de montar e desenvolver equipes de alta performance, habilidade nas negociações e bons resultados no cumprimento de metas. Não faltam, nos segundo e terceiro escalões do governo, os candidatos a “burro operante”, não somente entre os bagrinhos. Peças mais nobres do tabuleiro — bispos, torres, cavalos —, estão tropeçando nas próprias pernas, ou se enroscando com a língua. No jargão militar, tropa de assalto não é treinada para ocupação.
 
Ontem, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, liberou a divulgação dos resultados do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e os próximos passos do processo seletivo com base no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019, que estavam suspensos por causa dos erros na correção das provas. Com a decisão de Noronha, o governo poderá divulgar o resultado do Sisu e definir novas datas para o ProUni. A disputa judicial começou depois que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, e o presidente do Inep, Alexandre Lopes, admitiram que houve “inconsistência” na correção dos gabaritos das provas aplicadas em 3 e 10 de novembro do ano passado.
 
Segundo o Inep, o erro ocorreu na gráfica onde foi impresso o caderno de questões do candidato, que é identificado com um código de barras do aluno. Depois, imprime-se o cartão de respostas (gabarito), que também tem um código. Outra máquina une esses dois documentos. O erro ocorreu na geração do código de barras. O resultado foi que candidatos que fizeram a prova de uma cor tiveram o gabarito corrigido como se fosse de outra cor. Com a associação de respostas erradas, houve candidato que perdeu até 454 pontos. Uma trapalhada tremenda.
 
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense
 
 

domingo, 8 de setembro de 2019

Nas entrelinhas: O Rei e a Dama - Nas Entrelinhas

“Uma coisa é a expectativa de Bolsonaro quanto à atuação subalterna do novo procurador, outra poderá ser o seu comportamento efetivo no exercício do cargo

O presidente Jair Bolsonaro comparou o novo procurador-geral da República, cargo para o qual indicou o subprocurador-geral Augusto Aras, à dama no jogo de xadrez, cuja principal característica é a capacidade de se movimentar em todas as direções possíveis no tabuleiro, ou seja, na horizontal, vertical e diagonal, quantas casas estiverem disponíveis. Daí, pode-se concluir, espera que Aras seja o seu principal aliado na cena política do país. Bolsonaro, obviamente, não deixou por menos e se comparou ao Rei.

[ser surpreendido pelo indicado/nomeado é um risco inevitável a todos que tem o poder de indicar ou nomear ocupantes para funções vitalícias ou com mandato;
um dos exemplos que bem ilustram este comentário pode ser apontado no STF: 
- temos o ministro Lewandowski que se destaca pela previsibilidade dos seus votos - votando quase sempre de acordo com o esperado pelas partes;
- o ministro Toffoli algumas vezes vota conforme o esperado,em outras surpreende - caso inesquecível é o 'habeas corpus de ofício'.

merece destaque o grande conhecimento do articulista sobre o jogo de xadrez (jogo vedado aos lulopetistas pela capacidade intelectual que sua prática exige) ou é um mestre, um aficionado ou um teórico.]
A dama (ou rainha) é a peça mais poderosa no tabuleiro, de um total de 32, 16 brancas e 16 pretas, sendo que ambas as cores possuem ainda pares de torres, cavalos, bispos, 8 peões. Originariamente, não existia no xadrez; havia o vizir. A ascensão da dama como peça de maior valor relativo do xadrez coincidiu com o reinado de Isabel de Castela, protagonista da unificação da Espanha, ao lado do marido, Fernando de Aragão (a Netflix tem uma série romanesca intitulada Isabel, a Católica, que conta essa história). Outras rainhas poderosas, com a consolidação do absolutismo, ajudaram a consagrar a configuração do jogo que existe até hoje.

Dois outros fatores popularizaram o xadrez: a invenção do tipo móvel por Gutemberg, que permitiu a impressão e as traduções do livro de regras de Luiz Ramires de Lucena (Repetición de amores e arte del axedres); e a expulsão de cerca de duas mil famílias de judeus não convertidos da Espanha, por ordem de Isabel e Fernando de Aragão (Decreto de Allambra), no fim do século XV, que disseminaram o jogo pelas demais cidades europeias.

