É um engano achar que decisões como tirar dinheiro da União para bancar a campanha eleitoral financiam a democracia
Na terça-feira passada, o relator da reforma política na Câmara,
deputado Vicente Cândido (PT-SP), apresentou à Comissão Especial que
trata do tema parecer com suas propostas para o sistema eleitoral. Entre
as alterações sugeridas está a criação de um fundo, diferente do já
existente Fundo Partidário, destinado a financiar as campanhas
eleitorais de cada candidato. À novidade tão benfazeja aos políticos foi
atribuído o nome de “Fundo Especial de Financiamento da Democracia”, a
ser constituído com recursos públicos previstos na lei orçamentária de
cada ano eleitoral.
Além do nome, o fundo já tem o seu preço. O deputado Vicente Cândido
pretende que, em 2018, sejam destinados R$ 2,185 bilhões ao
“financiamento da democracia”. Às campanhas do primeiro turno seria
destinado R$ 1,9 bilhão e às do segundo, R$ 285 milhões. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), mostrou-se
favorável à discussão do novo fundo. Segundo Maia, como não existe
cultura de doação de pessoa física no Brasil, é preciso se discutir um
financiamento público mínimo para as eleições. “A democracia tem seu
custo”, afirmou o deputado fluminense.
Como foi proibida a doação de empresas a campanhas políticas e não
existe a cultura de doação de pessoas físicas, busquemos – dizem esses
políticos – o dinheiro nos cofres públicos. Ora, desse jeito, resolvendo
o problema do custo das campanhas eleitorais com a inclusão de mais um
item no Orçamento da União, não haverá incentivo à cultura de doação do
cidadão aos partidos.
É óbvio que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecendo a
inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas para campanhas
políticas criou um problema para os partidos. O que não é nada óbvio, no
entanto, é que seja adotada a solução mais confortável aos políticos,
de pôr mais dinheiro da União – que deveria ser destinado para as
prioridades do País – nas mãos dos candidatos para que eles, sem grandes
esforços, possam fazer tranquilamente suas campanhas.
Não se discute que a democracia tem um custo. Fazer campanha política
custa dinheiro. Essa realidade irrefutável deve, no entanto, servir de
estímulo para a democracia. A necessidade de financiar as campanhas deve
levar os candidatos a sair às ruas, debater suas propostas, convencer a
população e, depois, passar o chapéu para arrecadar os recursos
necessários.
Longe de ser uma utopia, esse esforço de diálogo com o cidadão é
justamente o custo da democracia. Quando políticos desistem desse
processo de comunicação com a população, como se fosse difícil demais,
eles estão na verdade desistindo de um dos elementos essenciais da
democracia, que é a busca da identidade de propósitos entre os eleitores
e os representantes que elegem. É um engano achar que soluções artificiais, como a proposta pelo
deputado Vicente Cândido de tirar dinheiro da União para bancar a
campanha eleitoral, financiam a democracia. Na realidade, essas
propostas sacralizam o distanciamento da população em relação à
política.
Nada de catastrófico virá se, em 2018, os políticos não tiverem tanto
dinheiro para suas campanhas. Será uma ótima oportunidade para reduzir
seus custos elevadíssimos e – quem sabe – devolver às campanhas alguma
proximidade com o eleitor. Há muito que as campanhas políticas se
transformaram em caros espetáculos, cuja suntuosidade mais parece
disposta a falsear do que dar a conhecer as propostas de cada candidato.
Não há dúvida de que são necessárias mudanças no sistema eleitoral.
Não são, no entanto, as alterações apresentadas pelo deputado Vicente
Cândido que melhorarão a política nacional. O que faz falta, por
exemplo, é o Congresso aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
282/16, que, entre outros pontos, estabelece cláusula de barreira para
os partidos políticos. Em vez de ampliar o acesso dos partidos aos
recursos públicos, a moralização da política virá justamente pelo
caminho oposto, distanciando o político da verba pública. Talvez assim
ele se disponha a aproximar-se do cidadão.
Fonte: Editorial - O Estado de S. Paulo