O BOI
Faltam-me
palavras para dar conta do que está acontecendo no Brasil. Eu nunca vi o
país assim. Já vi crises violentas como a morte de Getúlio ou o golpe
militar, mas esta tem uma característica diferente; é pastosa, uma areia
movediça que engole tudo.
O
que é uma crise? Digamos que um projeto político ou empresarial
quisesse chegar a determinado objetivo. Corria um risco. Se não desse
certo, teríamos uma crise. Era a época dos riscos. Hoje, vivemos na
incerteza, porque não sabemos como agir.
Hoje,
a crise é sonâmbula – como chegar e aonde chegar? O grave é que esses
impasses estão eliminando os instrumentos institucionais da democracia.
O
Congresso brasileiro é chefiado por dois sujeitos investigados com
provas e recibos por crimes na Lava Jato, e também o Renan quando fugiu
para não ser cassado pela evidência de suas jogadas. E hoje preside o
Senado. Conta isso para um alemão, um inglês, e eles não acreditarão.
O
Brasil está se esvaindo em sangue por causa de um cabo de guerra entre
Dilma e Cunha, em amor e ódio, em busca de proteção mútua: “Você me
salva do impeachment, e eu tento evitar sua cassação”. O Brasil está
paralisado porque Cunha está mandando no país, porque detém o poder de
chantagear todo mundo, mesmo denunciado até pela Suíça (que chique!).
Como pode o Legislativo estar nas mãos desses caras? Parece não haver um
só lugar onde não haja roubo. Na saúde, na merenda escolar, na
educação.
O
Brasil está encurralado entre uma flébil tentativa de ajustar as contas
públicas e o ajuste sendo usado como moeda de troca. O Congresso está
bloqueando nossa recuperação. O Brasil está sendo chantageado. “Se o
Brasil não me atender, eu destruo o Brasil”.
Antigamente,
o segredo era a alma dos negócios espúrios. Hoje, os mais sujos
interesses são expostos à luz fria de um bordel. Está tudo a nossa cara. Sempre
houve roubalheira, considerada apenas um “pecado”, e era uma
roubalheira setorial, descentralizada, e não esta coisa sólida, extensa,
onipresente. Tudo que já apareceu nessa extraordinária ressurreição do
Judiciário, por conta dos competentes juízes e procuradores, será um
troco, uma mixaria quando chegarem aos fundos de pensão, ao BNDES e a
outras empresas públicas.
A
política está impedindo a política. Mentem e negam o tempo todo e não
desmoralizam a verdade apenas; estão desmoralizando a mentira. São
patranhas tão explícitas, tão cínicas que desmoralizam a mentira. O
óbvio está escondido debaixo da mesa. O óbvio está no escuro, o óbvio
está na privada. Quanto à verdade, é fácil descobri-la: ela é o
contrário, o avesso de tudo que políticos investigados negam.
Ninguém
acredita mais no que o Lula fala (só pobres analfabetos e intelectuais
imbecis), ninguém acredita mais no que a Dilma gagueja sob o som dos
panelaços, nem no Renan, no Cunha, mas o show continua. Há um complô de
enganação da sociedade. Por quê? Porque a sociedade para eles é um bando
de idiotas que precisam ser tutelados pelo Estado de esquerda ou
enrolados pelos oligarcas privados. Esse foi nosso pior destino: a união
entre a chamada “esquerda” e a velha direita.
Dilma
não sai nem morta, ela disse. Cunha não sai nem morto. E os dois em
confronto encurralam o país numa briga de foice. São demitidos 3.000 por
dia e o total geral de desempregados já está em 1,2 milhão de pobres
vítimas desse prélio de arrogância e narcisismo. Teremos um déficit
fiscal de R$ 70 bilhões. E tudo bem? No Congresso, ninguém liga. Dane-se
o país, quero o meu... [o final desta crise será idêntico ao de Mussolini e Clara Petacci.]
Faltam-me palavras. Que nome dar, por exemplo, a esse melaço de gente que odeia reformas e o novo? Que
medula, que linfa ancestral os energiza, que visgo é esse que gruda em
tudo? É uma pasta feita de egoísmo, preguiça, herança colonial,
estupidez e voracidade pura. Que nome dar? A gosma do Mesmo?
O
dicionário não basta para descrever uma figura como o Cunha, cuja
aparência não engana. Ele é o que parece, nunca vi um desenho tão
perfeito de uma personalidade. O povo vê horrorizado sua carantonha e
seu bico voraz e percebe que está diante do mal. O povão não entende
muito, mas tem sensibilidade. Cunha é a cara do pesadelo brasileiro. E
tantos outros, escondidos por sorrisos, cabelinhos de acaju ou de asas
da graúna.
Nós,
jornalistas e comentaristas, tentamos ver algum ângulo novo na crise
atual, mas já estamos nos repetindo, martelando o óbvio. Todos os
artigos parecem um só. Eu busco novas ideias, novas ironias para
esculachar essa vergonha, mas ela é maior que as palavras. Falamos, falamos, e não descobrimos o essencial: como é que essa porra vai acabar? O
Brasil estava entrando no mundo contemporâneo com uma nova visão de
economia e gestão, e vieram esses caras e comeram tudo, como as porcadas
magras quando invadem o batatal.
Essa
crise é terrível porque é uma caricatura. É crise do superficial, do
inerte, da anestesia sem cirurgia. A crise é um pesadelo humorístico. A
crise não merece respeito. Sei lá, a depressão de 1929 foi uma tragédia
real. Esta nossa é uma anedota. Ela foi criada artificialmente por essa
gentalha que tomou o poder e resolveu ser contra “tudo isso que está
ai”. Quem estava aí era o Brasil. Eram as conquistas da democracia, essa
palavra que eles usam com boquinha de nojo, apenas como pretexto, como
estratégia para a tal “linha justa”. Como dizia o Bobbio: “O que mais
une o fascismo e o comunismo é seu ódio à democracia”.
O que provocou tudo isso? Foi o populismo endêmico, o patrimonialismo secular, a ignorância histórica. E
esse sarapatel pariu um sujeito despreparado e deslumbrado consigo
mesmo, cujo carisma de operário fascinou intelectuais babacas e comunas
desempregados desde 1968, que resolveram fazer uma revolução endógena,
um “gramscianismo” de galinheiro.
O
PT está arrasando o país. Essa é a verdade. Temos que dar nome aos
bois, ou melhor, ao boi. O causador disso tudo que nos acontece e que
poderá durar muito tempo foi o Lula. Sim. Esse homem que nunca viu nada,
que não sabia de nada é o grande culpado da transformação. Mas o MPF e a
polícia estão chegando perto dele e de suas ocultações. Ele é o boi.
Fonte: Arnaldo Jabor - O Globo