Iniciantes no xadrez costumam movimentar a sua dama com certa sofreguidão, na esperança de saquear as peças adversárias ou conseguir o xeque-mate com uma das jogadas mais clássicas e conhecidas do xadrez, o xeque pastor. Enxadristas mais experientes costumam se aproveitar dessa “espetada”, pois é fácil repelir o ataque solidário da dama. O defensor acaba ganhando tempo e espaço ao repelir esse ataque, que põe a dama em risco. É muito comum a troca de damas, para evitar que a peça seja utilizada ao final do jogo, quando realmente passa a ter uma vantagem estratégica decisiva por causa da sua grande mobilidade.

Outra coisa
O baiano Antônio Augusto Brandão de Aras, de 60 anos, é um especialista nas áreas de direito público e direito econômico. Ao compará-lo a uma dama, Bolsonaro revela uma intenção incompatível com as regras constitucionais vigentes: ter o controle da Procuradoria-Geral da República, que é um órgão independente do Executivo e demais Poderes. Essa intenção é corroborada pelo fato de que atropelou a listra tríplice eleita pelos procuradores, o que provocou grande desapontamento na instituição.

Aras faz parte de uma geração de procuradores que entrou na carreira do Ministério Público Federal (MPF) em 1987, antes da promulgação da Constituição Federal, e pôde optar por atuar no Ministério Público e manter suas atividades como advogado, o que é muito questionado. Integrantes do órgão que ingressaram na carreira após a Constituição não possuem esse direito. Ao se efetivar no cargo, porém, deverá devolver à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a carteira de advogado.

Doutor em direito constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005); mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Bahia (2000), Aras é professor da Universidade de Brasília (UnB) e atuou nas câmaras das áreas constitucional, penal, crimes econômicos e consumidor, o que levou Bolsonaro a definir seu perfil da seguinte maneira:Sem querer desmerecer ninguém, a gente buscou uma pessoa que fosse nota 7 em tudo, não nota 10 em algo e 2, em outra”.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, diz o criativo provérbio popular. A indicação de Aras desnuda a tensão entre a ética das convicções e a ética da responsabilidade na democracia. Os políticos movem-se pela primeira, ou seja, por seus objetivos; a alta burocracia, pela segunda, ou seja, pela legitimidade dos meios. Por mais que Bolsonaro compare Aras a uma dama no seu jogo de xadrez, o novo procurador-geral da República tem prerrogativas constitucionais que são inerentes ao cargo e independem das vontades do presidente da República.

Sem dúvida, a assunção de Aras à Procuradoria-Geral da República é disruptiva em relação à força-tarefa da Operação Lava-Jato, que exercia uma espécie de tutela moral sobre a própria corporação e precisa ser contida nos eventuais  excessos. Entretanto, isso não significa que seja necessariamente disruptiva em relação ao equilíbrio entre os Poderes da República, embora Aras tenha atribuição de processar, se for o caso, os ministros do Supremo, os deputados e senadores e o próprio Presidente da República. Uma coisa é a expectativa de Bolsonaro quanto à atuação subalterna do novo procurador, outra poderá ser o seu comportamento efetivo no exercício do cargo, que, pela sua própria natureza, deve ser altivo e independente. É melhor esperar pra ver.

 Nas Entrelinhas  - Luiz Carlos Azedo - CB



segunda-feira, 21 de março de 2016

O fugitivo, a rainha e os cidadãos

Curioso que o rei apresentava-se como metalúrgico, embora o tenha sido em um período curtíssimo de sua vida

O fundador de uma dinastia partidária tinha subido na vida política graças a seu carisma pessoal, que o tinha levado ao trono. Em época nem tão remota, contou com a ajuda de um partido que ajudou a criar, da Igreja que o apoiava e de um conjunto de intelectuais desgarrados com a queda das monarquias comunistas, ditas populares.

Conseguiu ardilosamente vender a ideia, falsa aliás, de que estaria mudando tudo o que estava aí, apesar de, em um acesso de bom senso inicial, ter mantido todas as importantes reformas de seu antecessor. A ilusão vingou e foi compartilhada pela maioria dos súditos daquele reino.

Contudo, a farsa não resistiu por muito tempo. Imbuído de uma ideia messiânica de que estaria resgatando o país e, em particular, os pobres, terminou por criar uma corte na linguagem moderna, de militantes e aproveitadores dos mais diferentes tipos, alguns riquíssimos. Nela, não faltaram os “bobos da Corte”, na verdade, um bando de espertos que passou a contar com benefícios próprios, oriundos do exercício arbitrário do poder.

