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terça-feira, 15 de junho de 2021

Variantes do coronavírus: quem são e como se comportam - Medicina

Apesar de terem mutações diferentes, elas guardam semelhanças, como maior capacidade de transmissão da Covid-19. Por enquanto, as vacinas funcionam 

Toda vez que um vírus faz suas cópias nas células humanas, está sujeito a erros que levam a mutações no código genético. No caso do coronavírus, essas mudanças estão sendo acompanhadas praticamente em tempo real. Quando um grupo de descendentes (ou uma linhagem, em termos técnicos) do Sars-CoV-2 reúne mutações distintas em comum, passa a ser chamado de variante.

É natural que isso aconteça, mas as notícias de novas variantes preocupam, deixando dúvidas sobre seu real impacto no curso da pandemia de Covid-19. A mais recente é a Delta, detectada pela primeira vez na Índia, mas já disseminada em outros países. incluindo o Brasil. Para ter ideia, ela foi responsável por um aumento de casos no Reino Unido.

Antes de entrar em detalhes sobre as principais variantes, vale esclarecer que a Organização Mundial de Saúde (OMS) mudou a nomenclatura para facilitar a identificação e reduzir estigmas geográficos. Agora elas se chamam assim:
Variante Alfa: a antiga B.1.1.7, identificada no Reino Unido.
Variante Beta: a antiga B.1.351, identificada na África do Sul.
Variante Gama: a antiga P.1, identificada no Brasil.
Variante Delta: a antiga B.1.617.2, identificada na Índia.

A ideia é seguir o alfabeto grego conforme novas cepas sejam identificadas. Essas que destacamos são as chamadas variantes de preocupação (VOCs, na sigla para o termo em inglês variants of concern), assim classificadas pela OMS porque há evidências de que são mais transmissíveis, podem escapar da imunidade adquirida (via vacina ou infecção natural) e/ou provocar versões mais graves da Covid-19.

Existem ainda as variantes de interesse, que são observadas de perto, mas ainda não ganharam o status de alarmantes. Nessa lista, por enquanto, há seis tipos. Mas vamos a um perfil das variantes de preocupação:
Alfa (antiga B.1.1.7)
Quem é:
A primeira variante de preocupação, anteriormente chamada de B.1.1.7. Surgiu no Reino Unido em setembro de 2020. Mutações: São 22 ao todo, entre as que alteram ou não a estrutura do vírus. As principais estão na espícula, a proteína que recobre o vírus. Uma das mais famosas é a mutação N501Y, que intensifica a ligação entre o vírus e as células humanas.
Comportamento: Transmissibilidade entre 30 e 50% maior do que as linhagens anteriores. Alguns trabalhos apontam para possível aumento no risco de hospitalização e maior mortalidade, mas isso ainda não está confirmado.
Resposta às vacinas: Vacinas funcionam normalmente contra ela. Isso é evidenciado por estudos de neutralização de anticorpos e, principalmente, por meio da observação do que houve nos países onde ela se tornou predominante. Os casos seguem caindo com o avanço da imunização a despeito de sua presença.
Situação epidemiológica: Ela foi a responsável pela segunda onda da pandemia que atacou os países do Reino Unido e boa parte da Europa no início do ano, até atravessar o Atlântico e virar a maior responsável por novos casos nos Estados Unidos. Chegou ao Brasil, mas encontrou aqui uma concorrente e tanto, a variante Gama. Chegaremos lá.

Beta (antiga B.1.351)

Quem é: A variante identificada em dezembro de 2020 na África do Sul.
Mutações: Têm alterações em comum com a Alfa, com destaque para a N501Y. Ainda carrega outras duas, na ponta da espícula, que chamam atenção: K417N, com o mesmo efeito de estimular a ligação nas células humanas, e E484K, que poderia ajudar o vírus a escapar dos anticorpos.

Comportamento: Mais transmissível, mas não tanto quanto a Alfa. É investigada por um aumento de mortalidade em indivíduos já hospitalizados, fato ainda não confirmado. A principal preocupação em relação a ela é o escape da resposta imune, que pode elevar a possibilidade de reinfecção e prejudicar a ação das vacinas.

Resposta às vacinas: As vacinas Ad26.COV 2.5, da Janssen, e Comirnaty, da Pfizer, mantêm sua proteção, em especial para casos severos e moderados de Covid-19 causada pela Beta. Mas há indícios de que a Covishield, da AstraZeneca, não funcione frente a essa variante, o que fez a África do Sul suspender seu uso.

Situação epidemiológica: Alcançou Estados Unidos, Canadá e outros 58 países. O primeiro caso brasileiro foi detectado em abril, graças à rede de vigilância genômica instalada no interior paulista, coordenada pelo Instituto Butantan.

Gama (a famosa P.1)
Quem é: Trata-se da variante descoberta no fim do ano passado em japoneses que voltavam do Amazonas.

