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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Cármen Lúcia impõe a Aras supervisão em todos os casos contra Bolsonaro - VEJA

Blog José Casado

Para arquivar uma denúncia contra o presidente, procurador-geral vai precisar explicar as razões aos juízes do Supremo  

A insistência de Jair Bolsonaro em testar limites das leis e do regime democrático está levando à adoção de parâmetros novos para ações e julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ontem, isso ficou nítido em despacho divulgado pelo Supremo e, também, numa proposta apresentada ao plenário do tribunal eleitoral. A juíza Cármen Lúcia definiu os termos de enquadramento e submissão do procurador-geral da República à “supervisão efetiva” do Supremo em todos os casos contra o presidente e demais servidores públicos com foro privilegiado naquele tribunal.

Ela é relatora de uma das investigações contra Bolsonaro, acusado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) de sabotar o regime democrático nos comícios no Dia da Independência, com ameaças públicas contra o STF, o TSE e os juízes Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.  Ao aceitar o pedido de inquérito do senador, Cármen Lúcia impôs como regra  básica a supervisão de todos os atos processuais do procurador-geral Augusto Aras pelo juiz-relator das causas no Supremo. Isso vale da fase de investigação à conclusão da procuradoria sobre cada caso.

Como exemplo, no cenário de denúncias da CPI da Pandemia contra o presidente, significa que o procurador-geral não pode tomar decisões como a de realizar investigações ou de arquivar denúncias contra Bolsonaro sem supervisão do juiz encarregado. [supervisionar não significa, necessariamente, ter poder de veto sobre as decisões supervisionadas; ao que consta da Constituição Federal a PGR tem autonomia para decidir sobre o que denuncia ou arquiva.
Exceto se prevalecer o entendimento de que eventual divergência entre o supervisor e o procurador-geral da República, vá para decisão do STF. Será isto?
Não nos surpreende o entendimento limitador da ilustre ministra; todos lembram que quando presidia o STF, ela simplesmente cassou do então  presidente da República, o direito constitucional de nomear ministros de Estado - decisão equivocada  que foi, tardiamente, revista pelo plenário do STF.]

Se em algum momento, na procuradoria-geral, houve o entendimento de que era possível arquivar um caso contra um presidente, sem necessidade de explicar as razões dessa decisão ao Supremo, isso mudou com o despacho da juíza.  Ela justificou: “Não seria imaginável supor possível, no Estado democrático de direito, um agente acima e fora de qualquer supervisão ou controle, podendo se conduzir sem sequer ser de conhecimento de órgãos de jurisdição o que se passa ou se passou em termos de investigação penal de uma pessoa.” Acrescentou: “Sem a supervisão [do STF], ele [o procurador-geral] seria o único absolutamente imune a qualquer controle de direito em sua atuação, encaminhando – sem que o Judiciário possa mais que acatar – por exemplo pedido de arquivamento, sem ter de explicitar as razões de sua conclusão, os instrumentos investigativos de que se tenha valido ou qualquer outro esclarecimento necessário.”

E concluiu: “Qualquer atuação do Ministério Público que exclua, ainda que a título de celeridade procedimental ou cuidado constituído, da supervisão deste Supremo Tribunal Federal apuração paralela a partir ou a propósito deste expediente (mesmo que à guisa de preliminar) não tem respaldo legal e não poderá ser admitida.”  A determinação de Cármen Lúcia é do dia 9 de setembro, 48 horas depois dos comícios de Bolsonaro em São Paulo e em Brasília, quando ele ameaçou desobedecer ordens do STF emitidas pelo juiz Alexandre de Moraes. No entanto, só foi divulgada ontem pela manhã. [guardada para ser usada contra eventual conduta da PGR que entendam favorecer o presidente Bolsonaro?] 

À noite, no Tribunal Superior Eleitoral, o juiz Luis Felipe Salomão, relator do processo de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, apresentou uma proposta para punir a difusão em massa de notícias falsas durante eleições.  Se adotada na temporada eleitoral do ano que vem, candidatos não poderão replicar a tática de campanha usada por Bolsonaro em 2018, via redes sociais. Seria caracterizado como abuso, passível de condenação à perda do mandato e com inelegibilidade durante oito anos.

O julgamento da chapa Bolsonaro-Mourão prossegue no TSE. A tendência é de que ambos escapem à condenação — há excesso de provas, mas, em tese, nenhuma seria suficientemente grave para levar à cassação dos mandatos do presidente e do vice.  Esse caso, porém, tende a ser didático, como foi o de Dilma-Temer na eleição presidencial de 2014. Na época, o processo conduzido pelo juiz-relator Herman Benjamin ajudou a iluminar o submundo das finanças e os múltiplos padrões de lavagem de dinheiro em campanhas eleitorais. Desde então, o jogo eleitoral é bancado exclusivamente com dinheiro público.

Como ficou claro ontem, o processo Bolsonaro-Mourão deve servir como veículo para adoção de parâmetros novos na Justiça Eleitoral sobre os abusos com algoritmos. A manipulação de dados para influenciar votos em massa surgiu na eleição de 2014, de maneira tímida. Em 2018 ganhou escala industrial.

José Casado, colunista - Blog em VEJA