Passado o tempo, o rei e o seu grupo partiram para uma próxima etapa, a de apropriação privada dos bens públicos, com os seus membros aparelhando o Estado, uma espécie de assalto ao Tesouro. É bem verdade que continuavam vendendo a ideia, acreditada por muitos, de que estavam pondo o país na rota do “progresso social”, quando, de fato, estavam destruindo o Estado, as leis e as suas empresas.

A rota que seguiam era a do dinheiro. Ávidos em busca dele, esqueceram, inclusive, das Leis do Reino, que disciplinavam, entre outras coisas, a relação entre o público e o privado. Achavam que isto era coisa de “burguês”, nome utilizado para qualificar qualquer inimigo seu. Não havia mais, na visão deles, adversários, mas, tão somente, inimigos a serem aniquilados. O ódio foi instalado.

O rei tornou-se milionário, embora quisesse ocultar para a massa dos seus súditos essa realidade. Fazia parte da ficção de seu poder. Sua fortuna, graças a diligentes funcionários públicos, juízes, promotores e policiais, que não compactuavam com o arbítrio, foi estimada em dezenas de milhões de reais. O império das leis tornou-se o “seu” império. Dom Lula da Silva, o onipotente.

Curioso que o rei apresentava-se como metalúrgico, embora o tenha sido em um período curtíssimo de sua vida, pois, logo, tornou-se sindicalista e líder partidário, sua verdadeira “profissão”. Manteve, porém, esta imagem, porque era-lhe útil para o exercício do poder. Veio a ser o mais ilustre membro da elite dominante.

Entretanto, o reino guardava um traço democrático, o de realização de eleições periódicas, voltadas para a renovação de seus quadros dirigentes. Era uma espécie de monarquia eleitoral. Frente a tal situação e na impossibilidade, naquele momento, de alterar essa regra, embora o tenha cogitado, optou por um esperto estratagema, o de criar uma sucessora que seria a sua própria criatura.

Crédulos, os súditos aceitaram a sua escolha e a ungiram. Nomearam-na Dona Dilma, a desconexa. Sua trama política consistia em seu retorno futuro. Ocorre que sua “criatura” botou os pés pelas mãos, como se diz em linguagem popular. Gastou o que o reino não tinha para gastar, maquiou as contas públicas, colocou o país na recessão, destruiu empregos e empresas e produziu uma perigosa inflação. Um desastre total.

Neste meio tempo, a máscara começou a cair. Os cidadãos crédulos tornaram-se incrédulos em relação ao culto dominante. As manifestações iniciaram. Aquele grupo de funcionários públicos dedicados passou a investigar e vasculhar as contas públicas. 

 Estarrecidos, descobriam que essas contas tinham se tornado privadas, apropriadas pelo rei, pela sua corte partidária e por um grupo de empresários inescrupulosos. Todos juntos participavam do festim dos bens públicos. Aos súditos, as migalhas! Começaram um impecável trabalho de resgate do império da Lei. Sociedades livres não podem viver sob o arbítrio de poucos, uma oligarquia de esquerda, que vestia tais roupagens com o intuito de esconder os seus crimes. O esforço produziu resultados.

O ex-rei, embora vendesse para os seus crédulos cada vez menos numerosos a sua santidade, começou a fugir da Justiça. Foi um alvoroço no palácio e na corte. Todos corriam para todos os lados, chocavam-se sem cessar, até que algum “iluminado” — de poucas luzes lançou uma ideia genial, própria de gênios desmiolados. Por que não fazer o ex-rei vizir, uma espécie de primeiro-ministro da rainha.

Esta teria inicialmente hesitado em aceitar essa proposta, pois se tornaria uma mera figurante de seu criador. De fato, seria o destino real da criatura. Logo, teve de fazer uma escolha entre ser figurante e coisa nenhuma, pois arriscava perder todo o seu poder. Ocorre que a impunidade tinha acabado no Reino. Ninguém estava mais fora do alcance da Lei. Dom Lula da Silva, o onipotente, já não mais tinha a potência de antanho. Ficou desacorçoado. Em conversas privadas, primava por insultos e palavras de baixo calão. Coisa de bêbado em botequim. Tomou a decisão de fugir.