Mutações: É muito parecida com a Beta, carregando as mesmas mutações principais na espícula do vírus.

Comportamento: Mais transmissível, tanto que devastou o país entre março e abril e ainda está fazendo estragos. Estudos apontam uma taxa de ataque (quantas pessoas um indivíduo doente infecta) semelhante à da variante Alfa, entre 1,6 e 1,4, ante 0,8 do Sars-CoV-2 “original”. Pode escapar dos anticorpos adquiridos em contatos anteriores com outras linhagens do vírus. A redução da ação deles é considerada moderada, mas já abre caminho para a reinfecção.

Agora, a questão da severidade é um mistério. Dados até apontam que ela pode, sim, ser mais letal e aumentar o risco de internação, mas não dá para saber se é culpa da variante ou de outros fatores.  “Tivemos 70% dos óbitos da pandemia no país nos últimos meses, com a predominância da Gama, mas isso pode ter acontecido mais por conta da combinação de alta transmissibilidade e baixa adesão às medidas restritivas, que permite que mais gente se contamine”, aponta o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona Ômica, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI).

Resposta às vacinas: Pesquisas indicam que a Coronavac, do Butantan, manteve sua capacidade de proteção em locais onde a Gama já estava disseminada. A Fiocruz anunciou que a Covishield (AstraZeneca) também faz frente à mutante. Ensaios de neutralização (quando os anticorpos são testados in vitro), trazem ainda resultados positivos da Comirnaty (Pfizer), que devem se confirmar no mundo real.

Situação epidemiológica: Calcula-se que seja responsável por nove em cada dez casos de Covid-19 no país. Suas características fazem com que ela até agora vença a concorrência, tanto que ainda não tivemos uma grande penetração das variantes importadas.

Delta (anteriormente B.1.617.2)
Quem é: Detectada em outubro de 2020 na Índia, foi rotulada como variante de preocupação recentemente, em maio.

Mutações: Mais de uma dúzia, mas duas estão no centro das atenções. A E484Q, alteração semelhante à notada nas variantes Beta e Gama, que poderia ajudar o vírus a escapar dos anticorpos; e a L452R, também ligada à resposta imune.

Comportamento: Parece ser a mais contagiosa até agora. Estima-se que ela seja entre 40 e 60% mais transmissível do que a Alfa, tanto que acabou provocando surtos onde esta já era predominante, como o Reino Unido, o que motivou alertas do governo britânico. Um possível risco maior de hospitalizações está em investigação, mas ainda não foi confirmado.

Resposta às vacinas: Estudos mostram redução importante na ação de anticorpos neutralizantes com apenas uma dose das vacinas de Pfizer e AstraZeneca. Com duas doses, porém, a proteção se mantém. Outra pesquisa, do governo do Reino Unido, mostra que elas são altamente eficazes em reduzir hospitalizações mesmo frente a essa nova inimiga: 96% de proteção para Pfizer e 92% para AstraZeneca.

Situação epidemiológica: Se tornou a mais prevalente da Índia enquanto o país vivia uma devastadora segunda onda. Está sendo associada a um aumento de casos no Reino Unido, que já estava em plena reabertura de comércios e serviços. No Brasil, foram confirmados casos no Maranhão e no Paraná.

O que as variantes nos dizem
Primeiro, que as mutações são relativamente poucas, considerando o tamanho do código genético do vírus. “Ele possui uma enzima que corrige erros na hora da replicação. As variantes mais diferentes apresentam 22 nucleotídeos [pares de bases moleculares que formam o RNA viral] alterados entre 30 mil”, ensina Spilki.

O virologista gaúcho vê semelhanças entre a situação atual e a pandemia de influenza, o causador da gripe, em 2009. Primeiro, tivemos o surgimento da nova cepa H1N1, com um primeiro ano de disseminação de um vírus com genoma praticamente inalterado, seguido por um segundo ano com maior diversidade, e depois uma estabilização dos novos casos em um patamar mais aceitável”, comenta.

Outro achado interessante é que as variantes, apesar de surgirem em vários cantos do mundo, guardam semelhanças em comportamento, sugerindo uma tendência de convergência evolutiva. As mutações mais importantes ocorrem nas mesmas regiões da espícula e, na prática, parecem ter os mesmos efeitos.

Para explicar o que isso significa, Spilki faz uma analogia com pássaros que vivem em ilhas diferentes, mas se alimentam da mesma minhoca. “É como se todos fossem se adaptando para ficarem com o bico cada vez mais parecido e melhor, embora possam haver pequenas mudanças na plumagem ou no tamanho dos animais”, compara.

A convergência traz más e boas notícias. Por um lado, sugere que de fato pode ocorrer uma pequena diminuição na resposta à vacina. Por outro, mostra que é possível identificar as mutações mais consistentes e adaptar as doses a todas de uma vez. Para isso, é fundamental manter a vigilância genômica.

E vale um último recado. Embora os imunizantes ainda funcionem, quando o vírus segue em livre circulação, como no Brasil, corremos o risco de ver novas mutações surgirem, não só atingindo com mais gravidade quem ainda está suscetível, como colocando em risco inclusive os vacinados. Estamos correndo contra o tempo.

Saúde - Chloé Pinheiro - VEJA


quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Mutações no Sars-CoV-2 na Inglaterra: devemos nos preocupar? - Blog Letra de Médico

Adriana Dias Lopes - VEJA

O novo coronavírus não começou a mudar o seu código genético agora. Ele sofre cerca de duas mutações por mês, metade em relação ao vírus influenza

O aumento súbito do número de casos de COVID-19 nas últimas semanas na Inglaterra levou a uma investigação epidemiológica mais profunda. A Inglaterra é um dos países que mais tem investido no sequenciamento do genoma do SARS-CoV-2 como ferramenta de vigilância epidemiológica, e analisa profundamente mais de 10% de todos os casos de infecção, um número impressionante. Graças a esta avançada tecnologia, os ingleses conseguiram detectar o aumento rápido de uma linhagem genética do SARS-CoV-2 que está sendo chamada de B.1.1.7. ou de VUI 202012/01 (Variant Under Investigation, year 2020, month 12, variant 01).

SARS-CoV-2 começou a mutar agora?
Importante entender que o SARS-CoV-2 não começou a mudar o seu código genético agora. Já se sabe que em SARS-CoV-2 acontecem cerca de 1-2 mutações por mês, uma taxa que é metade da taxa de mutação do vírus influenza e um quarto da taxa do HIV, de modo que até agora apenas 11 locais do RNAm do SARS-CoV-2 diferiam em mais de 5% das sequências conhecidas. 
 
Estas mutações vêm sendo acompanhadas de maneira pioneira por um consórcio de pesquisadores mundiais, a iniciativa GISAID (https://www.gisaid.org), que inclui o Brasil, e a grande maioria destas variantes não exerce nenhum efeito maléfico nem benéfico sobre o hospedeiro humano. Todos os dias informações sobre centenas de sequências do SARS-CoV-2 são transmitidas para a base de dados deste consórcio GISAID, de modo que há uma vigilância epidemiológica molecular constante sobre o SARS-CoV-2 desde o início da pandemia em 10 de Janeiro de 2020. Por exemplo, foi detectado alguns meses atrás que uma mutação chamada D614G aumentou muito a sua frequência, mas aparentemente não trouxe maior vantagem ao coronavirus. O que chama a atenção especial sobre esta linhagem inglesa é que ela aumentou de frequência rapidamente e que contém várias mutações ao mesmo tempo, o que a difere das linhagens anteriores que tem, em cada linhagem, uma ou poucas mutações.
 
(.......)

Destas 10 mutações em Spike, três requerem maior atenção dos pesquisadores;

1) A mutação N501Y, que ocorre dentro do domínio de ligação ao receptor (RBD) na região S1 de Spike, e que pode gerar uma afinidade maior desta linhagem com o receptor ACE2, que é a chave para a entrada do SARS-CoV-2 na célula humana. Esta mutação é a que está sendo considerada como a mais preocupante entre todas, provavelmente a responsável pela maior transmissibilidade de toda a linhagem. N501Y foi detectada agora também na África do Sul, mas por origem independente, não por transmissão por viajantes. Este dado, trazido pelo consórcio GISAID, tem importância, pois demonstra que o exato local desta mutação no genoma do SARS-CoV-2, pode favorecê-lo de alguma maneira;

2) A deleção 69-70del, que leva a perda de dois aminoácidos na proteína Spike, se situa no domínio terminal N de S1 de Spike, numa alça exposta na superfície da proteína Spike, que pode representar lugar de ligação de anticorpos contra o Coronavírus, e, portanto, uma mutação ali pode alterar a estrutura de Spike e impactar no reconhecimento por anticorpos. Junto com outras mutações esta é uma que já foi demonstrado que pode escapar da resposta imune quando o paciente é tratado com plasma de convalescentes, ou seja, de pessoas que já tiveram e se recuperaram da COVID-19. “In vitro” ela tem o dobro da capacidade de infecção, “in vivo” ainda não sabemos;

3) Mutação P681H, que se localiza imediatamente adjacente ao sitio de clivagem para a Furina entre S1 e S2 de Spike, lembrando que o SARS-CoV-2 usa este sitio de clivagem para aumentar a efetividade do processo de ligação com o receptor ACE2 e fusão de membranas para penetração na célula humana;

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Em Letra de Médico - VEJA, MATÉRIA COMPLETA -  Por Salmo Raskin