A questão foi: para onde? Poderia ter escolhido países “amigos”, com os quais sempre desfrutou de uma relação privilegiada. No continente, havia a monarquia comunista cubana ou o projeto terminal da oligarquia bolivariana venezuelana. Seria, porém, patético! Optou, então, por fugir para dentro do palácio, como se este fosse um lugar em que as leis não valeriam. A rainha concedeu-lhe uma espécie de salvo-conduto, o título de ministro, como se assim pudesse escapar dos juízes, promotores e policiais que estavam em seu encalço. A manobra foi pueril.

Os ministros da Corte Máxima, insultados por Dom Lula, o onipotente, reagiram com dignidade e proclamaram que o inaceitável tinha sido atingido. As ruas se inflamaram. Os cidadãos disseram em alto e bom som: basta! Sem medo, proclamaram: abaixo a monarquia esquerdista, viva a democracia!

Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

quarta-feira, 27 de maio de 2015

O juiz Sérgio Moro joga xadrez

No 17º lance, Bobby Fischer entregou a rainha e, como tinha 13 anos, pensaram até que ele não sabia jogar

Há alguns meses o juiz Sérgio Moro perdeu uma parada feia. O caso das propinas pagas na Petrobras pelos holandeses da SBM saiu de sua jurisdição e, pelo que se teme, foi dormir. A SBM é a maior operadora de unidades flutuantes de petróleo do mundo. No ano passado, pagou uma multa de US$ 240 milhões de dólares por propinas que distribuiu mundo afora. No Brasil, despejou US$ 139 milhões de “comissões legítimas”. Moro e a força-tarefa do Ministério Público não disseram uma palavra. Pareciam Bobby Fischer entregando a rainha na partida de xadrez que mais tarde veio a ser chamada de “o jogo do século”.

Nas petrorroubalheiras das sondas e unidades flutuantes estão imersos contratos de US$ 25,5 bilhões. Desde que começou a Lava-Jato, esse braço das operações vem sendo protegido por um manto de empulhações. Em Curitiba, o jogo foi outro. Entre os empreiteiros presos em novembro estava Gerson Almada, vice-presidente da Engevix, dona de um lote de contratos para a construção de sondas. Na sexta-feira, Moro prendeu preventivamente Milton Pascowitch, o Cupido das boas relações do PT com a Engevix. Almada reconhecera que pagava comissões a Pascowitch. Entre 2004 e 2014, foram R$ 80 milhões. Segundo Pedro Barusco, Pascowitch era um dos 11 operadores que molhavam suas mãos e as de Renato Duque, ex-diretor de engenharia e serviços da Petrobras. Se há uma grande conexão entre as petrorroubalheiras e o PT, ela passa também por aí. Um dos clientes da empresa de consultoria do comissário José Dirceu era o doutor Pascowitch.

Quando Bobby Fischer entregou a rainha, sabia o que estava fazendo. Ao fim do jogo, a rainha do adversário ficou sem ter o que fazer e o garoto ganhou a partida. Moro sabe que dois bancos japoneses já jogaram a toalha em relação a seus créditos com estaleiros nacionais. Um terceiro ameaça vir com a faca nos dentes, querendo saber se o seu dinheiro foi usado para pagar propinas. Almada já contou alguma coisa. Duque e Pascowitch estão em copas, mas há razões para se supor que Moro esteja mais um lance à frente, com um novo canário interessado em cantar para o Ministério Público. Em fevereiro o juiz Moro negara um pedido de preventiva contra Pascowitch, agora deferiu-o. Mais: o Ministério Publico está puxando o fio da meada das relações financeiras de empreiteiros com alguns escritórios de advocacia. 

Até agora a iluminação da Lava-Jato favoreceu casos como os das refinarias onde rolavam licitações fraudadas, aditivos e superfaturamentos. A mãe de um empreiteiro sempre poderá sustentar que o trabalho de seu filho resultou em obras visíveis, reais. No caso de algumas unidades flutuantes, o buraco é mais em cima, pois há equipamentos alugados, prontos. O dinheiro vai de uma caixa para outra sem empregar viv’alma.

Os investigadores de Curitiba começaram a mostrar o que sabem a respeito dos contratos do pré-sal. Logo depois de sua posse na presidência da Petrobras, o comissário Aldemir Bendine lembrou que num novo plano de investimentos “talvez você pegue a SBM, que é uma importante fornecedora”. Tão importante que foi proibida de fazer negócios com a empresa e, mesmo negociando um acordo de leniência, ainda não chegou a um acordo com a Controladoria-Geral da União.


Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista